Num primeiro momento, o setor da gastronomia, um dos mais afetados pela pandemia de Covid-19, reivindicava a volta do funcionamento. O retorno desperta agora nos empresários do segmento novas necessidades. Com altos e baixos nesta segunda etapa da flexibilização, iniciada na quinta, dia 6, assiste-se à recuperação do público em endereços de culinária refinada, à briga pela utilização de calçada em todos os cantos da cidade, à crise nos quilos e em outras casas nos eixos corporativos como a Faria Lima.
Também sofrem as regiões mais turísticas e com menor densidade populacional, como a Liberdade e o Bom Retiro. Mas há o triunfo das unidades localizadas nos bairros residenciais para onde migraram os trabalhadores em home office, do aumento de tíquete médio no salão, particularmente nos gastos com bebidas, e da convivência harmoniosa com o delivery, que veio para ficar.
Em meio a tudo isso, está o público que se dirige a restaurantes e bares ao mesmo tempo em que tenta se adaptar aos protocolos como o uso obrigatório de máscara, que só pode ser retirada durante a refeição, a tomada de temperatura para entrar nos estabelecimentos, o distanciamento em filas e a higienização com álcool em gel, além da lavagem constante das mãos.
Parte do entusiasmo com o novo horário de jantar vem das pizzarias. “Na 1900, fomos de zero para seis mesas por noite, em média”, diz o empresário Edrey Momo sobre o retorno do público à rede da qual é um dos sócios. Campeã de melhor pizza da cidade no COMER & BEBER, a Carlos também colheu frutos no primeiro fim de semana de funcionamento noturno, sem esquecer da força das entregas em residências, que não caíram na maioria das casas consultadas. “Acredito que o delivery vai ser o ponto forte e o salão vai ser o fraco a partir de agora”, diz o sócio Luciano Nardelli.
Clássico da Zona Norte, o armênio Casa Garabed sobrevive por enquanto pelo sistema de entregas. A intenção é voltar a servir as famosas esfihas no salão só quando a pandemia estiver estabilizada.
Com a limitação do espaço e o distanciamento obrigatório de 2 metros entre as mesas, recomendações do protocolo, cada lugar se ajusta. O pequeno Kan Suke, que serve ótimas degustações japonesas em uma galeria no Paraíso, só consegue atender seis pessoas no piso de cima e quatro no balcão. Há lugares que têm o privilégio de possuir uma área externa própria. É o caso do efervescente Spot, em uma travessa da Avenida Paulista, que dispôs mesinhas para receber até 48 pessoas ao ar livre em parte da charmosa pracinha particular. “Os clientes estão bebendo mais durante a semana. Ninguém aguenta mais ver pia e delivery”, acredita o sócio Sérgio Kalil.
A euforia da clientela — sem aglomeração, de preferência — é um ponto positivo destacado por alguns empresários. Em muitos lugares consultados pela reportagem, o tíquete médio aumentou. É o caso do Guarita Bar, em Pinheiros, onde os frequentadores estão gastando mais. “Quem está saindo é quem realmente quer consumir”, teoriza o sócio Greigor Caisley.
No salão do português A bela Sintra, no Jardim Paulista, o cliente endinheirado está tirando ainda mais notas do bolso. “Com o jantar o prejuízo vai ser bem menor. Os clientes estavam com tanta saudade da gente como nós deles. E estão sendo generosos nos pedidos”, confirma o sócio Carlos Bettencourt.
No primeiro fim de semana de retorno desde o início da quarentena, o Bar do Luiz Fernandes, no Mandaqui, teve impressionantes 80% do faturamento equivalente ao de um sábado pré-pandemia, nos cálculos do sócio Luiz Eduardo Fernandes. “Com o pessoal sentado, você consegue vender mais e atender melhor do que com muvuca”, explica.
Pelo decreto do governo do estado, o limite permitido de funcionamento é de seis horas diárias — o proprietário decide como dosá-las. A restauratrice Ana Maria Massochi, do Martín Fierro, na Vila Madalena, escolheu servir as carnes grelhadas da casa apenas das 12h às 18h. “Quando avisamos aos clientes que a cozinha vai fechar, não há problema”, conta. “O delivery se mantém, coisa que me surpreendeu. Se continuarmos nessa média, cobrimos nosso custo.” Assim como ela, outras casas decidiram ainda não expandir a operação para o jantar.
O número de infecções por Covid-19 e a possibilidade de o governo voltar atrás na flexibilização mexem com os nervos de gente do setor. O Cepa, no Tatuapé, só está abrindo das 12 às 15 horas, com uma hora a mais de expediente aos sábados e domingos, e concentra mesas apenas na área externa.
Na antes muvucada Rua dos Pinheiros, onde o Pirajá Prainha voltou a acolher a freguesia à noite, o quase vizinho Le Jazz Brasserie se encontrará fechado até a segunda (17) para adaptação, diferentemente do que ocorre com as outras três unidades da rede, já em funcionamento. “Nessa casa, são muito poucos lugares”, lamenta o sócio Gil Carvalhosa Leite. “Não valia a pena financeiramente servir só o almoço. Acredito também que as pessoas virão retirar comida.”
Expoente da Vila Medeiros, o Mocotó também aguarda para retornar — a previsão é para o dia 20. “Imaginava que, assim como em outras partes do mundo, pudesse ser decretado o fechamento novamente”, explica o chef Rodrigo Oliveira, que já reabriu o Balaio IMS, no Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista.
O bar-restaurante A Casa do Porco Bar tem reestreia prevista para o dia 25, de acordo com a sócia Janaína Rueda. Contará com mesas na calçada e em um parklet, já que é um dos participantes do projeto piloto Ocupa Rua, anunciado em primeira mão por VEJA SÃO PAULO, na região da República.
O restaurateur Walter Mancini, que tem vários estabelecimentos na Rua Avanhandava, na Bela Vista, decidiu não reabrir todos, mas garante que manteve seus 380 colaboradores. A tradicional cantina Famiglia Mancini segue firme e com uma pequena adaptação. “Desenhei um balcão na frente do bufê de antepastos. Tem um funcionário todo paramentado para atender”, afirma.
Em endereços consolidados na pré-pandemia, a clientela tem voltado para matar a saudade. Em pleno jantar de segunda (10), o italiano Ristorantino, no Jardim Paulista, bombava para os padrões atuais. Os trinta lugares permitidos estavam ocupados. “Para chamar atenção do público, no térreo, tiramos a janela e fizemos uma varandona”, conta o sócio Ricardo Trevisani.
Pouco a pouco, o A Figueira Rubaiyat, também no Jardim Paulista, vai reconquistando a clientela. “O movimento iniciou sem euforia e vem crescendo a cada dia”, acredita o empresário Belarmino Iglesias, que ainda não reabriu o Rubaiyat Faria Lima. “Vamos avaliar a volta em setembro. Não há público para duas unidades”, pondera.
“Os clientes começam a adquirir confiança e acabam retornando”, opina Daniel Sahagoff, do Cantaloup e do Loup, no Itaim Bibi. O Moma — Modern Mamma Osteria, badalada trattoria do Itaim Bibi, vem mantendo os 46 assentos — 40% da capacidade original, como dita o protocolo — ocupados. Divisórias transparentes de acrílico com 2 metros de altura colocadas entre as mesas davam aquela atmosfera que muitos chamam de “novo normal”. “Temos teto retrátil e as portas que se abrem, isso deixa o cliente mais confortável”, diz o chef e sócio Paulo Barros.
Perto dali, também não faltava gente em torno das mesas — devidamente espaçadas — do Nino Cucina. Ainda assim, os números são modestos em comparação com o início do ano. Na sexta (7), atendeu 130 pessoas — chegava a receber 670 em um dia como esse, incluindo as mesas colocadas na calçada, atualmente proibidas pela Vigilância Sanitária.
“Imaginei que as pessoas fossem ter mais medo, mas até os de uma faixa etária mais alta estão vindo”, conta o cozinheiro italiano Rodolfo De Santis. Sócio de outras seis casas na capital, a maioria delas concentradas no Itaim Bibi, o restaurateur do ano por VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER se organiza para inaugurar o francês Madame Suzette na próxima terça (18) na Rua Jerônimo da Veiga, a mesma do Nino.
Quem também torce pela liberação da calçada é Marie France Henry, dona do francês La Casserole, no Largo do Arouche há 66 anos. Por enquanto, ela abre a casa aos poucos, com jantar só de quinta a sábado. “A gente está verificando dia após dia uma melhora não só no movimento, mas também na equipe ao trabalhar com máscara, protetor facial e luvas”, diz. O sonho das mesas ao ar livre terá de esperar, de acordo com o secretário municipal da Saúde, Edson Aparecido. “O controle externo é limitado tanto pela estrutura pública de fiscalização quanto pelo próprio estabelecimento”, justifica.
Mas ainda é hora de se manter atento. Em alguns lugares, o movimento volta a passos lentos, como na cervejaria 3 Brasseurs, no Itaim Bibi e em Pinheiros. “É mais caro ficar aberto do que fechar. Mas temos uma visão de investimento. Trata-se de uma aposta”, revela o diretor de operações Julien Lisbona. “Estamos diversificando os negócios e fazendo cervejas por encomenda.”
No turístico bairro da Liberdade, ainda sem agito e sem a presença dos alunos das muitas faculdades da região, os restaurantes também sofrem. “Mesmo com o delivery, o faturamento caiu 80%”, diz o sushiman Josino de Souza, o Lika, do Sushi Lika. Por que se manter operante? “Incentivar a vinda das pessoas.”
As maiores dificuldades nesta volta cabem aos restaurantes de almoço, sobretudo nas proximidades de edifícios corporativos. A reportagem, que também está de home office, circulou por estabelecimentos no eixo Faria Lima-Vila Olímpia-Berrini e encontrou a maior parte dos lugares com poucas mesas ocupadas.
No Estrela de Minas, perto da Berrini, o proprietário, Edmar Amâncio, afirma que o número de clientes estacionou em 15% do que era antes da pandemia. “Estou com duas contas de luz e uma de água atrasadas”, queixa-se. No quilo Puã, na Rua Tabapuã, as contas fecham no vermelho. “Costumava vender até 1 000 refeições por dia, agora chega no máximo a oitenta”, conta o dono, Calil Lutfi.
Para continuar a atrair o público, a chef Marcela Tulmann adaptou seu Elvira Coffee & Kitchen, na Vila Olímpia. “Não colocamos o bufê ainda, estamos trabalhando à la carte”, diz. “E há pessoas que vêm retirar a comida.” Endereços mais arrumadinhos do circuito empresarial também têm perdas. “O almoço está extremamente prejudicado. A região não é mais um deserto total, está começando um gato-pingado aqui e ali”, observa Lisandro Lauretti, do Jamie’s Italian. Ele costumava atender clientes de empresas vizinhas como Google, Facebook e Credit Suisse.
O restaurateur Juscelino Pereira, dono dos festejados Piselli e Piselli Sud, tem outros dois restaurante no térreo do complexo São Paulo Corporate Towers, na Vila Olímpia. Ali, conseguiu reabrir apenas o Timo, que, de bufê, passou a operar à la carte. Não teve melhor sorte o empresário Marco Suplicy, que mantém uma unidade do Suplicy Cafés Especiais nos jardins do mesmo condomínio comercial. “O eixo principal corporativo não tem ninguém, porque o público não mora lá”, queixa-se o empresário, que diz ter atualmente apenas 5% do faturamento que obtinha antes da pandemia.
Próximo a lojas do Bom Retiro, o grego Acrópolis assiste a um despertar lento. “Quase metade de nosso caixa hoje vem do delivery”, conta a sócia Niqui Petrakis. “Há poucos comerciantes. E, nos fins de semana, quase não estamos tendo espera, mesmo com salão reduzido. Antes era de até uma hora”, lamenta.
Um dos maiores players do setor como as redes NB Steak, de churrasco, e Maremonti, mix de pizzarias e trattorias, Arri Coser acredita que os lugares que se dão melhor atualmente, sobretudo no almoço, são os endereços em áreas de perfil residencial. “As lojas de bairro estão respondendo melhor. A Maremonti do Campo Belo mostra um desempenho superior ao da Faria Lima.”
Além da adaptação relacionada a ambiente, horário, equipe e região, há o fator público. A freguesia ainda se adapta aos novos tempos. Não raro, esquece que não pode mais sair do bar com bebida na mão nem ficar em pé dentro do estabelecimento ou se aglomerar na frente dele. Mesas com mais de seis pessoas também estão proibidas.
“Às vezes as pessoas chegam sem máscara ou esquecem dela para ir ao banheiro”, relata Helena Rizzo, chef e sócia do cinco-estrelas máximas pelo COMER & BEBER Maní, no Jardim Paulistano, que voltou a servir menu degustação também à noite. “É o momento para a gente ser muito consciente.” Edrey Momo, da Tasca da Esquina, da Tasquinha, da Padaria da Esquina e da 1900, é mais enfático: “As pessoas ainda precisam entender que podem ir a um restaurante sem se contaminar”.
No sábado anterior, dia de futebol na televisão, a reportagem observou aglomerações nas áreas externas de alguns bares em bairros como Itaim Bibi e Vila Madalena, um desafio a ser solucionado por empresários do ramo. “Quando alguém pede mesa e não tem lugar, pegamos o número da pessoa e pedimos a ela que dê uma volta, para não aglomerar em frente”, conta Fábio Prado, um dos donos do Vaca Véia, bar do Itaim Bibi. “No fim de semana, mantivemos um segurança pedindo ao pessoal que não ficasse na rua. E as pessoas da vizinhança fiscalizam e fotografam.”
Dados fornecidos pela Secretaria das Subprefeituras mostram que até o domingo (9), 559 endereços do segmento haviam sido interditados desde o início da quarentena — 319 foram fechados após a reabertura gastronômica, grande parte por operar fora do horário permitido, a maioria nas Subprefeituras de Sé, São Mateus, Pirituba/Jaraguá, Guaianases, Freguesia do Ó e Aricanduva.
Embora tivesse seguido as regras de distanciamento entre mesas, as rígidas normas de higiene e observado cuidados como máscaras e protetores faciais para a brigada, o restaurante Président, do chef Erick Jacquin, no Jardim Paulista, foi multado e interditado no jantar do sábado (8) por estar aberto às 22h39. A multa tem o valor amargo de 9 231,65 reais para cada 250 metros quadrados. Foram três dias de portas fechadas, com retorno nesta sexta (14). Jacquin divulgou um comunicado do retorno na véspera.
“Felizmente, a maior parte dos estabelecimentos está com um protocolo sanitário excelente e respeita os 40% da ocupação. Vários restaurantes avisam que a cozinha fecha às 9 da noite e os bares param a venda de bebidas às 9 e meia”, afirma Alexandre Modonezi, secretário das Subprefeituras, órgãos responsáveis pela fiscalização.
*Com informações de G1.
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