A cúpula da Igreja Universal
do Reino de Deus (Iurd) tenta conter uma revolta popular que provocou a
depredação de vários templos da igreja e a morte de um adolescente em São Tomé
e Príncipe, um dos 23 países africanos onde a denominação brasileira está presente.
Por BBC
Polícia Militar interveio para conter a depredação de templos da Universal em São Tomé e Príncipe
Por BBC
A crise — que envolveu
chefes de Estado africanos, mobilizou congressistas brasileiros e o Itamaraty —
pode resultar na expulsão da Iurd de São Tomé e Príncipe, uma ex-colônia
portuguesa insular com cerca de 200 mil habitantes no oeste da África.
O imbróglio teve início em
11 de setembro, quando um pastor são-tomense da Universal foi preso na Costa do
Marfim, acusado de ser o autor de mensagens que denunciariam supostos abusos da
igreja contra funcionários africanos.
Segundo a Iurd, que havia
denunciado as mensagens à polícia marfinense, os textos continham
"mentiras absurdas e calúnias" sobre a igreja, divulgados por
aplicativos de conversas e por um perfil falso no Facebook.
O são-tomense preso,
Iudumilo da Costa Veloso, virou pastor da Universal em seu país natal, mas foi
transferido há 14 anos para a Iurd da Costa do Marfim. Nove dias após ser
detido, ele foi considerado culpado pelas mensagens e condenado a um ano de
prisão.
Os textos atribuídos a ele
acusavam a Iurd de privilegiar pastores brasileiros e discriminar clérigos
africanos. Segundo os posts, a Universal impedia muitos pastores africanos de
se casar ou os obrigava a fazer vasectomia para que não tivessem filhos —
assim, poderiam se dedicar integralmente à igreja.
O autor também acusava bispos
e pastores brasileiros de se apropriar de dízimos recebidos pela igreja, além
de "humilhar, insultar, esmagar e escravizar os (pastores)
africanos".
O autor conclamava os
funcionários locais a se insurgir contra a igreja. "Éramos muito
pacientes, humildes demais, educados demais. Agora é hora de agir sem
piedade!", diz um dos textos, em francês, língua principal da Costa do
Marfim.
Veloso confessou à polícia a
autoria das mensagens. A defesa do pastor diz, no entanto, que ele é inocente e
foi induzido a assumir a responsabilidade na expectativa de ser solto.
Mulher grávida
A notícia sobre a prisão do
pastor chegou a São Tomé e Príncipe com a mulher do religioso, Ana Paula
Veloso. Em entrevistas e posts nas mídias sociais, ela disse que, dias após a prisão
do marido, foi obrigada pela Universal a deixar a Costa do Marfim às pressas,
embora estivesse grávida e quisesse permanecer no país.
Afirmou, ainda, que a igreja
não ofereceu qualquer auxílio jurídico ao pastor. Veloso foi expulso da Iurd
após a prisão.
Os depoimentos da mulher se
espalharam e geraram revolta entre muitos são-tomenses, para quem a Universal
havia orquestrado a prisão de Veloso para impedir a divulgação de denúncias
contra a igreja. Já a Iurd afirma que apenas acionou a polícia marfinense por
ser vítima de um crime, mas que foram as autoridades locais que o identificaram
e puniram.
Morte em protesto
Em 16 de outubro, centenas
de manifestantes vandalizaram e saquearam seis dos 20 templos da Universal em
São Tomé. Eles exigiam que a Universal negociassem com autoridades marfinenses
a soltura de Veloso e seu retorno ao país natal.
A Polícia Militar interveio,
e um manifestante são-tomense de 13 anos morreu baleado. O nome do jovem não
foi revelado.
O produtor cultural
são-tomense Nig d'Alva, que estudou administração de empresas em Fortaleza, diz
à BBC que a revolta "foi a gota d'água de decepções que algumas pessoas
tiveram em relação à igreja".
Segundo d'Alva, há
"repulsa" em São Tomé e Príncipe quanto a uma postura da Universal
que ele classifica como "segregadora": ele diz que muitos fiéis da
Iurd deixaram de conviver com outras pessoas "porque a igreja diz que são
mundanas, que não são cristãs o suficiente, e isso cria um ódio."
Esse descontentamento,
segundo ele, se somou a uma reação nacionalista contra detenção na Costa do
Marfim "de um filho da terra sem que houvesse uma resposta do estado
são-tomense e da própria igreja".
Por mais que considere
legítima a causa dos manifestantes, o produtor cultural diz que o movimento foi
impulsionado pela oposição são-tomense, que aproveitou a revolta para golpear o
governo e acusá-lo de ser submisso perante a igreja.
"Parte das pessoas
metidas nas manifestações foi induzida ao erro. Só isso explica terem chegado a
esse nível de violência, de queimar carros, como se só assim fossem resolver a
situação."
Expulsão da Universal
Em meio à revolta, o
Parlamento de São Tomé e Príncipe passou a discutir a expulsão da Universal no
país. A parlamentar Alda Ramos, uma das principais líderes da oposição, disse a
jornalistas que a Iurd deveria repatriar o pastor, ou "acionaremos outros
mecanismos para não existir mais esta igreja cá em São Tomé e Príncipe".
Segundo o banco de dados da
CIA, a agência de inteligência dos EUA, 2% dos são-tomenses frequentam a Iurd.
O catolicismo é a principal religião do país, abarcando 55,7% da população.
A possibilidade de que a
igreja fosse banida no país interrompeu as férias do embaixador brasileiro em
São Tomé e Príncipe, Vilmar Júnior, que retornou ao país para tentar apaziguar
os ânimos. A ameaça também mobilizou a cúpula da Iurd no Brasil.
Em 17 de outubro, o bispo da
Universal e deputado federal Márcio Marinho (Republicanos-BA) viajou a São Tomé
para se reunir com autoridades locais.
Após visitar a Assembleia
Nacional, Marinho disse a jornalistas que a igreja tinha o interesse "em
resolver o mais rápido possível a questão". Ele afirmou que uma comissão
formada por políticos são-tomenses e dirigentes da Universal viajaria à Costa
do Marfim para visitar o pastor e lhe dar suporte.
Procurado pela BBC News
Brasil desde a última terça-feira (29/10), Marinho não quis dar entrevista
sobre o tema. A BBC perguntou à assessoria do deputado se ele havia viajado a
São Tomé e Príncipe enquanto parlamentar ou enquanto bispo da Universal, e quem
havia custeado a viagem. Não houve respostas.
Também questionada sobre
quem bancou a viagem de Marinho, a Universal disse que a pergunta deveria ser
dirigida ao deputado e que não "tem ingerência na atuação de parlamentares
ou de qualquer agente público".
No fim de outubro, outro
deputado federal se manifestou sobre o episódio. Em vídeo no Facebook, o
presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-MA),
criticou autoridades são-tomenses por não garantir "a proteção, a
integridade e a liberdade de culto dos nossos irmãos".
Soltura e proteção consular
A mobilização internacional
pela soltura de Veloso surtiu efeito. A advogada Celiza de Deus Lima, que
representa o pastor, diz à BBC News Brasil que ele foi libertado nos últimos
dias, mas segue impedido de deixar a Costa do Marfim.
Ela diz que o pastor pediu
proteção à embaixada de Angola na capital marfinense, Abidjã, por se sentir
inseguro e porque não há representação diplomática são-tomense no país.
A embaixada lhe providenciou
abrigo enquanto ele aguarda autorização para deixar o país — o que a advogada
espera que ocorra ainda neste mês.
Lima afirma que, embora
inocente, o pastor admitiu ser o autor dos posts "porque lhe disseram que,
se confessasse, a igreja retiraria a queixa". A Universal, porém, manteve
a denúncia, e Veloso foi condenado.
A BBC procurou o Ministério
das Relações Exteriores da Costa do Marfim para averiguar as circunstâncias da
prisão e da soltura do pastor, mas não houve retorno às perguntas enviadas. A
embaixada marfinense em Brasília tampouco quis se pronunciar.
A advogada diz que o
movimento pela soltura de Veloso envolveu até o ex-presidente são-tomense
Miguel Trovoada, que teria telefonado ao presidente da Costa do Marfim,
Alassane Ouattara, para tratar do tema.
Ela diz que, após a grande
repercussão do caso, a Universal também acabou se unindo aos esforços para
libertar o pastor, embora inicialmente tenha se recusado a auxiliá-lo. Lima
afirma que Veloso foi condenado em um "processo sumário", sem direito
a advogado nem defensor público — condições que ela atribui à pressão que a
Universal teria feito sobre autoridades marfinenses. A Costa do Marfim é um dos
países africanos onde a Iurd tem presença mais sólida.
Em nota à BBC, a Iurd diz
que jamais denunciou o pastor Iudumilo Veloso, "até porque não sabia quem era
o autor" das mensagens críticas à igreja.
"Mas foram, sim,
praticados os crimes que a Universal denunciou às autoridades da Costa do
Marfim, com graves ameaças e ataques sob o anonimato de perfis falsos no
Facebook e em contas criadas em aplicativos de mensagens, como o Telegram,
conforme comprovou a Justiça do país africano", afirma a igreja.
A Universal diz ainda que
não forçou a mulher do pastor a voltar a São Tomé e Príncipe e que a acusação
de que obrigaria os religiosos a fazer vasectomia é "facilmente desmentida
pelo fato de que muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de
hierarquia da igreja, têm filhos".
"O que a Universal
estimula é o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada
casal", diz a igreja.
Em nota à BBC, o Ministério
das Relações Exteriores do Brasil diz que, por não envolver cidadão brasileiro,
a prisão do pastor são-tomense "não demanda atuação consular do governo
federal".
Sobre os distúrbios em São
Tomé, o órgão diz estar "em permanente contato com as autoridades locais,
de forma a garantir o respeito à integridade física e às propriedades dos
brasileiros lá residentes e da própria Iurd".
Pedagogia do empreendedorismo
Autora de vários artigos
sobre a presença internacional da Iurd, a cientista social Camila Sampaio,
professora da Universidade Federal do Maranhão, diz que igreja teve êxito em
países africanos ao pregar uma "pedagogia do empreendedorismo".
Nessas nações, diz ela,
muitas famílias egressas do meio rural encontraram na Iurd ensinamentos
práticos sobre como se portar no "novo universo urbano".
"A igreja diz 'vou te
ensinar como ser uma mulher moderna, trabalhar fora e cuidar do marido', ou
'vou fazer você prosperar, vou te ensinar a abrir um negócio e ser melhor que o
do vizinho'. As pessoas se sentem contempladas nesse discurso", afirma.
Sampaio afirma que a igreja
também soube se articular com figuras importantes dos países onde atua. Em
Angola, por exemplo, a igreja tem entre seus fiéis altos dirigentes do MPLA,
partido que governa o país desde 1975.
Segundo a professora, a
expansão da Universal pela África atende a dois objetivos da igreja: ampliar o
número de fiéis e ocupar um espaço simbolicamente importante para os seguidores
brasileiros.
"Eles se orgulham de
dizer que estão em vários países africanos, e os fiéis brasileiros gostam de
ver a igreja fazendo obra na 'terra da feitiçaria," diz Sampaio.
Esses fatores explicariam,
segundo Sampaio, o engajamento da cúpula da Iurd para conter uma crise em um
país pequeno e considerado pouco relevante diplomaticamente.
Outro motivo seria o medo de
que a revolta afete a imagem da igreja e se espalhe por outras nações.
Em 2013, a Universal foi
suspensa temporariamente em Angola após 16 pessoas morrerem pisoteadas num
culto da igreja.
Oito anos antes, a Justiça
de Madagascar proibiu as atividades da igreja após a entidade ser acusada de
queimar bíblias e outros objetos religiosos num culto.
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