O Ministério Público do Rio faz um pente-fino nas contas
eleitorais do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para saber se o dinheiro
arrecadado por Fabrício Queiroz com outros assessores do antigo gabinete dele
na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) irrigou campanhas políticas do filho
mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
Doações recebidas diretamente e via partidos e despesas
contratadas, como de gráficas, pessoal e locação de veículos, são investigadas
desde o fim de março pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção
(Gaecc) no âmbito do inquérito que apura supostos crimes de peculato, lavagem
de dinheiro e organização criminosa por meio do desvio de salário de assessores
no gabinete de Flávio na Alerj.
Eleito deputado estadual em 2002, Flávio ocupou cadeira
na Alerj até dezembro de 2018. No período, disputou seis eleições ao cargo no
Estado, uma a prefeito do Rio, em 2016, e a vaga ao Senado no ano passado. Além
do uso eleitoral, investigadores analisam em sigilo possível enriquecimento
ilícito dos envolvidos e prática de agiotagem, entre outros, com os recursos
arrecadados por Queiroz.
O foco do Ministério Público são as campanhas de Flávio,
mas o aprofundamento das análises alcança indiretamente contas eleitorais do
PSL do Rio, do PP e do PSC – partidos pelos quais disputou os pleitos – e se
aproxima da estrutura política da família Bolsonaro, incluindo a do presidente.
Suspeito de ser o operador do esquema conhecido como
“rachadinha”, Queiroz trabalhou no gabinete de Flávio na Alerj de 2007 a 2018 e
atuou em quatro eleições nesse período. Ao longo de 2016, ano em que Flávio
disputou a prefeitura do Rio, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta
bancária, com uma série de saques e depósitos fracionados considerados atípicos
pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Dados da quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio,
Queiroz e de outros 92 alvos, decretada pela Justiça Estadual, devem ser
cruzados com as informações de campanhas colhidas pelos promotores. As
diligências em curso e análise do material levantado buscam trilhar o caminho
do dinheiro e vão dar a dimensão dos desvios de salários de assessores ao longo
dos 12 anos apurados. E se houve ou não envolvimento de Flávio.
Contas
Com base nas prestações de contas de campanha registradas
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a reportagem listou os maiores doadores,
as formas como foram recebidos os recursos e também as empresas contratadas
diretamente e via partido, como as gráficas.
Até 2010 as campanhas de Flávio tiveram baixos valores de
receitas e gastos. Naquele ano, ela foi feita com R$ 38 mil. Já em 2014, a
reeleição a deputado estadual pelo PP custou R$ 214 mil, dos quais R$ 200 mil
foram repassados pelo Diretório Nacional do partido, acusado na Operação Lava
Jato de receber dinheiro de corrupção.
Em 2016, período das movimentações suspeitas de Queiroz,
Flávio concorreu ao cargo de prefeito pelo PSC, partido do irmão vereador
Carlos Bolsonaro. Na ocasião, ele teve a maior arrecadação do período
investigado: R$ 871 mil. Quase todo valor foi doado pelo PSC por meio do Fundo
Partidário.
No ano passado, quando Flávio foi eleito senador, sua
campanha recebeu R$ 712,2 mil em doações em dinheiro e valores estimados por
repasses de material de campanha e por prestação de serviços A campanha do
presidente Jair Bolsonaro foi a maior doadora de dinheiro para a do filho: R$
200 mil. Nem o presidente nem sua campanha são alvo da apuração.
O PSL do Rio, presidido por Flávio, foi outro importante
financiador da campanha ao Senado. O diretório estadual recebeu ao todo R$ 550
mil do PSL nacional. A ex-assessora e tesoureira-geral do partido nas eleições
de 2018, Valdenice de Oliveira Meliga, também teve seu sigilo quebrado. Ela é
irmã de Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, presos em agosto de 2018 na Operação
Quarto Elemento acusados de crimes e envolvimento com milícias.
Gráficas
Foi o PSL do Rio que bancou a impressão de santinhos,
adesivos e faixas da campanha de Flávio em 2018, com valor de R$ 209,8 mil.
Três gráficas produziram o material, quase a totalidade em dobradinha com a
campanha presidencial do pai: a Grafserra, a Esfera Visual e a Apel Gráfica.
A Grafserra foi a que mais recebeu por serviços doados à
campanha de Flávio – R$ 273 mil -, e imprimiu 10 milhões de santinhos com a
imagem dos Bolsonaro. Entre os clientes da empresa estavam ainda os candidatos
a deputado federal Hugo Leal (PSD), Leonardo Picciani (MDB) e Simão Sessim
(PP), além do deputado estadual Max Rodrigues Lemos (MDB).
Defesa
O advogado Luis Gustavo Botto Maia, responsável pela
campanha de Flávio Bolsonaro ao Senado em 2018 e pela prestação de contas do
PSL do Rio, recebeu procuração do senador em fevereiro deste ano para atuar
como representante legal e acompanhar a investigação do Ministério Público do
Rio. Procurado pela reportagem, ele não respondeu até a publicação desta
matéria.
Flávio Bolsonaro nega ter praticado qualquer ato ilícito
durante seu mandato como deputado estadual. Ele afirma que o ex-assessor
Fabrício Queiroz tinha autonomia dentro de seu antigo gabinete na Assembleia
Legislativa do Rio (Alerj) e que desconhecia as práticas adotadas por ele.
Flávio diz ainda que seu sigilo foi quebrado de forma ilegal pelos promotores e
que é vítima de perseguição, cujo objetivo é atingir o governo de seu pai.
Em sua defesa encaminhada por escrito ao MP, Queiroz
disse que arrecadava parte do salário dos assessores para contratar apoiadores
externos informais para melhorar o desempenho político do então deputado
estadual. Ele disse que Flávio não sabia disso e que não via irregularidade na
prática, proibida pelo Alerj. O Ministério Público considera que a versão de
Queiroz corrobora as suspeitas de peculato envolvendo o dinheiro da Alerj.
Procurado, o órgão não comentou as investigações,
colocadas sob sigilo pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª
Vara Criminal do Rio.
Conteúdo: Jovem Pan
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