Butantan: veja as serpentes endêmicas que existem em algumas ilhas de SP - Parente da jararaca-comum da Mata Atlântica, o primeiro exemplar insular foi descrito há mais de 100 anos
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo. Segundo o
Ministério do Meio Ambiente, mais de 116 mil espécies animais e 46 mil vegetais
já foram catalogadas em terras tupiniquins. Quando o assunto é a variedade de
répteis, somos o terceiro no ranking mundial, ficando atrás apenas do México e
da Austrália. De acordo com um levantamento realizado pela Sociedade Brasileira
de Herpetologia (SBH), 848 animais compõem a categoria, sendo que mais da
metade são serpentes. Entre elas, estão as cinco serpentes insulares que
ocorrem em ilhas específicas da costa brasileira: a jararaca-ilhoa (Bothrops
insularis), primeira a ser descoberta na Ilha da Queimada Grande (SP); a
jararaca-de-alcatrazes (Bothrops alcatraz), da Ilha dos Alcatrazes (SP); a
jararaca-de-vitória (Bothrops otavioi), da Ilha Vitória (SP); a
jararaca-dos-franceses (Bothrops sazimai), da Ilha dos Franceses (ES); e a
jararaca-da-moela (Bothrops germanoi), da Ilha da Moela (SP).
Informações compiladas nos Cadernos de História da Ciência do Instituto Butantan mostram que a organização recebeu os primeiros exemplares de jararaca-ilhoa em 1911. Na época, eles foram confundidos com os bichos do continente, devido a semelhança entre as espécies. Somente uma década depois, quando Afrânio do Amaral, então pesquisador da chamada “Secção de Ophiologia” e posteriormente diretor do Butantan, notou a presença de penas de aves nas fezes de animais recém-chegados da ilha que se decidiu investigar a sua biologia. “Cerca de 80% da dieta da jararaca da Queimada Grande é composta por aves. A do continente também come pássaros, mas em uma escala muito menor. No caso delas, a presa principal são os roedores”, explica o pesquisador científico do Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan Otavio Marques.
Após sucessivas expedições a campo para uma melhor
compreensão dos hábitos da jararaca, a Bothrops insularis foi finalmente
descrita em 1921 e, durante mais de 80 anos, acreditou-se que ela era a única
serpente insular brasileira. A identificação de uma nova espécie só veio a
acontecer em 2002, quando a chamada jararaca-de-alcatrazes foi encontrada na
Ilha dos Alcatrazes, próxima ao município de São Sebastião, também no litoral
paulista. De lá pra cá, outras três serpentes insulares foram descobertas. A
última delas, registrada no ano passado, é endêmica da Ilha da Moela, na costa
do Guarujá.
“As chances de existirem outras serpentes insulares no Brasil
são altas. À medida que os estudos relacionados a animais de ilhas vão se
aprimorando, essas diferenças são detectadas. É exatamente isso que vem
acontecendo desde a descrição da jararaca-de-alcatrazes, há mais de 20 anos”,
observa Otávio Marques. A seguir, conheça cada uma das nossas jararacas de
ilhas, patrimônios exclusivos da fauna brasileira:
Jararaca-ilhoa (Bothrops insularis)
São várias as diferenças entre a jararaca do continente e
aquela que vem do local conhecido popularmente como Ilha das Cobras. À primeira
vista, as Bothrops insularis possuem cor amarelada, corpo esguio e delgado,
cauda maior, mais escura (que serve como atrativo para as presas, uma vez que
lembram minhocas) e com mecanismo preênsil – capacidade do órgão se enrolar e
agarrar, facilitando o deslocamento dos animais entre os galhos das árvores e a
captura de presas, uma vez que possuem hábito arborícola.
Menores do que as jararacas do continente, elas dificilmente
ultrapassam um metro de comprimento. Já a pele mais elástica possibilita
flexionar o corpo e favorece a movimentação da serpente em meio à vegetação.
Outra característica relevante é o coração mais anterior (ou alto), facilitando
o bombeamento de sangue para a região da cabeça, principalmente quando a cobra
escala em posição vertical. Além disso, tem cabeça maior e dente menor,
auxiliando no controle da captura e deglutição das aves, que costumam ser
abocanhadas durante o dia.
Jararaca-de-alcatrazes (Bothrops alcatraz)
Apesar de ser endêmica da Ilha dos Alcatrazes, onde há muito
mais oferta de pássaros do que a Queimada Grande, a espécie não desenvolveu
hábito arborícola, como a jararaca-ilhoa. “A Bothrops alcatraz apresenta um
fenômeno evolutivo chamado pedomorfose ou neotenia: quando a serpente adulta
mantém as mesmas características apresentadas quando filhote”, aponta Otavio
Marques. Assim como as crias da jararaca do continente, elas saem para caçar
durante a noite e se alimentam de lacraias, pequenos anfíbios e lagartos –
hábitos que podem ter favorecido a predominância de exemplares com pequeno
porte corporal.
Até o ano de 2013, a Ilha dos Alcatrazes era utilizada pela
Marinha do Brasil para o treinamento de tiros de canhões. Ocasionalmente, a
ação provocava queimadas no ambiente, o que contribuiu para colocar a espécie
em sério risco de extinção.
Jararaca-de-vitória (Bothrops otavioi)
Assim como a serpente de alcatrazes, a espécie possui hábitos
noturno e terrestre, sendo os anfíbios sua presa preferida. Endêmica da Ilha
Vitória e descrita no ano de 2012, tem como características marcantes a cauda e
o corpo de coloração escura – por vezes, um pouco mais amarronzada – e tamanho
máximo de 70 centímetros. As diferenças em relação às outras espécies ficam por
conta do número de escamas no corpo e hemipênis, órgão copulatório dos machos.
Por mais que o habitat da espécie esteja localizado a mais de
20 quilômetros da costa, trata-se de um ambiente com forte interferência
humana, com áreas de desmatamento para a produção agrícola e desequilíbrio do
ecossistema por conta dos animais domésticos e da própria ação dos residentes
da ilha, que eliminam as serpentes adultas. Já o nome Bothrops otavioi é uma
homenagem ao pesquisador do Butantan e fonte desta matéria, Otavio Marques, que
há anos dedica-se ao estudo e conservação das serpentes insulares brasileiras.
Jararaca-dos-franceses (Bothrops sazimai)
Nativa da Ilha dos Franceses, localizada a apenas 4
quilômetros da costa do Espírito Santo, a espécie foi descrita no ano de 2016,
e também possui pequeno porte, principalmente quando comparada à versão do
continente. Em relação às diferenças das jararacas insulares, os pesquisadores
destacam a cauda mais alongada, o menor comprimento da cabeça, o maior tamanho
dos olhos e a postura diferenciada na hora do bote. Alimenta-se principalmente
de lagartixas e centopeias, possui hábitos noturno e semi-arborícola.
Jararaca-da-moela
(Bothrops germanoi)
Última jararaca insular a ser identificada até o momento, é
endêmica da Ilha da Moela, a apenas 2 quilômetros da costa do Guarujá (SP).
Possui coloração que varia entre cinza e marrom e tamanho máximo de 60
centímetros, alimentando-se de pequenos anfíbios. De acordo com as observações
dos cientistas, mais de duas dezenas de características morfológicas a
distinguem das outras jararacas insulares, sendo o tamanho menor da cabeça uma
das principais.
Batizada de Bothrops germanoi, a nova espécie é uma homenagem
a Valdir Germano, colaborador do Butantan que há mais de três décadas dedica-se
aos cuidados de inúmeras serpentes do instituto e um dos principais
especialistas na identificação de novas espécies.
*Veja mais acessando Governo do Estado de São Paulo
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