Alunos sentem efeitos o impacto do contingenciamento
anunciado pelo MEC, levam marmita e fazem vaquinha para contornar problemas.
UFPR sem verbas para bolsas e intercâmbio
De falta de bandejão até
viagens técnicas barradas. Os efeitos do bloqueio de verbas nas universidades
federais, anunciado pelo Ministério da Educação (MEC), vêm sendo sentidos por
aqueles que estão na ponta: os alunos. Em meio aos cortes, as instituições têm
anunciado medidas de economia, enquanto que os estudantes, para contornar os
problemas, apelam para marmitas, caronas, vaquinhas e até empréstimos, destaca
o jornal 'O Estado de S. Paulo'.
Em abril, o MEC anunciou o
bloqueio de verbas discricionárias das universidades. Esses recursos são usados,
por exemplo, para o pagamento de terceirizados, contas de água e luz e obras.
Universidades ouvidas pela reportagem relatam dificuldades para honrar os
contratos de funcionários nas áreas de limpeza e segurança - e algumas preveem
até a suspensão das atividades. Bolsas de intercâmbio, iniciação científica e
estágio também estão ameaçadas.
Segundo especialistas, a
falta de apoio a estudantes — principalmente em um contexto de inclusão de
alunos mais pobres nas universidades — tem impacto no engajamento dos
universitários nos estudos, reduz possibilidades de dedicação a atividades
complementares e contribui para a evasão.
Na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), o corte de um programa de intercâmbio surpreendeu o
estudante de Economia Vicente Heinen, de 21 anos. Selecionado em primeiro
lugar, ele pretendia cursar um semestre em Buenos Aires, na Argentina.
"Dois dias após o resultado, recebi a notícia do cancelamento",
reclama. Em junho, a universidade anunciou a suspensão dos programas de mobilidade
internacional por causa do contingenciamento.
Por decepção parecida passou
a aluna de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fernanda Vanzeli,
de 22 anos, aprovada para viajar a Portugal, com uma bolsa de mérito de R$ 10
mil, suspensa pelo bloqueio de verbas. Para cobrir o gasto, ela recorreu a uma
vaquinha. Estudante de Engenharia Florestal da UFPR, Winicius Schaeffer, de 22
anos, também pretendia viajar: um professor havia organizado uma visita técnica
a Urubici (SC) para estudos sobre infraestrutura, mas foi barrado.
"Não esperávamos que
isso fosse atingir a gente dessa maneira", diz Schaeffer. "É difícil
aprender sobre florestas dentro da cidade." No fim de maio, a UFPR
anunciou restrições a viagens para cidades a mais de 300 quilômetros de
distância por motivo de economia. Também resolveu suspender, neste mês, os
serviços do restaurante universitário. Schaeffer apelou para as marmitas. Com
R$ 400 por mês que recebe do estágio em um laboratório, almoçar na rua estava
fora de cogitação.
Agravamento
As dificuldades da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se acirraram com o
contingenciamento. Três ônibus que faziam o trajeto entre as unidades de
Diadema - há prédios no centro e em um bairro mais afastado - quebraram e a
frota não foi recomposta. Segundo a reitoria, a licitação depende da liberação
de recursos. "O fretado da universidade tem horário para ser cumprido, que
vem sendo reduzido a cada dia", diz a aluna de Licenciatura em Ciências
Andressa da Paz, de 20 anos, que também vê problemas de limpeza e manutenção de
laboratórios.
Para o colega de curso
Miguel de Lima, de 18 anos, as dificuldades são um banho de água fria. Primeiro
da família a ingressar no ensino superior, neste ano, ele se surpreendeu quando
conheceu a estrutura física da universidade. "Pensei em um câmpus bonito.
Foi uma quebra", lembra. "Somos obrigados a andar a pé pela cidade e
várias pessoas já foram assaltadas."
Enquanto não tinha resposta
se conseguiria uma bolsa de permanência estudantil (não há aumento nesses
benefícios, enquanto que o número de alunos de baixa renda só cresce), ele
chegou a "escolher os dias para faltar" e a mãe fez até empréstimo para
arcar com os gastos do aluno. Segundo a reitoria não há previsão de redução na
assistência estudantil, mas os valores "são insuficientes para atendimento
da demanda".
Uma série de
"nãos" também está no planejamento da Universidade Federal do ABC
(UFABC), que prevê a impossibilidade de manutenção e reformas de prédios e
equipamentos. A construção de novos blocos em Santo André, na Grande São Paulo,
continua comprometida com o bloqueio de recursos.
Em maio, mudança na
contratação de uma empresa de ônibus levou à redução no transporte do câmpus a
terminais de transporte público. Também tornou mais difícil atender a todos que
precisavam se deslocar entre as unidades. " (O bloqueio) faz com que a
UFABC não consiga ampliar a capacidade de transporte, em um cenário de expansão
do número de alunos", informou a universidade.
O resultado é que alunos
precisam enfrentar um caminho perigoso e já organizam esquemas de caronas.
"Quem chega pelo terminal (Santo André Leste) tem de passar por baixo do
viaduto a pé", diz Andressa Silva, de 22 anos, aluna de Ciência e
Tecnologia na UFABC. "Decidi trancar minha matrícula para tirar carta de
motorista. Me vi ameaçada de estar sujeita a assaltos", diz ela, que
escuta relatos de violência ao menos duas vezes por semana no trajeto.
Sem poda, o mato alto cria
insegurança e a redução de vigias aumenta o risco de furtos na Universidade
Federal de Goiás (UFG). A UFG admite atrasos no pagamento de prestadores de
serviço e, para economizar, recomendou até desligar o ar-condicionado de manhã
e à noite. "É um desconforto. A sala foi adaptada, é de tapumes. Temos de
ligar ventiladores, que são lentos, e deixar a janela aberta. Mas o prédio é de
frente para um bosque com macacos, que querem entrar na sala", diz Letícia
Scalabrini, de 20 anos, aluna de Ciências Sociais.
Critério
Em nota, o MEC informou que
o critério para o bloqueio "foi operacional, técnico e isonômico".
Segundo a pasta, o bloqueio no orçamento foi de 3,9%, de um total de R$ 149,7
bilhões para 2019. Para as universidades, foi 3,4% dos R$ 49,6 bilhões para o
ano, "sem comprometer as despesas obrigatórias". O MEC informou que
está "aberto ao diálogo com reitores", buscando liberar recursos para
questões urgentes. Disse, ainda, que o bloqueio não compromete o Programa de
Assistência Estudantil.
Oportunidade perdida
"Sempre estudei em
escola pública em um bairro periférico de Curitiba e nem pensava que estaria na
Universidade Federal do Paraná. No terceiro ano, resolvi me inscrever no
intercâmbio. Só tentei porque tinha a possibilidade de uma bolsa de R$ 10
mil", contou Fernanda Vanzeli, aluna de Pedagogia da UFPR.
"Fiz entrevista,
análise de currículo. Foram meses de espera. Recebi a resposta da bolsa em
fevereiro e a carta de aceite da Universidade do Porto (em Portugal) no início do
mês de julho. Minha intenção com o intercâmbio é ter a experiência de morar
fora. Faço Pedagogia e quero entender como funciona o sistema educacional de
lá", disse a estudante de 22 anos.
"Quando pedi um
comprovante de que havia ganhado a bolsa para dar entrada no pedido de visto,
recebi um e-mail (da universidade) falando que a bolsa não seria paga (por
causa do bloqueio de verbas). Senti a minha oportunidade, todo meu esforço,
escorrendo pelos dedos igual água", lamentou.
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