Ex-juiz da
Lava Jato foi anunciado como ministro de Bolsonaro em novembro de 2018. Moro é
o nono ministro a sair do governo.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, anunciou a demissão nesta sexta-feira (24). O ex-juiz federal deixa a pasta após um ano e quatro meses no primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro.
A demissão
foi motivada pela decisão de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia
Federal, Maurício Valeixo. Valeixo foi uma indicação do agora ex-ministro. A
Polícia Federal é vinculada à pasta da Justiça.
“O grande
problema é por que trocar e permitir que seja feita interferência política ano
âmbito da PF. O presidente me disse que queria colocar uma pessoa dele, que ele
pudesse colher informações, relatórios de inteligência. Realmente, não é papel
da PF prestar esse tipo de informação”, disse Moro.
“Presidente,
eu não tenho nenhum problema em troca do diretor, mas eu preciso de uma causa,
[como, por exemplo], um erro grave”, disse Moro.
De acordo
com Moro, ele disse para Bolsonaro que a troca de comando na PF seria uma
interferência política na corporação. Ele afirmou que Bolsonaro admitiu a
interferência.
“Falei para
o presidente que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”,
revelou Moro.
O agora
ex-ministro contou que Bolsonaro vem tentando trocar o comando da PF desde o
ano passado.
“A partir do
segundo semestre [de 2019] passou a haver uma insistência do presidente na
troca do comando da PF.”
‘Não
assinei exoneração’
Moro afirmou
ainda que não assinou a exoneração de Valeixo, ao contrário do que aparece no
“Diário Oficial”.
“Eu não
assinei esse decreto e em nenhum momento o diretor da PF apresentou um pedido
oficial de exoneração”, disse.
‘Carta
branca’
Moro também
disse que, quando foi convidado por Bolsonaro para o ministério, o presidente
lhe deu “carta-branca” para nomear quem quisesse, inclusive para o comando da
Polícia Federal.
“Foi me
prometido na ocasião carta branca para nomear todos os assessores, inclusive
nos órgãos judiciais, como a Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal”,
afirmou o agora ex-ministro.
No anúncio,
Moro chegou a se emocionar e a ficar com a voz embargada. Foi quando ele disse
que havia pedido ao presidente uma única condição para assumir cargo: que sua
família ganhasse uma pensão caso algo de grave lhe acontecesse no exercício da
função.
“Tem uma
única condição que coloquei. Eu não ia revelar, mas agora isso não faz sentido.
Eu disse que, como estava saindo da magistratura, contribuí durante 22 anos,
pedi que, se algo me acontecesse, que minha família não ficasse desamparada”,
disse Moro.
Demissão do
diretor da PF
Moro foi
surpreendido com a publicação da exoneração de Valeixo nesta sexta-feira.
Fontes ligadas ao ministro disseram que ele não assinou a exoneração, apesar de
o nome dele constar, ao lado do nome de Bolsonaro, no ato que oficializou a
saída de Valeixo.
Na
oportunidade, Bolsonaro garantiu autonomia a Moro na escolha de cargos de
segundo e terceiro escalão. O ministro teria “carta branca” no combate à
corrupção.
“Conversamos
por uns 40 minutos e ele [Moro] expôs o que pretende fazer caso seja ministro e
eu concordei com 100% do que ele propôs. Ele queria uma liberdade total para
combater a corrupção e o crime organizado, e um ministério com poderes para
tal”, declarou Bolsonaro à época.
“É um
ministério importante e, inclusive, ficou bem claro em conversa entre nós que
qualquer pessoa que porventura apareça nos noticiários policiais vai ser
investigada e não vai sofrer qualquer interferência por parte da minha pessoa”,
acrescentou Bolsonaro.
Interferências
Após o
início do governo, Moro e Bolsonaro tiveram uma relação marcada por episódios
de interferência do presidente no ministério. Bolsonaro chegou a dizer que
tinha poder de veto nas pastas, pois “quem manda” no governo é ele.
Um dos
episódios de interferência ocorreu em fevereiro de 2018, quando Moro, após
reclamação de Bolsonaro, revogou a nomeação de Ilona Szabó para o Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Cientista
política, mestra em estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala
(Suécia) e fundadora do Instituto Igarapé, Ilona Szabó atuou na ONG Viva Rio e
foi uma das coordenadoras da campanha nacional de desarmamento.
Bolsonaro é
a favor de facilitar o acesso da população a armas e ignorou sugestões feitas
pelo ministro da Justiça para o decreto das armas.
Valeixo
A situação
da PF também abalou a relação entre Bolsonaro e Moro. O presidente pretendia
desde o ano passado tirar Valeixo do comando do órgão.
Delegado de
carreira, Valeixo foi superintendente da PF no Paraná e atuou na Lava Jato. A
experiência o fez ser escolhido por Moro para chefiar a PF.
A liberdade
que Moro teve para escolher Valeixo e superintendentes regionais da PF foi
minada aos poucos. Em agosto de 2018, sem o conhecimento da cúpula da Polícia
Federal, Bolsonaro anunciou a troca do superintendente do Rio de Janeiro.
A fala gerou
ameaça de entrega de cargos na PF. A troca na superintendência ocorreu, mas
Moro e Valeixo continuaram nas suas funções.
Coaf
A relação
entre ministro e presidente também foi abalada, segundo o jornal “O Globo”,
pelo fato de Moro ter pedido ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
Dias Toffoli, a revisão de uma decisão que restringiu o compartilhamento de
relatórios do Coaf com os ministérios públicos e a Polícia Federal.
O movimento
do ministro irritou o presidente Jair Bolsonaro, pois a liminar atendia a um
pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.
Um relatório
do Coaf apontou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de
Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A defesa
argumentou que dados dessas movimentações foram repassados ao Ministério
Público sem a autorização judicial.
No caso do
Coaf, a transferência do órgão para o Banco Central levou à queda de um dos
principais aliados de Moro na Lava Jato, o auditor Roberto Leonel, demitido do
comando da estrutura.
Coronavírus
Com a
pandemia do novo coronavírus, Moro e Bolsonaro deram outros sinais de
descompasso.
Moro
defendeu em falas públicas o isolamento como forma de tentar conter o contágio,
mais alinhado ao que dizia o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Bolsonaro,
por sua vez, fala em isolar somente idosos e pessoas com doenças crônicas. Ele
prega a volta do comércio, a retomada das aulas e reabertura de fronteiras com
Uruguai e Paraguai.
Supremo
Visto por
analistas políticos como um possível postulante ao Planalto em 2022, desde a
escolha para chefia a pasta da Justiça, Moro figurou como um possível indicado
por Bolsonaro para as duas vagas no STF que serão abertas com as aposentadorias
dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Bolsonaro
costumava elogiar o perfil de Moro, mas também declarou o desejo de indicar um
ministro “terrivelmente evangélico” para a Corte.
Perfil
Nascido em
1972 em Maringá, no norte do Paraná, Moro ganhou visibilidade como juiz da 13ª
Vara Federal Criminal de Curitiba – especializada em crimes financeiros e de
lavagem de dinheiro.
Ele ficou
conhecido nacionalmente por ser o juiz responsável pelos processos da Lava Jato
na primeira instância.
Antes da
operação, Moro trabalhou no caso Banestado e atuou como auxiliar da ministra do
Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, em 2012, no caso do Mensalão do PT.
A Operação
Lava Jato, que teve a 1ª fase deflagrada em 17 de março de 2014, começou com a
investigação de lavagem de dinheiro em um posto de combustíveis e chegou a um
esquema criminoso de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras.
Posteriormente, a ação alcançou outras estatais.
Em mais de
quatro anos de Lava Jato, o magistrado sentenciou 46 processos, que condenaram
140 pessoas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização
criminosa.
Entre os
políticos condenados 13ª Vara Federal de Curitiba estão o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado cassado e ex-presidente da Câmara
Eduardo Cunha (MDB).
Doleiros,
ex-diretores da Petrobras e empresários ligados a grandes empreiteiras do país
também já foram condenados por Moro.
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