A segunda onda da covid-19 já registrada em países da Europa e nos EUA fez subir a pressão em uma ala do governo e também no Congresso pela prorrogação das medidas de combate aos efeitos da pandemia, principalmente o auxílio emergencial - cujo pagamento, a princípio, será encerrado em dezembro.
Mas de olho no risco fiscal, a equipe econômica começou a costurar uma solução legal para fechar a porta a uma eventual corrida de ministérios para autorizar gastos na reta final do ano, deixando pagamentos "pendurados" para 2021 por meio dos chamados "restos a pagar" (despesas transferidas de um ano para o outro).
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a intenção da equipe econômica é publicar uma portaria para delimitar quais restos a pagar da pandemia poderão ser pagos no ano que vem. Será um procedimento especial único para as despesas que foram feitas com base no chamado orçamento de guerra e que vão ficar para 2021, criando uma espécie de cinturão de segurança para a gestão fiscal no ano que vem.
Aprovado pelo Congresso, o orçamento de guerra tirou várias amarras de regras fiscais para permitir ao governo ampliar os gastos no combate aos efeitos da pandemia. A portaria está em análise na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e deverá ser publicada até o próximo dia 15.
Por essa regra, apenas os restos a pagar processados ficarão de pé de um ano para o outro. O carimbo de "processado" é dado quando o governo reconhece a dívida, ou seja, quando o bem ou serviço é entregue, ou há o reconhecimento de um direito ao recebimento daquele recurso. Com isso, gastos não processados (ou seja, houve apenas a promessa de despesa, sem avanço) não permanecerão para os próximos anos como restos a pagar. No caso do auxílio, só quem fizer jus ao benefício em dezembro de 2020 poderá receber qualquer eventual valor pendente em 2021.
Com a decisão, a expectativa da equipe econômica é fechar qualquer brecha legal que possa permitir aos ministérios deixar uma fatura muito grande para 2021. Segundo apurou a reportagem, alguns órgãos consultaram informalmente a área econômica sobre a possibilidade de empenhar recursos destinados originalmente à crise para outras áreas que estão com orçamento muito apertado em 2021.
Essa pressão foi reforçada por pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte) com o Instituto MDA, divulgada na semana passada, na qual 72% dos entrevistados defenderam a prorrogação do benefício por mais alguns meses a partir de janeiro de 2021.
"É impressionante como o governo não conseguiu pautar ainda esse debate (a alternativa ao fim do auxílio)", disse Pedro Fernando Nery, consultor do Senado. Para ele, há hoje um "abismo" que separa os dias 31 de dezembro e 1.º de janeiro de 2021, quando não haverá mais o auxílio. O economista destaca que está contratada alta da pobreza, do desemprego e da desigualdade. "Alguma coisa terá de ser feita. Não consigo pensar num assunto mais urgente."
Para Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), é muito provável que depois do verão uma segunda onda da covid possa atingir o Brasil. "Seria adequado para o governo manter uma estratégia pela qual uma eventual renovação do benefício seguisse a ideia de redução gradual", recomendou. Segundo ele, isso pode envolver uma redução do valor do benefício nos próximos dois meses, dando tempo para avaliar quais são os reflexos de uma segunda onda lá fora e como poderia se planejar para atuar no Brasil.
Já o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), disse que o Brasil tem uma onda longa da covid e que a preocupação deve ser maior no verão com os voos que partem da Europa para o Brasil. Ele garante que não há planos de renovação do Estado de calamidade e nem de auxílios. "Se tivermos um fato extraordinário, todas as cartas serão colocadas na mesa, mas hoje estamos caminhando para uma não renovação do Estado de calamidade e vamos tratar do Renda Brasil", disse. O Renda Brasil ou Cidadã é o novo programa que o governo estuda em substituição ao Bolsa Família.
Lideranças do Congresso Nacional também já cogitaram a possibilidade de remanejar eventuais "sobras" dos gastos contra covid para investimentos públicos. Em julho, a Casa Civil avaliou consultar o TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a possibilidade de empenhar em 2020 gastos com obras e investimentos a serem executados apenas nos próximos anos. Revelada pelo Estadão/Broadcast, a consulta era um pedido do Ministério do Desenvolvimento Regional, e acabou sendo suspensa após ser interpretada pelo mercado como tentativa de drible ao teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação.
*Com informações de R7.
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