Um relatório da Polícia Federal recomendou a adoção do voto
impresso e a transferência para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de
tarefas executadas por empresas terceirizadas do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Trechos do documento foram divulgados nesta segunda-feira (27) pelo
senador Esperidião Amin (PP-SC), que presidiu uma sessão temática sobre a
apuração e a totalização dos votos nas eleições.
O relatório da Polícia Federal foi encaminhado à corte
eleitoral em outubro de 2018, quatro meses depois de uma liminar do Supremo
Tribunal Federal (STF) tornar sem efeito um artigo da reforma eleitoral (Lei
13.165, de 2015) que previa a impressão do voto. O texto assinado por três
peritos federais recomenda “que sejam envidados todos os esforços para que
possa existir o voto impresso para fins de auditoria”.
Amin obteve uma cópia parcial do documento, que faz um total
de 14 recomendações ao TSE. Trechos considerados confidenciais pela Polícia
Federal foram encobertos com tarjas pretas. Segundo o parlamentar, nem mesmo
presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) tiveram acesso ao documento.
Para o senador, a eventual migração de rotinas administrados por empresas
terceirizadas do TSE para a Abin tornaria o processo eleitoral “chapa-branca”.
O diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal,
Luís Flávio Zampronha, informou que a instituição foi convidada pelo TSE para
avaliar a segurança do sistema utilizado nas eleições. Ele disse que a
recomendação específica sobre o voto impresso foi resultado de uma “análise
técnica” dos peritos.
“Mas se
trata de um documento opinativo. Não tem o poder de vincular as novas medidas
adotadas pelo TSE”, disse Zampronha.
Esperidião Amin chegou a anunciar que tornaria pública a
íntegra do documento. Mas o juiz auxiliar da Presidência do TSE, Sandro Nunes
Vieira, comprometeu-se a enviar oficialmente cópia do relatório ao Colégio de
Presidentes dos TREs (Coptrel).
“Como o
documento foi colocado como confidencial, nós enviamos a todos aqueles
presidentes que pediram cópia. Mas não enviamos de antemão. O processo é
sigiloso, e não vamos ficar oferecendo cópias às pessoas”, justificou
Vieira.
Sobre a eventual migração de “módulos e rotinas” de
terceirizadas do TSE para a Abin, Sandro Nunes Vieira disse que a recomendação
da Polícia Federal não foi acolhida. O juiz informou que o trabalho das
empresas privadas é coordenado por servidores públicos concursados.
“A empresa atua na mão de obra, mas toda a inteligência do
processo é feita por servidores de carreira. O protagonismo é do TSE, e não da
terceirizada”, disse.
Centralização
O objetivo original da sessão temática era debater uma
resolução do TSE que centralizou em Brasília a divulgação dos resultados das
eleições para governador, vice-governador, senador, deputado federal e
estadual. A mudança, implantada no primeiro turno das eleições de 2020 com base
nas recomendações da Polícia Federal, sofreu críticas de representantes dos
TREs. Segundo eles, a medida provocou atrasos e retirou indevidamente
atribuições da justiça eleitoral nos estados.
Para o presidente do TRE de Santa Catarina, desembargador
Fernando Carione, a totalização dos votos em Brasília provocou “afunilamento
processual” e deixou a justiça eleitoral nos estados “à mercê dos tempos
operacionais do TSE”.
“É
inquestionável a competência legal privativa dos TREs para fazer a totalização
dos resultados finais das eleições. Não me parece possível ao TSE, seja por
meio de diretriz técnica ou mesmo resolução ou instrução normativa, modificar
as disposições contidas no Código Eleitoral sem afronta à Constituição. Este relatório
formulado por peritos da Polícia Federal jamais nos foi disponibilizado. Qual a
razão do sigilo?”, questionou.
O presidente do TRE de Roraima e do Coptrel, desembargador
Leonardo Pache Cupello, disse que o tema “é sem dúvida controverso”. Para ele,
“o normal” seria que a apuração e a totalização dos votos se dessem nos
estados.
“Deveria
ocorrer como ocorreu nas eleições anteriores. O resultado já saia
imediatamente. Entretanto, vivemos um momento diferente. Nós dos TREs
deveríamos ter tomado conhecimento dessa totalização com uma certa antecipação.
Houve o atraso, e se tornou preocupante. Os TREs estávamos preparados para
divulgar imediatamente a totalização dos votos”, afirmou.
Esperidião Amin também criticou o atraso na totalização dos
votos no primeiro turno de 2020.
“O TSE
optou pela centralização, sob o argumento de que a nova rotina envolveria
estrutura mais confiável. Há, no entanto, pontos controversos. As eleições de
2018, com apuração descentralizada nos TREs, transcorreram sem qualquer
incidente. O pleito de 2020, centralizado no TSE, sofreu com atrasos não usuais,
tampouco justificáveis” disse.
Apuração x
Totalização
Sandro Nunes Vieira, juiz auxiliar da Presidência do TSE,
admitiu que “um problema de ordem técnica” provocou três horas de atraso na
totalização dos votos no primeiro turno de 2020. Mas assegurou que o “percalço”
em um computador da empresa privada contratada para o serviço foi corrigido a
tempo para o segundo turno.
Segundo o magistrado, a totalização dos dados em Brasília não
retira atribuições dos TREs. Para ele, há uma diferença entre os conceitos de
totalização e apuração dos votos.
“A apuração
é realizada pela própria urna eletrônica. O TSE não possui ingerência nas
atividades do juiz eleitoral, da junta eleitoral ou do TRE. O TSE faz apenas a
totalização, que é uma consolidação dos dados já apurados nas instâncias
competentes. O TSE não atua no processo de apuração”, afirmou.
Para Sandro Nunes Vieira, a totalização em Brasília ocorreu
para economizar dinheiro e evitar ataques contra o sistema de Justiça
Eleitoral.
“Não temos
necessidade de um banco de dados em cada zona eleitoral. Isso seria um
desperdício de recursos públicos. Onde o dado está armazenado é irrelevante no
atual contexto tecnológico. Manter 27 servidores [computadores], um em cada
TRE, para fins de totalização seria um grave fator que agravaria os custos do
processo. Teríamos a ampliação do número de locais para ataques por hackers”, afirmou.
O procurador Rodrigo López Zilio, representante do Ministério
Público Federal, lembrou que legislação eleitoral data de 1965 e precisa ser
atualizada para contemplar aspectos introduzidos pelo sistema eletrônico de
votação. Um novo código eleitoral deve deixar claro, por exemplo, a quem cabe
apurar e totalizar o resultado das votações.
“Embora
sejam conceitos distintos, a totalização, que é a soma de todos os votos dos
boletins de urna, é vinculada à apuração. Acho que esse é um ponto relevante a
ser esclarecido. A experiência de 2020 frustrou aquele ideal de otimização que
a Justiça Eleitoral vinha impondo ao longo dos anos”, lamentou.
*Com informações: Agência Senado – Foto Pedro França
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