Conteúdo: G1
Polícias
militares e civis de pelo menos 10 unidades da federação (São Paulo, Espírito
Santo, Distrito Federal, Bahia, Mato Grosso do Sul, Acre, Paraíba, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul), ouvidas pelo G1, deixaram de publicar em
redes sociais, em páginas institucionais e de divulgar à imprensa fotos e nomes
de suspeitos ou presos desde o dia 3 de janeiro, quando entrou em vigor a nova
lei de abuso de autoridade.
A lei,
criticada por juristas e magistrados quando foi sancionada pelo presidente da
República, Jair Bolsonaro (sem partido), em 2019, define cerca de 30 situações
que configuram abuso e é alvo de questionamentos de organizações que defendem
agentes públicos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Agora,
passam a ser crimes ações que até então eram consideradas infrações
administrativas ou atos ilícitos punidos no âmbito cível. Um exemplo são os
atos de constranger o detento a exibir seu corpo “à curiosidade pública” ou de
divulgar a imagem ou nome de alguém, apontando-o como culpado". Agora isso
pode levar uma autoridade a ser punida com penas de 1 a 4 anos de detenção e de
6 meses a 2 anos, mais multa, respectivamente.
Não é
necessário que a vítima acuse o agente público pelo fato. Os crimes são de ação
pública incondicionada, quando é dever do estado investigar e punir.
A exceção
para divulgação de nome e fotos ocorre com suspeitos foragidos com mandado de
prisão em aberto.
Em São
Paulo, por exemplo, a Secretaria da Segurança Pública informou que "os
policiais são constantemente orientados acerca das legislações em vigor".
"No tocante a lei de abuso de autoridade, simpósio e cursos foram
ministrados aos policiais civis pela Acadepol, que, inclusive, editou súmulas
de orientação deixando-as disponibilizadas para consulta de todos os
agentes." (leia mais abaixo)
Delegado vê
prejuízo e advogados defendem intimidade
Advogados
criminalistas e integrantes de corporações policiais divergem sobre a aplicação
das novas normas. Enquanto os defensores entendem que há defesa da intimidade e
da privacidade de suspeitos, evitando a exposição pública deles antes que sejam
condenados pela Justiça, policiais ouvidos pela reportagem entendem que
inquéritos podem ser prejudicados, devido à preocupação de não serem punidos
pela lei.
Para o
delegado Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados
de Polícia Civil de São Paulo (ADPESP), a proibição da divulgação das imagens
de suspeitos "causa prejuízo nas investigações".
"A
divulgação de fotos de presos, não de forma irresponsável e indiscriminada, mas
com responsabilidade e em casos com prova de autoria do crime, é um instrumento
que nos ajudava a solucionar inúmeros crimes, porque a população reconhecia.
Infelizmente, isso será prejudicado, para não dizer, anulado", diz Bueno.
Atos que passam a ser considerados
crimes:
- Divulgação
de imagem ou exibição de preso: constranger preso a expor corpo ou submetê-lo à
situação vexatória ou constrangimento público e divulgar imagens ou nomes de
suspeitos atribuindo a eles culpa por um crime.
- Identificação:
o policial não usar, por exemplo, a tarjeta de identificação na farda, não
dizer ou mentir o nome.
- Condução
de detidos: manter, na mesma cela, confinamento ou no carro no deslocamento,
presos de sexos diferentes e também crianças e adolescentes até 12 anos.
- Domicílio:
entrar em uma casa ou local sem autorização, sem informar o dono, ou sem
autorização judicial.
- Mandado de
prisão: cumprir mandado de prisão à noite ou entrar em local privado à noite,
entre 21h e 5h.
- Interrogatório:
continuar questionamentos após preso dizer que quer ficar calado, levar sob
condução coercitiva para depoimento sem antes intimar para comparecimento,
pressionar ou ameaçar a depor ou obrigar a fazer prova contra si mesmo.
- Prisão:
determinar ou manter prisão ilegal ou deixar de relaxar prisão quando devida.
- Bloqueio
de bens: o juiz decretar a indisponibilidade de valores em quantia que
extrapole exacerbadamente a dívida.
Investigação:
dar início a inquérito sem indício de crime, divulgar trechos da investigação
ou gravações com a imagem do preso falando ou prestando depoimento.
A Polícia
Militar do Espírito Santo fez uma cartilha de bolso para lembrar aos policiais
que, no dia a dia do trabalho, não podem expor, em determinadas situações, o
preso a uma situação vexatória, mas diz que continuará repassando à imprensa o
histórico das ocorrências, sem divulgar nomes.
A Polícia
Civil capixaba também orientou, por meio de um documento interno, seus agentes
a tomarem precauções em entrevistas "atentando-se para a não divulgação de
dados qualificativos de presos/indiciados/investigados ou qualquer elemento que
possa qualificar como criminalização prévia ou exposição da intimidade."
Orientações sobre divulgação de fotos
As polícias
do Distrito Federal e de Santa Catarina informaram que não irão mais divulgar
oficialmente fotos dos presos. Já a Polícia Civil do Rio Grande do Sul fez um
comunicado interno aos agentes alertando sobre o risco da reprodução indevida
de fotos de presos e informando que também não repassaria institucionalmente
fotos de detidos ou suspeitos.
Outras
corporações militares, como as de Minas Gerais, São Paulo e Amazonas informaram
ao G1 que ainda estudam como regulamentar os procedimentos. Em Belo Horizonte,
o Estado-Maior da PM (como é denominado o alto comando da corporação) se reuniu
ao longo desta semana para finalizar uma recomendação que será emitida a todos
os PMs.
Em São
Paulo, a Academia de Polícia Civil publicou 10 súmulas orientando delegados
sobre como proceder no inquérito, defendendo a independência na investigação e
no ato de indiciamento.
"Ao
fazer o indiciamento, o delegado está amparado pelo estrito cumprimento de
dever legal, que é uma excludente de ilicitude. Ele não pode ser
responsabilizado [pela lei de abuso, por apontar uma culpa anterior do
suspeito] por estar fazendo o seu trabalho, ele está balizado e respaldado pela
independência funcional", defende o delegado Gustavo Galvão Bueno.
PM em SP fez comunicado interno
A PM de SP
informou que “ainda não editou um comunicado interno oficial” sobre a nova lei,
mas que orienta os policiais sobre a legislação em vigor. Oficiais da
corporação ouvidos pela reportagem dizem que, desde o dia 3, foram orientados a
recomendar “diariamente e exaustivamente” à tropa que sai para o policiamento
ostensivo para se precaverem de problemas frente à lei.
Um tenente
da corporação ouvido pelo G1 afirmou que não poderá mais enviar imagens de
presos em uma operação contra ladrões de casas, por exemplo.
Impasse na busca por criminoso
“Há casos,
como o de um estuprador em série, em que era divulgada a imagem para se buscar
mais vítimas, por exemplo. Isso agora não pode mais. Isso é um ponto delicado,
vai favorecer o criminoso", diz o coronel da reserva Elias Miler da Silva,
presidente da organização Defenda PM, que reúne oficiais da reserva e da ativa
de policiais militares do país.
“A população
pode sentir, talvez, que há um ‘estado de impunidade’. Mas, se você está
procurando vítimas e não pode divulgar, como fazer?”, questiona Silva.
Nas páginas
das corporações na internet e nas redes sociais e na internet, como no caso do
Rio Grande do Sul, é possível ver a transição na mudança de ano: até 31 de
dezembro de 2019, em notícias divulgadas, há várias imagens de presos. Em
janeiro de 2020, não há fotos de detidos nem de costas. Agora há apenas
reproduções de materiais apreendidos e informações sobre casos, sem citar o
nome de suspeitos.
Peritos temem punição
Com temor de
que algumas condutas que são necessárias no dia a dia passem a ser consideradas
"abuso", o Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo
(Sinpcresp) pedirá à Secretaria de Segurança Pública do Estado que
"regulamente" as condutas dos agentes, para que estejam respaldados
no trabalho.
"A lei
tipifica condutas muito abertas e estamos orientando nossos peritos a, na
dúvida, não fazerem algo sem autorização judicial, como, por exemplo, perícia
em telefones apreendidos, o que até hoje não foi regulamentado",
complementa Tagliariani.
Defesa da intimidade
Enquanto
alguns agentes públicos acreditam que a lei pode atrapalhar o serviço, a
advogada criminalista Jacqueline Valles, professora e mestre em Direito Penal
pela PUC de São Paulo, tem uma posição contrária. Para ela, a nova lei define
condutas que preservam a privacidade e a intimidade dos suspeitos e também a
imagem deles, impedindo que sejam "julgados" publicamente enquanto o
fato ainda não foi analisado pela Justiça.
"Eu
vejo que, em muitas ocasiões, ao divulgar a foto de um preso, a polícia acaba
focando a investigação naquele suspeito, bloqueando oportunidades, o que pode
levar a encerrar uma investigação errônea", diz Jacqueline.
"A
Constituição resguarda o direito da imagem e diz que ninguém será considerado
culpado antes do trânsito em julgado. [A lei] não é um benefício ao preso, é um
resguardo de um direito de que ele não seja linchado publicamente por algo que
pode vir a ser inocentado. Ao ter sua imagem exposta, a pessoa não tem que se
explicar por aquele ato só na Justiça, mas também é alvo de um julgamento
público", pondera a advogada.
Acesse a lei Clicando AQUI
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