Baixa vacinação de idosos acende alerta para casos de gripe - Infectologista destaca "recorde histórico para baixo" na imunização
Dados do Ministério da Saúde referentes ao período de março a maio revelam que somente 55% dos idosos foram vacinados neste ano na Campanha Nacional de Vacinação contra a Influenza, em comparação com o mesmo período de 2022 ano passado.
“Os números estão abaixo do estimado como nunca estiveram”,
disse nesta sexta-feira (30) à Agência Brasil a médica Rosana Richtmann, do
Instituto de Infectologia Emílio Ribas. “Este é o recorde de baixa cobertura
desde que começaram as campanhas de vacinação contra a gripe”, afirmou a
infectologista. A vacinação contra a influenza foi incorporada no Programa
Nacional de Imunizações (PNI) em 1999.
“Hoje, os números apontam que 56% da população idosa, acima
de 60 anos de idade, estão com vacinação contra influenza. Este também é um
recorde histórico para baixo”, destacou Rosana. Tradicionalmente, crianças e
gestantes sempre tiveram mais dificuldade de alcançar as metas, o que não
ocorria com a população idosa e profissionais de saúde. “Desta vez, 56% são
algo muito longe do que se tem na nossa história.”
Uma questão preocupante é que, pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), está diminuindo a população abaixo de 30 anos, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, enquanto aumenta significativamente a parcela dos que têm mais de 60 anos. A Pnad Contínua foi divulgada neste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Estamos totalmente na contramão, do ponto de vista que
estamos envelhecendo. Isso significa que há no Brasil uma população muito mais
suscetível a ter gripe, e tudo que essa doença traz, contra o que havia no
passado, quando se alcançava 95% de cobertura vacinal na campanha de
imunização. Existe esse paradoxo do ponto de vista da cobertura e de aumento da
população de risco”, afirmou a infectologista.
Síndrome respiratória
Segundo o Ministério da Saúde, os registros de Síndrome
Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Influenza em idosos aumentaram 4,5 vezes em
2023, na comparação com o mesmo período de 2022, e 96,1% desses casos
necessitaram de hospitalização até o mês de maio deste ano. Os idosos
permanecem com maior risco de acidente vascular cerebral (AVC) até dois meses
após uma infecção pelo vírus Influenza.
Rosana Richtmann destacou que observa-se, cada vez mais , a
relação de doenças virais – “e a Influenza é uma delas” -- com complicações
cardiovasculares. “Você teve um quadro de Influenza e tem risco maior de infarto, de arritmia cardíaca nas semanas
seguintes. Você teve Zoster, tem maior risco de ter um AVC, um derrame nas
próximas semanas”. Está se estabelecendo uma relação direta de um fenômeno infeccioso
viral como um gatilho para ter uma complicação cardiovascular, explicou a
médica. “Quando você fala em prevenção de gripe, você passa a não ter infecção
aguda pelo vírus Influenza e, por outro lado, tem a prevenção indireta para
outras condições, como as respiratórias.”
A médica ressaltou que, com a idade, as pessoas não percebem que é muito maior a chance de ter outras complicações decorrentes da gripe. Problemas como diabetes, hipertensão, e situações respiratórias, entre as quais asma e bronquite crônica, podem acelerar o processo.
O Ministério da Saúde destaca que cerca de 70% dos idosos têm
alguma doença crônica e maior risco de agravamento de infecções. Isso ocorre
porque o avanço da idade faz com que o sistema de defesa do corpo humano comece
a apresentar diminuição de suas funções; processo é chamado de
imunossenescência. Como resultado desse declínio progressivo do sistema
imunológico, a pessoa fica mais suscetível a algumas doenças e infecções.
Os idosos que se vacinam contra Influenza, porém, têm menos
possibilidade de ter a doença, com percentual em torno de 60% a 65%, ou de ter
uma doença menos grave. Existem objetivos específicos para vacinar esta
população”. Rosana alertou que o vírus da Influenza ainda está circulando no
país, trazendo complicações respiratórias, daí, a necessidade de vacinação
desse grupo.
Fiocruz
O coordenador do boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), Marcelo Gomes, confirmou a queda na adesão de idosos à campanha de
vacinação e disse que isso acaba tendo impacto negativo sobre esse grupo.
Segundo o pesquisador, as ações empreendidas desde 2020 para diminuir o impacto
da covid-19 tiveram efeito positivo com a queda dos demais vírus respiratórios,
inclusive com impacto muito maior para a própria covid. “Foi uma redução muito
significativa mas, agora, à medida se foi retomando a normalidade, os vírus
estão, de certa forma, aproveitando esse momento”, disse Gomes à Agência
Brasil.
Ele destacou que caiu a percepção de risco associado aos
vírus da gripe, o que pode ter ajudado na diminuição da busca pela vacina
contra influenza. Assim como a infectologista Rosana Richmann, Gomes alertou
que o vírus Influenza continua circulando, “aproveitando o momento” em que se
relaxou, em todos os sentidos. “Tanto no comportamento quanto na vacinação.”
O resultado é que as pessoas não estão com a imunidade adequada, e o comportamento favorece a transmissão. “Aí, o vírus Influenza voltou com força.”.
Outro fator relevante neste ano é a volta do vírus H1N1,
diferentemente do que ocorreu em 2022, quando teve maior presença o H2N2.
Embora também cause internações, o H2N2 não tem o mesmo impacto em termos de
internações que o H1N1, que tem maior risco de agravamento. Neste ano, o H1N1
reapareceu, com presença mais significativa em um cenário em que não se tem
adotado quase nenhum cuidado. “Mesmo pessoas que têm algum sinal de gripe, que
estão espirrando, tossindo, têm relaxado”, destacou Marcelo Gomes.
Máscara
O pesquisador da Fiocruz alertou que pessoas com sinais de
gripe que não possam fazer repouso e precisem sair devem usar máscaras de
proteção, especialmente se pegam transporte público. Para ele, os brasileiros
estão perdendo uma oportunidade muito grande de criar uma conscientização
populacional de que a máscara é uma ferramenta extremamente valiosa para
situações específicas.
Com o arrefecimento da covid-19, a sensação é de que a
máscara já não é mais necessária. Gomes ressaltou que não se trata de usar
sempre máscara, mas sim em situações específicas, como outros países fizeram no
passado e construíram esse costume como defesa contra a gripe. “A gente está
perdendo uma oportunidade de ouro de fazer essa mudança comportamental que
pode, sim, nos trazer uma proteção, combinada com a vacina.”
Óbitos
De 2021 para 2022, o número de óbitos causados pela Influenza
no Brasil subiu 135%. Neste cenário, as pessoas com mais de 60 anos são as que
adoecem com maior gravidade, indica o Ministério da Saúde.
Atualmente, as infecções respiratórias são a quarta maior
causa de mortalidade de idosos no país.
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