Entidade médica altera forma de diagnóstico da pressão alta; veja o que muda - Segundo Sociedade Brasileira de Cardiologia, exames realizados em casa podem ser mais assertivos do que os realizados em consultórios e devem ser usados para compor diagnóstico
Nesta sexta-feira, 12, a Sociedade Brasileira de Cardiologia
(SBC) lançou novas diretrizes para o diagnóstico da hipertensão arterial,
popularmente conhecida como pressão alta. Reconhecida como um dos principais
fatores de risco associados à mortalidade e ao desenvolvimento de outras
doenças, como o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a insuficiência renal, essa
condição afeta aproximadamente 45% dos brasileiros entre 30 e 79 anos, segundo
dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Atualmente, o diagnóstico costuma ser estabelecido com base
nos resultados das medições realizadas em consultórios médicos ou outras
unidades de saúde, até mesmo por meio daqueles processos típicos de triagem que
antecedem o atendimento. No entanto, as recentes Diretrizes Brasileiras de
Medição da Pressão Arterial, desenvolvidas por 67 profissionais que estão entre
os principais especialistas do País, sugerem a realização de exames adicionais
e fora do consultório para uma avaliação mais precisa da condição.
Conforme explica o cardiologista Audes Feitosa, coordenador
das diretrizes desenvolvidas pela SBC, a medição de pressão arterial é mais
complexa do que parece, afinal, pode ser influenciada por diversos fatores,
como estresse, ansiedade ou medo, sensações comuns de quem vivenciou algum tipo
de acidente ou espera para receber uma avaliação do médico. Tudo isso, segundo
ele, pode colaborar com um falso diagnóstico e, no pior dos casos, em tratamento
desnecessário.
“Existe toda uma técnica para aferir a pressão arterial,
incluindo a calibração do equipamento e a posição do paciente. Além disso, o
ambiente do consultório, por si só, pode ser propício a erros. O paciente
geralmente não está familiarizado com o lugar, pode estar ansioso quanto ao
diagnóstico e ter dúvidas, o que pode resultar em níveis de pressão que ele
normalmente não teria em situações cotidianas”, afirmou Feitosa.
Diante desse contexto, as novas diretrizes recomendam que,
além do exame no consultório, seja realizada uma das três modalidades de exame:
Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA), Monitorização
Residencial da Pressão Arterial (MRPA) e Automedida da Pressão Arterial (AMPA).
O diferencial desses exames é que os pacientes levam os dispositivos para casa
e os utilizam durante a rotina diária, o que permite compreender como a pressão
arterial se comporta no dia-a-dia.
Quanto aos valores, a SBC esclarece que, considerando somente
as medições em consultório, a hipertensão é caracterizada pela pressão
sistólica a partir de 140 mmHg e a diastólica a partir de 90 mmHg, o que seria
chamada popularmente de 14 por 9. Nas medições em casa, os valores variam, mas
o limiar para o diagnóstico é mais baixo, na faixa de 13 por 8. O cardiologista
poderá orientar sobre os limites para cada tipo de exame feito na residência.
A utilização dessas técnicas, segundo o especialista, auxilia
na elaboração de um diagnóstico mais complexo e assertivo, detectando variações
comuns como a hipertensão do avental branco (HAB), condição na qual a pressão
se mostra alta somente em uma consulta e não no dia a dia; hipertensão
mascarada (HM), que é a situação contrária à primeira, na qual a pressão é
elevada na rotina, mas aparece normal nas medições pontuais do consultório;
alterações da pressão arterial no sono e hipertensão arterial resistente (HAR).
Todas essas condições não costumam ser identificadas quando o
acompanhamento é feito somente com medições pontuais nos consultórios.
As novas diretrizes de diagnóstico buscam evitar que pessoas
com falso diagnóstico passem por tratamento sem necessidade. “Enquanto
garantimos que os pacientes com hipertensão serão tratados adequadamente,
prevenindo o desenvolvimento de complicações como o AVC, evitamos tratamentos
desnecessários, suscetíveis a efeitos colaterais como pressão baixa, tonturas e
sudorese”, explicou.
A expectativa é que as diretrizes sejam utilizadas
amplamente, pela saúde pública e privada. Contudo, a SBC compreende os desafios
envolvidos nesse processo. “Tradicionalmente, o atendimento tem sido centrado
no médico, mas agora estamos desafiando essa norma ao enfatizar a importância
da medição da pressão arterial em casa. Convencer os médicos a priorizarem uma
prática que não realizam diretamente pode ser um obstáculo”, disse o médico.
Outro possível desafio é a garantia do acesso a equipamentos
para que os pacientes possam realizar os procedimentos em casa, especialmente
por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “Não podemos desconsiderar as
possíveis dificuldades de acesso e aquisição na saúde pública, mas é importante
considerar que os custos dos dispositivos certamente serão inferiores aos
possíveis custos associados a complicações evitáveis, como o AVC”, concluiu
Feitosa.
Doenças
silenciosas
Em 2023, a OMS divulgou pela primeira vez um relatório que
detalha o impacto global da hipertensão arterial, com dados sobre a incidência
da doença em cada país. De acordo com o estudo, um a cada três adultos em todo
o mundo sofre de pressão alta e o Brasil está acima da média, com 50,7 milhões
de hipertensos entre 30 e 79 anos.
A OMS chamou a doença de “assassina silenciosa” e seu impacto
de “devastador”. Isso porque a hipertensão geralmente não provoca sintomas –
motivo pelo qual há uma baixa adesão da população ao tratamento –, mas pode
levar à morte ao provocar AVC, ataque cardíaco, danos renais, entre outros
problemas graves de saúde.
Quatro em cada cinco pessoas com hipertensão não são tratadas
corretamente em todo o mundo, aponta a pesquisa. Mas, se os países aumentarem a
cobertura do tratamento, aproximadamente 76 milhões de mortes, 120 milhões de
AVCs, 17 milhões de casos de insuficiência cardíaca e 79 milhões de ataques
cardíacos podem ser evitados até 2050, afirmou a organização.
No Brasil, o levantamento mostra que a probabilidade de uma
pessoa com hipertensão morrer precocemente é de 15%. Em 2019, ano em que os
dados da pesquisa foram coletados, 381 mil morreram por doenças
cardiovasculares e 54% deles tinham quadros de pressão alta.
Estilo de
vida é principal fator por trás da hipertensão
Segundo a OMS, fatores como idade avançada e predisposição
genética aumentam o risco de desenvolver a doença, mas também destacam-se
fatores de risco modificáveis, como uma dieta rica em sal, falta de atividade
física e consumo excessivo de álcool, que contribuem para o surgimento da
hipertensão.
De acordo com a cardiologista Lucélia Magalhães, presidente
do departamento de hipertensão da SBC, o consumo excessivo de sal é o principal
responsável pela alta incidência de hipertensão em nossa população. “Consumimos
quase o dobro do recomendado. Temos uma cultura de alimentação salgada”,
afirma.
Para se ter ideia, a OMS atualmente recomenda um consumo
máximo de 5 gramas de sal por dia (equivalente a cerca de 2 gramas de sódio, o
principal componente do sal). No entanto, estudos indicam que os brasileiros
consomem em média 12 gramas de sal diariamente. O problema é que o excesso de
sódio na circulação leva o organismo a reter mais líquido nos vasos sanguíneos,
o que eleva a pressão arterial.
“É essencial uma política de saúde que priorize a redução da
ingestão de sal e, em seguida, o controle da obesidade”, destaca a médica. Para
isso, seria necessário uma abordagem focada na atenção primária, com uma equipe
multidisciplinar que inclua nutricionistas e educadores físicos, promovendo
mudanças no estilo de vida, além de médicos que prescrevam tratamentos para
aqueles que já sofrem com a condição.
A OMS também apoia uma abordagem centrada na atenção
primária, argumentando que a prevenção, a detecção precoce e o gerenciamento
eficaz da hipertensão estão entre as intervenções com melhor relação
custo-eficácia na área da saúde. Portanto, “devem ser priorizadas pelos países
como parte integrante de seu pacote nacional de benefícios de saúde”.
Fonte: Estadão
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