Por seis votos a quatro, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o ensino domiciliar não está
previsto na Constituição Federal e depende de lei específica para ser permitido
no Brasil. O julgamento foi concluído nesta quarta-feira (12/9), depois de três
interrupções.
Venceu a tese do ministro
Alexandre de Moraes, de que o chamado homeschooling pode existir no Brasil se
for autorizado por lei. Foi acompanhado pelos ministros Luiz Edson Fachin, Rosa
Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Os ministros Luiz Fux,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio votaram contra a
possibilidade de ensino domiciliar. Segundo eles, ir à escola é um direito
fundamental previsto na Constituição, ao contrário do direito de estudar em
casa, inconstitucional, segundo eles.
O relator, ministro Luís
Roberto Barroso, votou sozinho. Para ele, o ensino domiciliar deve autorizado
imediatamente, desde que obedeça a condições estabelecidas em seu voto, lido na
semana passada.
Na sessão desta
quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes disse que “não há vedação absoluta
ao ensino domiciliar" na Constituição". "Apesar de,
expressamente, a Constituição não prever a modalidade, também não a proíbe”,
disse o ministro.
Alexandre argumentou ainda
que a Constituição coloca a família em "posição principal" na
educação dos filhos. "O que a Constituição faz é colocar família e Estado
juntos para atingir a finalidade de uma educação melhor. A finalidade não foi
criar uma rivalidade e , sim, uma efetividade melhor na educação”, disse. “O
ensino familiar exige o cumprimento de todos os requisitos constitucionais. Não
é vedado o ensino em casa desde que respeite todos os preceitos
constitucionais, e há necessidade de legislação, como estabelecimento de
requisitos de frequência, avaliação pedagógica."
Lei específica
Ao seguir o entendimento de
Moraes, a ministra Rosa Weber entendeu que a prática não é constitucional e
precisa de lei.“A Constituição protege a educação como dever o Estado, e há
ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente que obriga os pais a matricular
seus filhos na educação básica a partir dos quatro anos e a lei exige que o
ensino seja presencial. Acredito que não pode ser liberada por não haver lei
específica", disse.
O ministro Dias Toffoli, em
seu voto, afirmou que o ensino escolar não é inconstitucional, mas não é
possível dar provimento ao recurso em análise e permitir a educação domiciliar
por ausência de lei sobre o assunto.
Divergência
O ministro Fux entendeu que
o ensino domiciliar não está na Constituição e qualquer lei que venha a
autorizá-lo será inconstitucional. “Além disso, os profissionais da educação
são muito importantes. A educação não pode ser só em casa."
O ministro Ricardo
Lewandowski também não concordou com o ensino fora da escola. "Não há
razão para retirar uma criança da escola oficial em decorrência da insatisfação
de alguns com qualidade do ensino. A solução para pretensa deficiência seria
dotá-las de mais recursos estatais e capacitar melhor os professores",
expôs.
“O papel da escola promover
um convívio saudável da criança com pessoas e outras concepções de mundo para
sua formação”, completou o ministro Marco Aurélio.
Isonomia
O ministro Gilmar Mendes
acompanhou a divergência, fez críticas ao ensino domiciliar e chamou atenção
para os princípios da isonomia e da igualdade. “Entramos numa seara de
políticas públicas. O objetivo aqui também é saber se mandar os filhos para a
escola é um dever ou um direito”, disse.
O ministro se mostrou
preocupado com a diferença de ensino domiciliar em relação às famílias pobres.
“Nas famílias que podem pagar um ensino particular, entendemos que haja um
mínimo de intelectualidade. Nas famílias pobres, que utilizam a rede pública, não
é a realidade da maioria poder usufruir de um ensino em casa”, explicou.
Regulamentação
Fachin seguiu o
entendimento, mas disse que, mesmo reconhecendo que pode haver direito ao
ensino em casa, não pode o Judiciário fazer a regulamentação. Para Fachin, a
escola é uma das primeiras experiências de vida e é preciso que o STF se
posicione. “O Congresso deve regulamentar o modelo pedagógico em um ano. Ou se
dá uma interpretação conforme à Constituição ou então o STF estaria legislando.
O exame a fazer é saber se o ensino em casa é ou não constitucional e não cabe
ao STF legislar”, disse.
Fachin afirmou que a escola
deve espelhar o "pluralismo", a convivência com as diferenças.
"Há, portanto, um direito passivo, que é a presença em sala de aula, e o
legislador tem respaldo na Constituição. Essa exigência não inviabiliza a
liberdade de crença e de consciência"
Critérios
Na primeira sessão (6/9), o
relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a Constituição dá aos pais
a possibilidade de escolher. “De acordo com a Constituição, família é uma das
partes fundamentais na educação ao lado do estado. Entretanto, o fato de a CF
deixar claro que é dever do estado, não significa que ele não possa ser
regulamentado”, afirmou.
Na ocasião, o ministro propôs ainda regras de
regulamentação sobre o ensino domiciliar no país para garantir que a criança e
o adolescente não sejam prejudicados. “A ideia é garantir o desenvolvimento
acadêmico e avaliar a qualidade o ensino até que seja editada medida”, disse.
A educação domiciliar chegou
à jurisdição do STF em junho de 2016, quando uma família de Canela (RS) entrou
com recurso contra a Secretaria de Educação do município a fim de manter a
filha, na época com 11 anos, estudando em casa. Até então, ela nunca tinha
frequentado uma escola. Antes disso, os pais perderam processos em que pediam
autorização para o ensino familiar em duas instâncias: no juizado da comarca de
Canela e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Projetos de Lei
O ensino doméstico é tema de
quatro projetos de lei, dois da Câmara dos Deputados e dois do Senado Federal —
o mais recente, nº 28/2018, é de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho
(PMDB-PE) e visa impedir a criminalização de homeschooling (termo em inglês
usado para definir o modelo). Cerca de 7,5 mil famílias são adeptas da prática
e aguardam a decisão do STF sobre o tema.
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