Acidentes com escorpião somam mais de 202 mil notificações em 2023 - Número de mortes após picadas passou de 92 para 134 em um ano
A jornalista Ariane Póvoa, de 40 anos, enfrentou nesta semana
um dos maiores medos que toda mãe de criança pequena tem: precisou correr com a
filha Amanda, de 1 ano e 4 meses, para o hospital, depois de verificar que a
menina havia sido picada por um escorpião enquanto ainda estava no berço. “Ela
acordou chorando muito, mas, na hora, não entendi o que era. Pensei que fosse
dente nascendo. Ela começou a falar ‘dodói’ e apontar para o braço. Quando fui
arrumar o berço, achei o escorpião”.
“Graças a Deus, foi um quadro leve. Ela ficou bem, mas
sentindo dor no local da picada”, disse Ariane. Antes de conseguir atendimento
para a filha, Ariane chegou a passar por uma unidade da rede pública tida como
referência para acidentes com escorpião em Brasília. O local, entretanto, não
oferece atendimento pediátrico. “Só naquele dia, foram três casos de picada de
escorpião em crianças no Hospital Materno Infantil, onde conseguimos
atendimento.”
Por morar em apartamento, a jornalista nunca imaginou que
passaria por algo do tipo. O episódio ocorreu por volta das 5h30 desta
quarta-feira (6), e Amanda teve alta no fim da tarde. “Ela não apresentou
náusea, vômito, calafrio, nem sudorese, mas, como é protocolo, teve que ficar
em observação por seis horas”, contou. “Durante a madrugada e hoje de manhã,
ela ainda teve febre e está um pouco mais enjoadinha. Estamos monitorando com a
pediatra.”
Casos como o de Amanda tornam-se cada vez mais comuns no
Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram que pelo menos 202.324
notificações de acidentes com escorpiões foram registradas no país ao longo do
ano passado – 20.243 a mais que o total registrado no ano anterior. Esta é a
primeira vez que o total de notificações passa de 200 mil.
O número de mortes provocadas por picadas de escorpião também
aumentou, passando de 92 em 2022 para 134 no ano passado. As mortes provocadas
por acidentes com escorpião ultrapassaram até mesmo os óbitos causados por
picadas de serpente que, no ano passado, totalizaram 133.
Entenda
O chamado acidente escorpiônico representa o quadro clínico
de envenenamento provocado quando um escorpião injeta sua peçonha através do
ferrão. Representantes da classe dos aracnídeos, os escorpiões são
predominantes nas zonas tropicais e subtropicais do mundo, com maior incidência
nos períodos em que há aumento de temperatura e de umidade.
No Brasil, os escorpiões classificados pelo ministério como
de importância em saúde pública são:
- escorpião-amarelo (T. serrulatus) - com ampla distribuição
em todas as macrorregiões do país, representa a espécie de maior preocupação em
função do maior potencial de gravidade do envenenamento e fácil adaptação ao
meio urbano.
- escorpião-marrom (T. bahiensis) - encontrado nas regiões Centro-Oeste,
Sudeste e Sul.
- escorpião-amarelo-do-nordeste (T. stigmurus) - espécie mais
comum no Nordeste, mas com alguns registros nos seguintes estados: Tocantins,
Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
- escorpião-preto-da-amazônia (T. obscurus) - principal
causador de acidentes e óbitos na região Norte e no Mato Grosso.
Perfil das vítimas
Dados da pasta mostram que a maioria dos casos ocorre em
grupos com idade entre 20 e 29 anos, seguido pelos grupos de 40 a 49 anos, 30 a
39 anos e 50 a 59 anos. Já o grupo menos acometido é o de 80 anos ou mais,
seguido pelo de 70 a 79 anos.
Os números indicam que 53% das vítimas de picadas de
escorpião em 2023 eram pardas (53%), seguidas por brancas (30%), pretas (7%) e
amarelas (1%), sendo que em 8% dos casos não foi identificada raça ou cor do
paciente.
Distribuição dos casos
Entre as regiões do país, o Sudeste lidera, com 93.369
acidentes com escorpiões. Em seguida, estão o Nordeste, com 77.539; o
Centro-Oeste, com 16.759; o Sul, com 7.573; e o Norte, com 7.084.
São Paulo lidera entre os estados com maior número de
notificações (48.651), seguido por Minas Gerais (38.827) e pela Bahia (22.614).
Já Alagoas registra o maior coeficiente de incidência do país (376,02 para cada
grupo de 100 mil pessoas). Minas Gerais responde ainda pela maior taxa de
letalidade (0,17).
Dados da pasta revelam que 65,92% das notificações de
acidentes com escorpiões são feitas em zonas urbanas; 30,43%, em áreas rurais;
e 0,53%, em zonas periurbanas, enquanto em 3,12% dos casos a informação foi ignorada
ou não foi registrada.
Local e gravidade da picada
Dentre os principais locais de picada, o pé aparece em
primeiro lugar (22,56%). Em seguida, estão dedos da mão (22,28%), mão (18,32%),
dedos do pé (9,38%), perna (5,63%), tronco (5,38%), braço (4,57%), coxa
(3,92%), cabeça (2,64%) e antebraço (2,47%). Em 2,85% dos casos, o local não
foi registrado.
De acordo com o ministério, 89% das notificações de acidentes
com escorpião registradas em 2023 foram classificadas como leves; 5,99%, como
moderadas; e 0,77%, como graves, sendo que, em 4,16% dos casos, o nível de
gravidade não foi informado.
Tempo de espera
Os números revelam que a taxa de letalidade por picada de
escorpião aumenta à medida que o tempo decorrido desde o acidente se torna
maior. Em pacientes que receberam atendimento entre uma e 12 horas após serem
picados, a taxa se manteve abaixo de 10%. Já em grupos atendidos 24 horas ou
mais após serem picados, o índice subiu para quase 40%.
Sintomas
Dentre os sinais e sintomas mais comuns entre vítimas de
acidentes com escorpiões estão dor (85,69%), edema ou inchaço causado pelo
acúmulo de líquidos (64,55%) e equimose ou sangramento no tecido subcutâneo
(10,9%). Em 1,26% dos casos, foi identificada necrose ou morte celular.
Curiosidades
O Instituto Butantan lista uma série de fatos curiosos sobre
escorpiões:
- Escorpiões podem ficar fluorescentes porque carregam em sua
cutícula substâncias que são chamadas de metabólitos secundários. Por isso,
parecem fluorescentes sob a luz ultravioleta. Esse tipo de iluminação ajuda
especialistas a fazerem o controle e a coleta dos escorpiões, que precisam ser
feito à noite, já que é nesse período que eles saem para caçar.
- Escorpiões picam pela cauda e não pelas pinças, já que o
veneno fica armazenado no interior do órgão conhecido popularmente como cauda.
O nome correto dessa parte do corpo do escorpião é metassoma, que ajuda a dar
equilíbrio ao animal, além de servir como forma de defesa. Já as pinças são
usadas para segurar presas e no acasalamento.
- Escorpiões do gênero Ananteris têm a capacidade de se
desprender da cauda para escapar de predadores. O fenômeno, observado também
entre lagartos, é considerado uma automutilação. Quando o órgão é destacado do
corpo, o intestino e o ânus param de funcionar corretamente e as fezes ficam
acumuladas, causando intoxicação e, posteriormente, a morte do animal.
- Cerca de 5% das espécies de escorpiões têm capacidade de
ter filhotes sozinhas, sem precisar de um parceiro. Esse tipo de reprodução é
chamado partenogênese e nada mais é que o desenvolvimento de embriões sem
necessidade de fecundação de espermatozoides.
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