Pesquisadores buscam conhecimentos tradicionais para avanço científico - Indígenas integram equipe para inovação em mapeamento de florestas
Uma competição para desenvolver a melhor inovação de mapeamento de biodiversidade das florestas tropicais, com um prêmio de US$5 milhões (mais de R$25 milhões) tem reunido tecnologia de ponta e pessoas de diferentes partes do mundo e áreas do conhecimentos há quase cinco anos. Entre os pesquisadores e cientistas estão integrantes de comunidades tradicionais que conhecem profundamente esses ecossistemas.
A desenvolvedora de jogos e liderança Inhaã-bé, Marina Mura
e o biólogo Gabriel Nunes são dois exemplos de cientistas que vivem próximos e
conhecem profundamente a Floresta Amazônica, onde fica a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, no Amazonas. Foi nesta reserva que
ocorreram as avaliações finais da competição global XPrize Florestas Tropicais,
neste mês de julho.
Como representantes regionais da equipe suíça ETH Biodivix,
eles participaram ativamente do aperfeiçoamento das soluções tecnológicas usadas
pelo grupo durante a prova.
“Quando soubemos que a final aconteceria no Brasil, sabíamos que tínhamos que ir até as comunidades o mais cedo possível, conhecer as comunidades o mais cedo possível”, relembra David Dao coordenador das áreas de inteligência artificial e conhecimentos tradicionais da equipe ETH Biodivix.
Assim como as outras equipes, o grupo desenvolveu soluções
tecnológicas para coletar amostras digitais e físicas de imagem, som e DNA
ambiental. Foram usados drones e veículos robóticos para conduzir os
equipamentos por terrenos desafiadores de 100 hectares da Floresta Amazônica.
O principal diferencial do equipamento utilizado pelo grupo
foi uma inteligência artificial que tem em sua base de dados a contribuição da
ciência-cidadã e utiliza um algoritmo desenvolvido por meio da união de
expertises científica, tecnológica e do conhecimento tradicional.
IAs
Amazônia
A Tainá e a Poli são inteligências artificiais (IAs) que
conversam em língua portuguesa e reúnem conhecimentos culturais, regionais e
científicos da Amazônia. As ferramentas são resultados alcançados pela equipe,
após oito workshops realizados na região, que viabilizaram a aproximação e a
conquista da confiança da comunidade.
“Porque uma das coisas que a gente aprendeu nos nossos workshops com as comunidades foi que a maior parte dos relacionamentos [das comunidades com pesquisadores], as relações são traídas. As pessoas vão lá, usam o que aprendem, vão embora e não voltam”, conta Kamila Camilo, ativista ambiental e também integrante brasileira na equipe.
Kamila conheceu a competição e a iniciativa por meio de um
site cidadão criado pelos integrantes da ETH Biodivix para debater as soluções
e frentes tecnológicas que poderiam ser implementadas pelo grupo durante a
competição. Logo ela foi integrada na equipe com o objetivo de facilitar a
interlocução com as comunidades locais.
O grupo crescia a cada momento em que uma nova expertise
alinhada aos objetivos da equipe era identificada. “Quando a gente viu que a
Marina tinha essa inteligência lógica e que ela se interessava por tecnologia,
pareceu óbvio pra gente que ela era mais do que uma pessoa participando do
workshop, mas que ela podia ser parte do time”, relembra Kamila.
Inteligência Artificial
Logo que foi apresentada ao protótipo do que seria a
inteligência artificial guardiã dos conhecimentos tradicionais, Marina passou a
contribuir com o desenvolvimento da Tainá e logo virou curadora do conteúdo da
tecnologia. Ao mesmo tempo foi aprendendo como a ferramenta poderia contribuir
com as pessoas e o lugar onde vive.
“A minha aldeia é multiétnica, então a gente tem vários
aspectos culturais ali dentro e nem todas as aldeias têm os mesmos rituais,
utilizam as mesmas coisas. Se a gente puder colocar esses dados e compartilhar
com as outras comunidades e ter acesso aos dados de outras comunidades, a gente
vai começar a fazer com que essas diversidades culturais caminhem juntas e sejam
preservadas”, diz Marina.
Ciência em Português
O manauara Gabriel também chegou ao grupo pelos workshops e
logo foi integrado à equipe que desenvolve a Poli, a versão científica da
Tainá. Entre as atividades que passou a desempenhar está a adaptação de todos
os experimentos científicos desenvolvidos pela equipe à realidade amazônica,
inclusive das descrições científicas à Língua Portuguesa.
“Se eu vou tratar cientificamente com um aplicativo, eu preciso que ele reconheça as realidades do universo. Então essa literatura tem que ser em português, porque a Amazônia é escrita em português”, diz.
Coleta de dados
Na fase de treinamento das inteligências artificiais, tanto
Marina, quanto Gabriel mostraram os caminhos na floresta para a instalação dos
sensores de captura de sons e imagens e também participaram das incursões com
drones que complementam as informações das imagens de satélite.
“A gente faz um plano, uma rota, para eles fazerem o
mapeamento e a gente usa isso lá na comunidade, para saber se a floresta está
saudável ou não, ou se está tendo desmatamento dentro da nossa área protegida.
Então, a gente faz esse mapa e o drone sozinho vai tirando várias fotos de cima
das copas das árvores e depois a gente faz uma montagem no aplicativo, nos
dados e aí a gente tem um grande mapa preciso”, explica Marina.
De acordo com David Dao, a ideia é exatamente essa: que as
comunidades possam se beneficiar da tecnologia desenvolvida e que haja um compartilhamento
dos benefícios.
“Nós nos comprometemos com as comunidades a continuar essa parceria. Isso é parte de algo maior capaz de empoderá-las não apenas a levantar essas informações, mas de construir essa capacidade de também gerar renda com isso.”
Os integrantes da equipe contam que ficaram surpresos com a
baixa valorização dos conhecimentos tradicionais da Amazônia. “Um mateiro que
entra na floresta com um pesquisador ganha R$150 por dia para ficar 12 horas em
uma trilha guiando um pesquisador no meio da mata. Se esse mesmo cara for com o
celular dele, gravar o canto do pássaro, for com a mochila do sequenciamento de
DNA, fizer a coleta da amostra, tudo vai ficar registrado no ID dele, que está
no blockchain [banco de dados transparente], que não pode ser mudado, ele vai
receber a partilha de benefícios e vai ser pago tanto quanto o pesquisador”,
conclui Kamila.
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