Por Rafa Santos – Consultor Jurídico
Após o advogado afirmar que o réu só iria responder às
perguntas feitas pela defesa, a juíza Emanuella Cristina Pereira Fernandes, da
1ª Vara Criminal da Comarca de Natal, levantou a voz, bateu na mesa e encerrou
a sessão.
O registro da cena está circulando em grupos de advogados. O
imbróglio ocorreu durante uma audiência de instrução. No vídeo, a julgadora
afirma que não irá permitir que o réu responda apenas às perguntas de seu
advogado. Este disse então calmamente que os tribunais superiores admitem o
silêncio parcial, mas ela negou o pedido do defensor de formular um requerimento.
"Ou
ele [réu] exerce o direito ao silêncio por completo ou ele não vai responder.
Não é uma opinião. Eu sou a juíza", esbravejou, batendo violentamente
na mesa e ordenando que a gravação fosse interrompida e a audiência, encerrada.
O advogado Carlos Firmino, que defendeu o direito de seu
cliente ao silêncio parcial, pediu o termo da audiência e a gravação. "No
documento a juíza fala que eu gritei. Que eu me alterei e fui mal-educado. Mas
o vídeo mostra o contrário", disse ele à ConJur.
O advogado procurou a seccional local da OAB e a Abracrim,
que se prontificou a levar o caso adiante. "Também houve a pronta
intervenção da Comissão de Prerrogativas da OAB do Rio Grande do Norte",
afirma. O defensor diz que não conhecia a juíza e que essa foi a sua primeira
audiência na Comarca de Natal.
Ata da
audiência
No termo de audiência de instrução, a juíza apresenta
narrativa diversa: diz que, após indeferir a possibilidade de direito ao
silêncio parcial por parte do réu, o advogado se exaltou, "afirmando que a MM Juíza estava contrariando decisões de
Tribunais superiores". Também relata que tentou dar continuidade ao
interrogatório, "mas o referido advogado não permitiu mais que a mesma
seguisse adiante na condução da audiência, uma vez que falava cada vez mais
alto, impedindo a continuidade do ato". Assim — prossegue a ata —, a juíza
deu por encerrada a audiência.
Decisão do
STJ
Em dezembro de 2020, a 5ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça decidiu que o interrogatório é um ato de defesa e, por isso, o réu pode
ficar em silêncio e responder apenas às perguntas formuladas por seu defensor.
O entendimento foi definido no julgamento do HC 628.224, de relatoria do
ministro Félix Fischer.
"O réu
pode exercer sua autodefesa de forma livre, não havendo razões para se
indeferir liminarmente que se manifeste sob a condução das perguntas de seu
patrono. Isso porque o interrogatório possui duas partes, e não apenas a
identificação do acusado, quando o direito ao silêncio pode ser mitigado. Em
outras palavras, quanto ao mérito, a autodefesa se exerce de modo livre,
desimpedido e voluntário", diz trecho da decisão.
No caso concreto julgado pelo STJ, o paciente afirmou que
responderia apenas ao advogado. O MP, no entanto, contestou, dizendo que isso
seria o equivalente a fazer o uso parcial do direito ao silêncio. O juiz do
caso concordou.
A defesa do réu entrou com um Habeas Corpus no STJ afirmando
que o cliente não fez uso de seu direito de palavra. Fischer não conheceu do
HC, mas determinou, de ofício, que uma nova audiência de instrução fosse feita,
na qual o paciente poderia escolher quais perguntas responder.
Procedimento
disciplinar
A OAB-RN, por meio de sua presidência, da Comissão de Defesa
das Prerrogativas e Valorização da Advocacia e da Comissão da Advocacia
Criminal, enviou ofício nesta quinta-feira ao corregedor geral do TJ-RN para
requerer, diante da "gravidade da situação", a instauração de
procedimento disciplinar para apurar a conduta da juíza. Segundo a entidade, há
indícios da prática de crime de abuso de autoridade.
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