Conquista pode ajudar a
tirar do papel o esperado “choque de energia barata” prometido pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes.
A Petrobras fez em Sergipe
sua maior descoberta desde o pré-sal, em 2006. De seis campos, espera extrair
20 milhões de m³ por dia de gás natural, o equivalente a um terço da produção
total brasileira.
Divulgada no mês passado, a
descoberta deve gerar R$ 7 bilhões de receita anual à estatal e sócias, calcula
a consultoria Gas Energy.
Na avaliação do governo, a
conquista pode ajudar a tirar do papel o esperado “choque de energia barata”
prometido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes - plano para baratear em até
50% o custo do gás natural e “reindustrializar” o País.
A aposta do governo é que,
em pouco tempo, deva sair de Sergipe o gás mais barato do Brasil. Primeiro,
pelo próprio aumento da produção, que ajuda na redução dos custos. Segundo,
pela entrada em operação de rivais da petroleira, como a americana ExxonMobil
que tem projetos de exploração na região.
Por fim, pela presença de
empresas importadoras de gás, que também vão concorrer pela infraestrutura de
escoamento. Dessa maneira, a tendência é de redução na tarifa de transporte e,
com isso, também do preço final do produto.
“Vamos ter competição. É
isso que vai fazer o preço baixar”, afirma o secretário de Petróleo e Gás
Natural do Ministério de Minas e Energia (MME), Márcio Felix, que participa da
elaboração do plano de Guedes.
O governo também tem a
expectativa de estimular a economia na região com o gás. De 2014 a 2017, a
cadeia de óleo e gás ficou praticamente paralisada como reflexo da forte queda
no preço do insumo no mercado internacional e das revelações da Operação Lava
Jato da Polícia Federal, que revelou bilhões em desvios de recursos na
Petrobras. “É possível que a gente assista a uma retomada da indústria de
petróleo e gás no Nordeste, onde tudo começou”, diz o presidente da Gas Energy,
Rivaldo Moreira Neto.
O diretor da ANP (Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Felipe Kury, classifica o
potencial da Bacia de Sergipe-Alagoas como “muito promissor”. Além dos seis
campos da Petrobras, a ANP acredita que existem na região outras áreas com
indícios de presença de petróleo e gás que, nos próximos anos, podem resultar
em novas descobertas relevantes.
Pelos dados do MME, para
delimitar o reservatório e construir um gasoduto até a costa, a Petrobras deve
gastar US$ 2 bilhões ainda neste ano. A estatal não revela os planos para a
região. Por meio de sua assessoria, informou apenas que “as águas profundas de
Sergipe vêm mostrando grande potencial para o desenvolvimento”. Disse também
que o orçamento do projeto está previsto em seu plano estratégico para os
próximos cinco anos. Por enquanto, a estatal está trabalhando apenas na
exploração, mas não na produção dos campos.
Expectativa
O gás já provoca uma
reviravolta na economia de Sergipe. “Virei um caixeiro viajante, batendo de
porta em porta de indústrias, oferecendo as vantagens do gás natural a quem
quiser se instalar no Estado”, disse o secretário de Desenvolvimento Econômico,
José Augusto Pereira de Carvalho.
O Estado está agora
concentrado em atrair grandes consumidores de gás para o município de Barra dos
Coqueiros, vizinho a Aracaju, onde funciona o Porto de Sergipe, e, no futuro,
deve estar de pé um novo distrito industrial. Na pequena cidade de apenas 25
mil habitantes, cercada por praias e mangue, começa a surgir um arranjo inédito
de empresas interessadas no combustível.
De um lado, estão produtores
e uma unidade de importação do gás. Do outro, potenciais consumidores, atraídos
pela perspectiva de pagar menos pelo combustível. Às empresas, Carvalho tem
argumentado que, com tanta oferta, não haverá alternativa aos fornecedores de
gás senão baixar o valor da matéria-prima. Assim espera trazer de volta,
principalmente, indústrias de vidro e cerâmica, que dependem do gás para
fabricar produtos melhores e a um custo menor.
Até a nova onda deflagrada
pela descoberta da Petrobras, o governo estadual se via às voltas com a
suspensão de investimentos da estatal, que, no passado, chegou a responder por
um terço de todo dinheiro movimentado pela indústria sergipana. O Estado sentiu
o golpe, por exemplo, do fechamento da fábrica de fertilizantes, a Fafen-SE, e
do freio em campos produtores de petróleo e gás, colocados à venda pela estatal.
Diante desses e outros
reveses, e a expectativa de extinção de postos de trabalho, a notícia da
descoberta criou uma sensação de que “há uma luz no fim do túnel”, disse
Carvalho.
Livre
O Estado quer ainda
incentivar a criação de uma nova figura no mercado de gás - a do consumidor
livre, autorizado a importar seu próprio combustível, sem precisar utilizar a
rede de dutos de distribuição de uma concessionária local. Com essa mudança, o
esperado é reduzir mais um pouco o preço do produto, que não contaria com a
tarifa cobrada pela distribuidora. Uma experiência chegou a ser feita em
Sergipe, mas parou na Justiça. A distribuidora local, a Sergás, contesta a
legalidade do modelo. Ela alega que o contrato de concessão garante a ela a
exclusividade do negócio de gás no Estado.
A divergência coloca em
lados opostos os próprios sócios da Sergás: o governo do Estado, que quer
estimular a queda do preço e um novo mercado, e a Petrobras e a japonesa
Mitsui, que não aprovam as mudanças.
Sergipe vai produzir o equivalente
a 4 vezes o consumo da região
Com o sucesso da Petrobras
na exploração de seis reservatórios e a chegada de investidores privados,
Sergipe foi inserido na rota mundial do gás natural. Em cinco anos, o Estado,
sozinho, deve movimentar 40 milhões de m³ por dia de gás, volume que
corresponde a mais de quatro vezes a atual capacidade de consumo de toda a
Região Nordeste.
Desse total, metade virá de
um único investimento da iniciativa privada. Orçado em US$ 5 bilhões, o projeto
é da Celse, empresa controlada por sócios de Noruega, Estados Unidos e Brasil.
Na prática, o empreendimento inaugura a concorrência num mercado até então
dominado pela Petrobrás.
A Celse construiu a primeira
unidade de regaseificação privada do País, ao lado do Porto de Sergipe, no
município de Barra dos Coqueiros. Até então, somente a Petrobrás tinha unidades
do tipo. A tecnologia permite importar o combustível na forma líquida, o GNL,
por navio, depois retomá-lo ao estado gasoso e então injetá-lo na malha de
dutos terrestres.
Condições
“Encontramos em Sergipe as
condições adequadas para instalar a unidade de regaseificação e a térmica”, diz
Pedro Litsek, presidente da Celse. “Na região, existe uma subestação de porte
para escoar a energia e o terreno está próximo do mar, numa área que tem a
melhor condição para ancorar o navio (onde o combustível líquido é transformado
em gás), a apenas 6 km da costa”. Esse projeto foi iniciado há cerca de três
anos, antes de a Petrobrás descobrir um reservatório de dimensões relevantes na
região.
O primeiro carregamento de
GNL chegou no mês passado, de Camarões, na África, para ser usado como
combustível nos testes de operação da térmica Porto de Sergipe 1, também parte
do projeto da Celse. Quando começar a funcionar, em janeiro, a usina deverá ter
capacidade de gerar 1,5 gigawatts de eletricidade e será a maior da América
Latina.
Somente o consumo da
geradora de eletricidade justifica o investimento na tecnologia de importação
do gás. Por isso, é a porta de entrada para empresas privadas interessadas em
competir no mercado interno. “Essa é uma nova forma de transportar energia a
locais de mais difícil acesso, de forma rápida”, diz a advogada Camila Mendes
Viana Cardoso, do escritório Kincaid Mendes Viana, especializado em direito
marítimo.
Distribuição
Uma das sócias da Celse, a
Golar Power, quer, na verdade, ser uma distribuidora de energia no Brasil,
usando o GNL como matéria-prima e começando por Sergipe. Ainda neste mês,
pretende trazer para o País dez caminhões projetados para consumir gás líquido no
lugar de óleo diesel, que serão testados num trecho de 1,5 km.
Se der certo, a empresa
norueguesa vai criar um “corredor azul”, nos mesmos moldes da Europa, onde uma
rede de postos vai garantir autonomia aos motoristas, diz Marco Tulio
Rodrigues, executivo da Golar.
O gás natural é considerado,
atualmente, o combustível da transição para uma energia de baixo carbono, até
que as fontes renováveis substituam definitivamente o petróleo e seus derivados
na matriz energética.
Moradores
A construção de Porto de
Sergipe 1 mudou a vida profissional da sergipana Rafaela Maria Santos. Dona de
um depósito de bebidas na região, ela decidiu abandonar o balcão da loja e se
aventurar no ramo da construção civil. A mudança de estilo de vida custou o
casamento. “Meu marido mandou escolher entre ele e a obra. Escolhi a obra”,
conta Rafaela.
A oportunidade profissional
surgiu pela exigência dos Bancos Mundial (Bird) e Interamericano de
Desenvolvimento (BID), financiadores da térmica que a contratou. Para a
liberação dos recursos, as duas instituições de fomento exigiram que, durante a
construção, fosse contratado um número mínimo de mulheres da região.
Os bancos definiram ainda
que os moradores não poderiam ser incomodados por ruídos durante as atividades
da usina de geração de eletricidade. Com isso, comunidades vizinhas à unidade
produtora estão sendo remanejadas para áreas mais distantes.
“Hoje, a ocupação aqui não é
nossa. Tem dez anos que a gente vive assim. Na nova casa vai ter mais
estrutura”, diz Denise Ferreira, uma das beneficiadas pelo programa de
remanejamento. Na frente da atual moradia, uma casa de tijolo à mostra e sem
saneamento básico, ela vende balas, à beira da estrada. No terreno que vai
receber, espera plantar árvores frutíferas.
Transformação
O comércio local também está
se transformando com a chegada do gás. Dono de uma rede de 12 farmácias em
Aracaju, Edson Rabelo Santos planeja abrir a próxima unidade mais perto da área
industrial projetada para o município de Barra dos Coqueiros.
“Estou apostando que, em uma
década, aquela região vai estar no mesmo nível da capital. Quero só encontrar a
loja ideal para me instalar por lá”, planeja o empresário.
Já o dono do restaurante
Mirante, instalado a 1 km da usina térmica, aproveitou o melhor momento das
obras, no ano passado, quando 5 mil pessoas trabalhavam na construção. Muitos
deles recorriam ao seu comércio para almoçar. Agora, se prepara para uma fase
de mais calmaria. Cerca de 1 mil pessoas participam dos retoques finais na
usina e, a partir de janeiro do ano que vem, com o início da operação, apenas
cem devem ser mantidas.
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