Brasil estuda formas de auxiliar o Haiti no combate à violência - Há seis anos a missão Brasileira deixou o país caribenho
Em agosto de 2017, militares brasileiros deixaram o Haiti após 13 anos liderando a Missão de Estabilização no Haiti (Minustah) das Nações Unidas. Agora, quase seis anos depois, o Brasil estuda novas formas de auxiliar o governo do Haiti no combate à violência que assola o país caribenho.
Após reunião com a chanceler do Canadá, Mélanie Joly, durante
a semana, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, informou
que foram discutidas “modalidades de fortalecimento da Polícia Nacional Haitiana
para enfrentar os graves problemas de segurança pública que afetam a vida
naquele país”. Foram diálogos exploratórios que podem resultar em medidas de
apoio a segurança pública haitiana. Segundo Viera, o “Haiti atravessa uma grave
crise multidimensional que requer muita atenção por parte da comunidade
internacional”.
Com a guerra na Ucrânia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que teria legitimidade de decidir sobre intervenções em países soberanos, está paralisado. Com isso, alguns países, em especial o Canadá, têm liderado esforços para tentar combater a violência no Haiti. O Canadá tem aplicado sanções econômicas contra indivíduos que julga ter ligações com os grupos armados e anunciou a doação de US$ 100 milhões para o setor de segurança do país antilhano.
Em nota, a embaixada do Canadá no Brasil informou que a
reunião com o governo brasileiro serviu para discutir “sobre como cooperar para
apoiar os esforços regionais no restabelecimento da segurança e fortalecimento
das instituições no Haiti”. A embaixada acrescentou que estão “trabalhando
ativamente para mobilizar países da região” e que o Canadá apoia “soluções
lideradas pelos haitianos” para resolver a atual crise.
Crise permanente
O Haiti segue mergulhado numa grave crise social, econômica e
de segurança com grupos armados não estatais controlando extensos territórios
da capital, Porto Principe. Segundo as Nações Unidas, mais da metade do
território da região metropolitana da capital apresenta “restrições de
movimento”. Além disso, 47,2% da população está subnutrida, segundo dados da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A FAO
aponta para “níveis catastróficos” de fome.
A situação, que nunca foi estabilizada, se agravou após o
assassinato do presidente Jovenel Moise, em julho de 2021. Desde então, o
primeiro-ministro que assumiu o governo, Ariel Henry, pede ajuda à comunidade
internacional para que intervenha no país, medida que tem sido defendida pelo
secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Soluções
O brasileiro Ricardo Seitenfus, um dos principais
especialistas em Haiti no mundo, atuou como representante da Organização dos
Estados Americanos (OEA) no país caribenho durante a ocupação liderada pelo
Brasil, tendo sido afastado do cargo por críticas à operação. Ele é professor
aposentado de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM).
Seitenfus opina que sem desenvolvimento social-econômico não
há como estabilizar o Haiti. Porém, diante da situação de violência, é
necessário, em caráter emergencial, combater as cerca de 150 gangues que atuam
no país.
“O objetivo é melhorar minimamente a questão da segurança
pública e depois organizar as eleições”, defendeu. O professor destaca que a
polícia é mal equipada e não tem recursos, possuindo apenas 10 mil agentes para
fazer a segurança de 12 milhões de pessoas, o que representa uma proporção de
policial por habitante de cerca de 40% da média mundial.
A solução emergencial de fortalecer a Polícia Nacional Haitiana pode ser contraproducente na visão do pesquisador do Grupo de Estudos em Conflitos Internacionais da PUC de São Paulo, João Fernando Finazzi. Ele fez doutorado em história contemporânea do Haiti e estuda o país há 10 anos.
“Um Estado frágil, com as instituições do judiciário frágeis,
essas armas, esses equipamentos, a gente tem a certeza de que eles vão ficar na
mão das polícias? De que não vão ser desviados? É quase como enxugar gelo”,
avalia. Ainda assim, Finazzi diz acreditar que não há muitas alternativas para
além do que está sendo proposto.
O doutor em relações internacionais explica que as chamadas
gangues do Haiti são grupos próximos de lideranças do país e funcionam, muitas
vezes, como braços armados de atores políticos que usam da violência para
interferir no jogo político local.
Por outro lado, a Rede Nacional de Defesa dos Direitos
Humanos do Haiti tem denunciado abusos, execuções e casos de corrupção da
polícia local, alegando que a instituição estaria corrompida.
Sem eleições
Outro elemento que agrava a crise haitiana, segundo os
especialistas ouvidos pela Agência Brasil, é a ausência de eleições. No
Conselho de Segurança da ONU, o Brasil tem defendido a realização de pleitos
para escolher novos representantes.
“O país está atualmente sem um único funcionário do governo
eleito democraticamente. O Brasil teme que esse vácuo de legitimidade, se não
for resolvido, desencadeie uma crise ainda mais profunda.”, destacou Ronaldo
Costa Filho, embaixador que representa o Brasil no Conselho. Mesmo assim, o
Brasil reconhece a falta de condições para realizar o pleito. “O controle das
atividades das gangues é necessário para criar condições que permitam a
organização de eleições credíveis”, acrescentou.
O professor Ricardo Seitenfus diz acreditar que há um vazio
de legalidade, mas não de legitimidade “porque de fato ele foi indicado pelo
presidente assassinado. Portanto, ele tem uma certa legitimidade, mas há uma
ilegalidade porque ele não foi eleito e não foi designado pelo Parlamento, mas
a Comunidade Internacional o reconhece como a liderança porque não há
outra”.
João Finazzi destaca que o atual primeiro-ministro Henry não
é reconhecido por muitos grupos políticos internos e, por isso, uma eleição
poderia conter a violência já que há uma relação direta entre a violência e
dinâmica política. Porém, “o cenário de violência impede a realização da
eleição”, analisa.
Origens da crise
Questionado sobre as origens da situação haitiana, o
pesquisador Finazzi aponta que o problema é de economia política. “Está no fato
de uma intromissão, por exemplo dos Estados Unidos na política haitiana,
selecionando quem entra no governo, apoiando golpes, pressionando para que não
aumentasse o salário mínimo”, opinou. Para ele, a miséria haitiana não é fruto
simplesmente da violência ou das decisões dos haitianos. “Claro que uma coisa
fortalece a outra, mas a gente tem que olhar para forma como o Haiti se inseriu
na economia política internacional”, explicou.
O professor Ricardo Seitenfus opina que a situação do Haiti é
resultado de toda uma história de colonização que culminou no primeiro país
independente na América Latina e Caribe, independência conquistada em 1804 por
meio de uma violenta revolução de escravos. Em sequência, o país acabou
invadido pelo exército francês de Napoleão.
“Para conseguir derrotar o exército de Napoleão os escravos colocaram fogo em todas as plantações. O Haiti se transformou numa montanha de cinzas. Ficou muito empobrecido. Teve que pagar o equivalente a U$S 22 Bilhões para França ao longo de mais de um século para ser reconhecido”, explicou. O professor ainda acrescentou que, por pressão do Banco Mundial, houve uma invasão do arroz dos Estados Unidos no Haiti na década de 1970 que causou o colapso da agricultura haitiana que ficou sem proteção, promovendo a urbanização desordenada.
“Os países que têm responsabilidade histórica com a Haiti, a
França, o Canadá e os Estados Unidos têm que ajudar o desenvolvimento
socioeconômico do Haiti. Eu propus um mini Plano Marshall para o Haiti. Sem
isso, o Haiti não vai se estabilizar”, concluiu. O Plano Marshall foi a ajuda
financeira dada pelos Estados Unidos para reconstrução da Europa após a 2ª
Guerra Mundial.
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