As medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil
valorizam o acesso à Justiça e aumentam a eficiência do sistema. Se houver
abusos, eles devem ser contestados caso a caso, via recursos às instâncias
superiores.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, por maioria, declarou nesta quinta-feira (9/2) a constitucionalidade
de medidas como a apreensão do passaporte ou da Carteira Nacional de
Habilitação, assim como a proibição de participar de concursos públicos e
licitações, para garantir o pagamento de dívidas.
O Partido dos Trabalhadores (PT), autor da ação, pediu a
anulação do inciso IV do artigo 139 do CPC e a declaração da
inconstitucionalidade de suas interpretações que restrinjam direitos
constitucionais. O dispositivo autoriza o juiz a aplicar "todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias" para forçar o cumprimento
de decisões judiciais.
De acordo com a legenda, a regra tem sido usada pelo Poder
Judiciário para restringir garantias fundamentais de devedores, como a
apreensão da CNH e de passaportes e a proibição de participar de concursos e de
licitações.
A corte aprovou a seguinte tese, proposta pelo ministro Luiz
Fux, relator do caso:
"Medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil
conducentes à efetivação dos julgados são constitucionais, respeitados os
artigos 1º, 8º e 805 do ordenamento processual e os direitos fundamentais da
pessoa humana".
Efetividade
do sistema
Relator do caso, Fux argumentou que é inviável proibir
magistrados de aplicarem medidas coercitivas para garantir a execução de
dívida.
"Não se trata de desprezar a proteção da dignidade
humana em casos de abusos de juízes. Mas quaisquer discussões sobre a
proporcionalidade das medidas só podem ser travadas em concreto, com
sopesamento dos bens jurídicos em conflito", destacou ele.
Segundo Fux, a garantia do acesso à Justiça estabelece que as
decisões judiciais devem ser eficazes. E as medidas atípicas do CPC contribuem
para isso.
O relator ressaltou que, ao impor tais medidas, os juízes
devem levar em conta os princípios da menor onerosidade e da proporcionalidade.
No primeiro caso, aplicando determinações menos gravosas, se possível. No
segundo, considerando o impacto na vida do devedor. Por exemplo, é proporcional
suspender a CNH de uma pessoa comum, mas não de um taxista, que depende do
documento para sua renda.
O voto de Fux foi seguido pelos ministros Ricardo
Lewandowski, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto
Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Lewandowski afirmou que o ordenamento jurídico traz garantias
suficientes para que o juiz não extrapole e viole os direitos fundamentais dos
cidadãos.
Mendonça apontou que as medidas atípicas não são, por si sós,
inconstitucionais. Para ele, a análise da adequação e da proporcionalidade das
determinações deve ocorrer nos casos concretos.
Nessa mesma linha, Nunes Marques afirmou que o inciso IV do
artigo 139 do CPC não contraria a Constituição.
Alexandre, por sua vez, ressaltou que as medidas atípicas não
são previstas apenas pelo CPC, mas também por outras normas, como o Código de
Trânsito Brasileiro e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).
"Essa ação direta de inconstitucionalidade é meio
absurda. Visa a declarar inconstitucional um recorte do gênero poder geral de
cautela do juiz. Aqui são (discutidas) medidas para a execução, mas o
raciocínio seria o mesmo para processo de conhecimento. Partindo do pressuposto
de que o juiz vai atuar com abuso de poder, pretende-se restringir o poder
geral de cautela", criticou Alexandre.
Já Barroso avaliou que as medidas atípicas ajudam a resolver
o maior problema do sistema judicial brasileiro, a execução. O ministro citou
que mais de 50% dos processos pendentes na Justiça estão nessa fase, conforme o
relatório "Justiça em Números", do Conselho Nacional de Justiça.
Desse total, 65% são execuções fiscais.
Por sua vez, Toffoli disse que "não é possível imaginar
um rol de temas teratológicos", e, assim, declará-los inconstitucionais.
"São muitas possibilidades fáticas. O sistema recursal existe para
isso."
"Não se pode pressupor que o juiz vá adotar medidas
inconstitucionais", ressaltou Cármen Lúcia, apontando que a finalidade das
medidas atípicas é conferir efetividade ao processo.
Gilmar, o decano do Supremo, opinou que, ao decretarem
medidas atípicas, juízes devem fundamentá-las com base no princípio da
necessidade, apontando por que motivos elas são essenciais para a execução.
Já a presidente da corte, Rosa Weber, considerou não ser
viável banir abstratamente as medidas atípicas. Se a aplicação delas for
inconstitucional, o Judiciário poderá revogá-las, disse a ministra.
Exceção
para alimentos
Edson Fachin ficou parcialmente vencido. O ministro votou
para declarar a inconstitucionalidade de norma ou interpretação que aplique as
medidas atípicas fora de casos de obrigações alimentares.
"As medidas coercitivas em abstrato são inadequadas,
desnecessárias e desproporcionais para o descumprimento de decisões de
obrigações pecuniárias. O devedor não pode ter suas liberdades restritas, salvo
em caso de dívida alimentar", analisou Fachin.
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