Uma
combinação de duas drogas foi capaz de suprimir tumores de uma forma não
convencional. Em vez de inibir a divisão das células tumorais, como fazem os
medicamentos mais conhecidos, a estratégia consiste em superativar a
sinalização dessas células a ponto de ficarem estressadas. Outra droga, então,
ataca justamente essas que estão sob estresse. A abordagem deve ser testada em
pacientes com tumores de intestino, nos Países Baixos, ainda este ano.
Publicado na
revista Cancer Discovery, o trabalho tem como primeiro autor o brasileiro
Matheus Henrique Dias, atualmente pós-doutorando sênior no Instituto do Câncer
dos Países Baixos (NKI).
A ideia
começou a ser desenvolvida durante seu pós-doutorado, no Instituto Butantan,
com estágio na Universidade de Liverpool, no Reino Unido. O projeto ocorreu no
âmbito do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICs), um
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiado pela Fapesp.
“Descobrimos
naquela ocasião que o chamado fator de crescimento de fibroblastos 2 [FGF2], um
gene que deveria estimular a proliferação das células, fazia o contrário quando
as células eram tumorais: inibia a multiplicação. Era uma observação curiosa,
porque era o oposto do que deveria acontecer”, conta Dias à Agência Fapesp.
Naquela
ocasião, um estudo sobre o papel do FGF2 foi publicado na revista Molecular
Oncology.
No trabalho
atual, os pesquisadores mostram que as células de câncer passam a proliferar
menos não porque são inibidas diretamente por uma droga, como ocorre com os
tratamentos mais usados na quimioterapia. Pelo contrário, uma das drogas usadas
nessa estratégia superativa a sinalização das células tumorais, a ponto de
ficarem estressadas e, portanto, sensíveis a outras drogas específicas para
células nesse estado.
“É como se
quiséssemos parar um carro em alta velocidade, mas, em vez de tentar freá-lo,
acelerássemos ainda mais até que o motor ficasse superaquecido. E, quando o
motor estivesse muito quente, desativaríamos o sistema de resfriamento”,
compara Dias.
Duplo ataque
Um dos
coautores do estudo, Marcelo Santos da Silva, professor do Instituto de Química
da Universidade de São Paulo (IQ-USP) apoiado pela Fapesp, realizava
pós-doutorado no Butantan na mesma época que Dias. E desenvolveu um ensaio para
quantificar o estresse das células tumorais.
“Quando
superativadas, as células tumorais replicam o DNA ainda mais rápido do que o
normal. Como não estão preparadas para lidar com essa velocidade de replicação,
acabam gerando danos no DNA, o chamado estresse replicativo”, explica.
Quando
percebeu que a superativação do FGF2 estava levando à inibição da proliferação
das células por conta do estresse causado nelas, Dias foi em busca de alguma
molécula que pudesse induzir esse processo. A LB-100, atualmente em testes
clínicos em tumores de pulmão a fim de torná-los sensíveis a outras drogas
quimioterápicas, se tornou uma candidata promissora.
Para atacar
as células estressadas pela ação da LB-100, os pesquisadores apostaram em
inibidores da proteína WEE1, responsável justamente por corrigir danos de DNA
nos tumores. Sem esse mecanismo funcionando, as células tumorais entram em
divisão celular antes de terminarem a replicação do DNA. Com isso, morrem no
processo.
“O mais
interessante é que, para sobreviverem a essa abordagem, as células cancerígenas
desativam as vias oncogênicas, passando a se comportar como células saudáveis”,
explana Dias.
Os testes
foram feitos em tumores colorretais retirados de biópsias de humanos e
implantados em camundongos. O tratamento com as duas drogas inibiu o
crescimento dos tumores no intestino dos animais.
Por conta do
sucesso nos modelos de câncer colorretal, os pesquisadores testaram a
combinação em linhagens de adenocarcinoma de pâncreas e colangiocarcinoma (dos
tubos que levam a bile pelo fígado), formas mais raras e agressivas de câncer e
sem muitas opções de tratamento. Os resultados também foram promissores.
“Esse é um
campo de estudos em crescimento, com grandes empresas investindo em ativadores
de sinalização e outras pequenas sendo criadas para desenvolver esse tipo de
droga. Nos próximos anos, algumas devem estar no mercado entre as opções de
tratamento oncológico, esperamos que uma seja a nossa”, afirma Dias.
Na USP,
Silva pretende aplicar o mesmo princípio do potencial tratamento de câncer para
eliminar parasitos causadores de doenças negligenciadas. Isso porque os
protozoários causadores da doença de Chagas, e os da leishmaniose, têm um
comportamento similar às células de câncer, se replicando muito rápido dentro
da célula hospedeira.
“A ideia é usar uma droga que estimule ainda mais a via de sinalização da proliferação desses parasitas, a ponto de gerar o mesmo tipo de danos no DNA e, então, damos outra droga para inibir o reparo do DNA, eliminando os parasitas sem prejudicar a célula hospedeira”, encerra Silva.
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