Crimes de ódio crescem na
contramão das quedas dos demais crimes violentos, como homicídios e
latrocínios, segundo o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Conteúdo:
‘G1’
Em
2018, o Brasil atingiu o recorde de registros de estupros. Foram 66.041
vítimas, segundo dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta terça-feira (10). O crime é um
dos poucos que tiveram aumento no ano passado, quando as mortes violentas
caíram 10,8%.
A
taxa brasileira de estupros é de 31,7 por 100 mil habitantes, acima da taxa de
mortes violentas, que ficou em 27,5 em 2018.
Também
na contramão das quedas dos roubos, latrocínios, lesão corporal, entre outros
crimes, está o aumento de 20,6% no número de registros de injúria racial: de
6.195 casos em 2017 para 7.616, em 2018. O homicídio contra a população LGBT
também registrou um aumento de 10,1% no Brasil, segundo o Anuário.
"Tudo
indica que estamos diante do aumento de crimes de ódio. Apesar da redução das
mortes violentas, há aumento da violência de gênero, LGBT e racial”, afirma
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Faz
sentido se formos pensar que o Brasil vive uma polarização absurda e lida com
uma retórica que reforça a ideia de que a violência é um mecanismo legítimo
para solucionar conflitos. São propagados discursos de ódio e intolerância. Há
legitimação da tortura, do machismo e a da misoginia”, diz.
“E
esse discurso tem efeito prático na vida das pessoas. Pensando que os estupros
e feminicídios ocorrem mais dentro de casa, podemos ver que essa retórica lá de
fora chega sem filtros dentro de casa. Você não pode falar publicamente, mas
pode fazer dentro de casa”, completa.
Estupros
No
início da série histórica, em 2011, o país teve 43.869 casos de estupro. De lá
para cá, houve um aumento de 50,5% nos registros. De 2017 para 2018, a variação
foi de 4,1%. Quando só vítimas mulheres são consideradas, o aumento vai a 5,4%.
“O
estupro é uma violência sexual circunscrita por manifestações abusivas de poder
e marcadores de gênero, logo, não se trata de uma expressão de um tipo de
sexualidade brutalizada ou desenfreada, mas de uma forma de dominação. De
acordo com os registros de estupro e estupro de vulnerável dos anos de 2017 e
2018, 81,8% das vítimas eram do sexo feminino, o que evidencia a desigualdade
de gênero como uma das raízes da violência sexual”, diz estudo feito por
pesquisadoras do Fórum a partir de microdados do anuário.
Segundo
o estudo, a maior parte dos estupros que ocorre no Brasil é o de vulnerável
(contra crianças menores de 14 anos ou pessoas com doenças ou deficiência
mental que não têm discernimento para a prática do ato e que não podem oferecer
resistência): 63,8%.
A
maioria dos crimes é praticado contra meninas de 10 a 13 anos (28,6%). O autor
do estupro é homem (96,3%) e é quase sempre conhecido da vítima (75,9%).
Sobre
a baixa idade das vítimas, as pesquisadoras do Fórum Samira Bueno, Carolina
Pereira e Cristina Neme lembram que, de acordo com a Unicef, meninas de até 16
anos, em especial em classes mais baixas, “associam o casamento à possibilidade
de mudança de status social, de alguma forma de emancipação e de serem mais
valorizadas". "A gravidez autoriza o casamento infantil no Brasil,
inclusive com meninas com menos de 14 anos, sendo que, a princípio, pelas
definições do Código Penal Brasileiro, qualquer relação sexual com menina dessa
idade pode ser criminalizada como um estupro de vulnerável.”
O
Mato Grosso do Sul tem a maior taxa de estupros por 100 mil habitantes do
Brasil (70,4), seguido pelo Paraná, com 60,8 – dois estados que não figuram
entre os primeiros do ranking de mortes violentas.
Como
lembram as pesquisadoras do Fórum, os números são ainda mais alarmantes quando
se leva em conta que os crimes sexuais estão entre aqueles com menores taxas de
notificação à polícia.
“O
que indica que os números aqui analisados são apenas a face mais visível de um
enorme problema que vitima milhares de pessoas anualmente. No caso brasileiro,
a última pesquisa nacional de vitimização estimou que cerca de 7,5% das vítimas
de violência sexual notificam a polícia. Nos Estados Unidos, a taxa varia entre
16% e 32%, a depender do estudo.”
Entre
os motivos para a baixa notificação estão o medo de retaliação por parte do
agressor, que é geralmente conhecido da vítima, receio de julgamento e
descrédito nas instituições policiais e de Justiça. Pesquisa produzida pelo
Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2016 mostrou que 43% dos brasileiros
do sexo masculino com 16 anos ou mais acreditavam que “mulheres que não se dão
ao respeito são estupradas”.
Ainda
no âmbito da violência contra a mulher, os feminicídios tiveram aumento de 4%,
ao mesmo tempo em que os homicídios de mulheres reduziram 11,1% de 2017 para
2018. Dados similares foram antecipados pelo Monitor da Violência em março.
Para
Jacira Melo, diretora-executiva da Agência Patrícia Galvão, “o fenômeno da
violência contra as mulheres é crescente na sociedade brasileira: violência
doméstica, violência sexual, feminicídio". "Penso que é possível
dizer que o aumento no número de registros de estupro acontece porque há um
maior reconhecimento de que se trata de um crime e, ao mesmo tempo, porque se
trata de um crime recorrente, cotidiano e que acontece dentro de casa, nas
escolas e nos mais diversos ambientes, onde a maioria das vítimas é formada por
garotas de 10 a 13 anos.”
Armas
Um
dos motivos apontados por Samira Bueno para o aumento dos crimes contra a
mulher, como o feminicídio, é o aumento da presença das armas dentro de casa.
O
Anuário mostra que a posse ilegal de arma de fogo aumentou 54,1% em 2018 (de
14.880 para 23.055) e o de registros também (42,4%).
Em
2018, o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, registrou 12,5%
mais armas no Brasil. O número passou de 42.387 para 47.691. O aumento de
registros no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército
Brasileiro, foi ainda maior: 55,7% (de 95.745 para 149.042).
Entre
os que mais pediram registros estão os atiradores esportivos: o número saltou
de 26.150 para 49.671 no ano passado.
Em
compensação, o número de armas de fogo apreendidas caiu 5,2% no Brasil, se
forem levadas em conta as apreensões feitas pelas secretarias da Segurança e/ou
Defesa Social, e 14,7%, se levadas em conta as apreensões feitas pela Polícia
Rodoviária Federal.
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