Além dos impactos físicos, sedentarismo também pode estar ligado a aspectos mentais – Especialistas dizem que já existem evidências de redução de sintomas nas doenças mentais a partir da prática de exercícios físicos
Com um dos maiores índices de sedentarismo da América Latina,
o Brasil se destaca — segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) — com cerca de 47% dos brasileiros nessas condições sem praticar a
quantidade de exercícios físicos recomendada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS). Além disso, em uma relação direta com a pandemia, os números de
indivíduos sedentários no Brasil aumentaram nos últimos anos.
Cláudia Forjaz, professora da Escola de Educação Física e
Esporte (EEFE) da Universidade de São Paulo, diferencia o sedentarismo em duas
vertentes: o comportamento sedentário — em que o indivíduo passa horas em
frente a uma tela, na posição sentada ou deitada — e a inatividade física. Ela
ainda afirma que, do ponto de vista da saúde, o melhor seria evitar ambos,
ficando pouco tempo em frente às telas e praticando, ao menos, 150 minutos de
atividade física por semana.
Relação com
comorbidades
A especialista explica que o sedentarismo está ligado à maior
parte das doenças crônicas existentes, como obesidade, diabete, hipertensão e
dislipidemia, que são os fatores de risco principais da doença cardiovascular.
Nesse sentido, são piores nos indivíduos que têm um comportamento sedentário ou
não são suficientemente ativos, o que evidencia uma relação entre o
sedentarismo e as doenças cardiovasculares.
“Nós temos o efeito da atividade física no aspecto
musculoesquelético, então os indivíduos que não praticam atividade física vão
ter menor massa muscular, menor força muscular, mais problemas articulares,
maior perda de osso, aumentando a chance de ter uma osteopenia ou uma
osteoporose, e hoje a gente sabe também que a saúde desse sistema
musculoesquelético está relacionada à mortalidade”, complementa. A professora
explica que isso é uma preocupação ainda maior quando se relaciona ao indivíduo
idoso, que muitas vezes já tem o sistema musculoesquelético prejudicado pela
idade, ou quando se relaciona às mulheres, por causa do hormônio masculino —
responsável por essa musculatura —, em baixa quantidade.
Ainda sobre os aspectos físicos, Cláudia também relaciona a
prática sedentária com outras doenças crônicas, como, por exemplo, o câncer,
que está aumentando muito na população. “Tem uma relação inversa entre o nível
de atividade física que a pessoa pratica e a chance dela vir a desenvolver
alguns tipos de câncer, principalmente o câncer de cólon e de mama. Então, são
cânceres que a prática de atividade física ajuda na prevenção”, alerta.
Para o tratamento dessas doenças, a docente afirma que o
efeito benéfico da prática de exercícios físicos e da quebra do comportamento
sedentário já está bastante demonstrado, mesmo que, na maioria das vezes, isso
esteja associado às terapias medicamentosas. “Os benefícios são conseguidos sem
que a pessoa precise atingir intensidades elevadas de exercício, tudo que ela
fizer é melhor do que não fazer nada, e se ela quer ter um benefício maior,
mais específico, e assim por diante, deve procurar um profissional habilitado,
que vai direcionar qual seria o melhor protocolo de exercício, mas acho que é
importante enfatizar isso, essa atividade muito baixa que a gente faz no dia a
dia já traz benefícios para nossa saúde”, acrescenta.
Impactos
mentais do sedentarismo
Além dos aspectos físicos, a docente afirma que, atualmente,
há um conhecimento sobre a relação do sedentarismo com doenças relacionadas a
aspectos emocionais e mentais, e comenta: “Então a gente tem uma relação
inversa entre o nível de atividade física, por exemplo, e o risco de Alzheimer,
depressão, ansiedade ou outros transtornos relacionados ao humor”. Do ponto de
vista preventivo, Cláudia explica que já há um bom número de estudos e de evidências
científicas mostrando que a prática regular de atividade física ajuda na
prevenção dessas doenças.
No tratamento, ela afirma que já existem evidências de
redução de sintomas nas doenças mentais a partir da prática de exercícios
físicos. “Hoje, qualquer diretriz, praticamente para todos os tipos de doenças
crônicas, vai trazer o tratamento não medicamentoso, incluindo a prática
regular de atividade física”, complementa. Contudo, ela alerta que os trabalhos
que relacionam esses benefícios ainda são muito recentes, o que impede a
ciência de saber, com maior exatidão, os melhores exercícios e resultados para
cada caso — diferentemente do que ocorre no tratamento de doenças físicas,
sobre as quais já se tem maior conhecimento.
Sigmar Malvezzi, professor do Instituto de Psicologia (IP) da
USP, também desenvolve a relação dos aspectos mentais com o sedentarismo: “Todo
ser vivo, para continuar vivo e se desenvolvendo, depende de um processo
chamado adaptação, que é a relação dele com o mundo. Não é se ajustar pacificamente,
passivamente, ele depende de se ajustar hora se submetendo e hora modificando o
mundo externo a ele”.
O docente explica isso para afirmar que o indivíduo pode
criar em si mesmo o hábito de fazer exercício físico. “Se ele começa, em
pequenas coisas, a ser passivo, a não atuar no mundo, ele entra no hábito de
não atuar e fica esperando que o mundo faça aquilo que ele precisa”, adiciona.
Nesse sentido, ele destaca que a depressão, por exemplo, é uma consequência do
afastamento do indivíduo com o mundo, além da ansiedade, que faz o indivíduo
não completar suas ações, o que provoca uma insatisfação crônica.
Malvezzi afirma que, nos dias atuais, muitas tecnologias
foram criadas, substituindo diversas ações humanas. Dessa forma, elas são
vistas como soluções para tudo, e fazem, muitas vezes, o sujeito perder a visão
de atuação no mundo e o domínio sobre ele. “O indivíduo não quer mexer em si
mesmo. Você tem que mudar alguns hábitos do seu corpo, você tem que pensar na
sua relação com o mundo. Hoje, por causa da tecnologia e dos nossos hábitos, as
pessoas estão perdendo a capacidade de criticar a sua própria vida e a sua
própria relação com o mundo, e então vem ansiedade, depressão, procrastinação,
porque tudo isso é uma forma de fuga, de afastamento. Você tem que enfrentar
aquilo”, adiciona.
O professor comenta que, apesar da prática de exercício
físico ser importante para as questões mentais, o seu benefício depende do
estágio de crescimento e da ação do indivíduo, que pode regularizar a adaptação
do organismo ao desenvolvimento. “É claro que os transtornos mentais não
dependem só da atividade física. Ela ajuda, porque a atividade física regular
disciplina o indivíduo, ele tem que fazer aquilo todo dia. O problema é você se
perceber como sujeito, isto é, se adaptar, se modificar. Agora, você pode
esperar que o mundo te dê, ou que você vá buscar no mundo, aprendendo com as
regras que o mundo tem”, finaliza.
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