Conteúdo: Gazeta do Povo
Qua ndo começaram a planejar a invasão à Escola Estadual
Professor Raul Brasil, em Suzano, Guilherme Taucci e Luiz Henrique de Castro
contaram com uma rede de apoio e informações. Trata-se da Dogolachan, um fórum
de internet que protege o anonimato e funciona na Deep Web, a parte da internet
que não pode ser acessada por usuários tradicionais.
Há indícios de que é de Guilherme uma mensagem enviada ao
administrador do fórum, conhecido pela sigla DPR: “Muito obrigado pelos
conselhos e orientações, DPR. Esperamos do fundo dos nossos coração [sic] não
cometer esse ato em vão. Todos nós e principalmente o recinto será citado e
lembrado. Nascemos falhos mas partiremos como heróis.”
Os usuários do Dogolachan, aliás, celebraram o massacre
desta quarta-feira. E o administrador DPR, cuja identidade não é conhecida,
postou um texto dizendo que foi procurado por Luiz, que pretendia comprar uma
arma calibre 22. Sobre Guilherme, ele escreveu: “um bom garoto que acabou
descobrindo da pior forma possível que brincadeiras podem ser tornar pesadelos
reais”.
Esse universo paralelo que estimula o preconceito e a
violência é organizado seguindo uma hierarquia bem definida, e utiliza um
glossário próprio. Conheça as dez expressões mais comuns utilizadas por pessoas
como os dois jovens que promoveram o massacre na cidade da Grande São Paulo.
1. Dogolachan:
O fórum acessado pelos autores do ataque de Suzano foi fundado em dezembro de
2013, por Marcelo Valle Silveira Mello, preso em 2018 e condenado a 41 anos,
seis meses e 20 dias de prisão por, entre outros crimes, associação criminosa e
incitação ao cometimento de crimes. Depois de sua prisão, o fórum se deslocou
para a Deep Web. Os usuários não precisam criar logins nem fornecer nenhum tipo
de informação pessoal. Geralmente planejam, discutem e louvam atos de
violência, principalmente contra mulheres – mas também defendem neonazismo e
pedofilia. O fórum tem um mascote, a imagem de um cachorro, batizado pelo
criador de Dogola.
2. Psycl0n:
Apelido utilizado por Marcelo Mello dentro do Dogolachan. Estudante de
computação, estimula atos violentos e a divulgação de imagens de assassinatos e
pedofilia desde 2005, quando atuava na rede social Orkut. Em 2009, tornou-se o
primeiro brasileiro a responder por crime de racismo na internet. É suspeito de
ter mantido contato com Welligton Menezes de Oliveira que, em 2011, matou 12
crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro.
Preso em 2012, Marcelo foi liberado em 2013. Quando foi detido novamente, em
2018, morava em Curitiba. Ao longo de muitos anos, atacou e ameaçou a argentina
Dolores Aronovich, doutora em língua inglesa e professora da Universidade
Federal do Ceará que passou anos denunciando as práticas de Marcelo. A ação de
Dolores, conhecida como Lola, inspirou a lei 13.642/2018, sancionada em abril
do ano passado, que autoriza a Polícia Federal a investigar a misoginia na internet.
3. Kyo:
Apelido de André Luiz Gil Garcia, um frequentador – e, por alguns meses,
administrador – do Dogolachan. Em 16 de junho de 2018, assediou uma mulher de
27 anos, Luciana de Jesus do Nascimento, numa rua de Penápolis (SP). Quando ela
tentou fugir, foi baleada nas costas. Cercado pela polícia, André, que tinha 29
anos, se matou com um tiro no próprio peito. Os participantes do fórum
lamentaram que Kyo não tivesse conseguido comprar mais armas para matar mais
mulheres antes de cometer suicídio. Seu nome continua sendo citado como exemplo
de heroísmo.
4. Chan:
É o nome como são conhecidos os fóruns de internet povoados por usuários
anônimos, que se aproveitam do espaço para disseminar discursos de ódio.
Surgiram no Japão, por volta do ano 2000, e hoje são populares no mundo todo.
Em geral, os posts desaparecem depois de alguns dias e não ficam armazenados em
nenhum servidor. Entre os chans brasileiros mais conhecidos estão o 55chan (que
não permite o acesso de mulheres) e o Magochan (utilizado por garotos virgens).
5. Channers:
Assim se identificam os frequentadores de chans. Para evitar o acesso de
novatos ou curiosos, eles utilizam um vocabulário muito específico, cheio de
siglas e gírias, como “ancientfag” (“membro mais antigo”), “baw” (“choro”) e
“TL:DR” (“muito longo, não li”) . Para ilustrar os tópicos, sem denunciar o
conteúdo que vem sendo discutido, os usuários utilizam as chamadas imageboards
– desenhos, que geralmente fazem referências a mangás, sem nenhuma relação com
o assunto abordado.
6. Falhos:
Guilherme Taucci e Luiz Henrique de Castro se consideravam “falhos”. A gíria
faz referência a pessoas fracas, carentes, mimadas, sem inteligência nem
maturidade. Geralmente esses usuários relatam histórico de bullying na
vizinhança ou na escola e são solitários e isolados. Muitos afirmam que
pretendem cometer suicídio – é comum que outros channers sugiram que, no
momento tirar a própria vida, os “falhos” matem o maior número possível de
pessoas comuns. “Leve a escória junto” ou “leve o gado junto” são sugestões
muito repetidas aos possíveis suicidas.
7. Atcvm
Sanctvm: Tentativa de tradução para o latim para o “ato santo”, capaz de
regenerar os “falhos”. Em geral, faz referência a atos de justiça, incluindo os
massacres de Suzano e Realengo. Quem comete é considerado um herói pelos demais
participantes do chan.
8. Jorges:
A expressão surgiu em 2008, em um programa de auditório da TV chilena, quando
um garoto chamado Jorge, bastante caseiro e mimado, reclamava com a mãe dizendo
que queria ser “hardcore”. Ser um “Jorge”, portanto, é fazer tentativas
claramente ridículas de tentar ser radical ou violento.
9. Incel:
São celibatários involuntários (“incel” é sigla para “involuntary celibates”,
do inglês). A expressão faz referência a pessoas que, por timidez, depressão ou
rejeição de garotas, não conseguiram perder a virgindade e culpam as mulheres e
os homens sexualmente ativos por isso. O caso mais recente de ataque provocado
por um “incel” é o canadense Alek Minassian, que em abril de 2018 usou uma van
para atropelar um grupo de pedestres em Toronto. Ele deixou um post em seu
Facebook saudando Elliot Rodger, um “incel” que, em 2014, havia matado seis
pessoas a tiros e facadas na Califórnia.
10.
Chads e Stacys: Os “incel” usam essas
expressões para se referir a, respectivamente, homens e mulheres considerados
bonitos, charmosos e sexualmente ativos. Mulheres em geral são chamadas de
“femoids” e homens comums, de “normies”. Todos, em algum momento, podem ser
alvos dos “channers”.
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