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O Chile vive uma onda de
protestos violentos, com confrontos entre manifestantes e policiais. As
manifestações tiveram início contra um aumento na tarifa do metrô, mas logo
passaram a contestar as políticas do governo de Sebastián Piñera.
Em cinco dias, 15 pessoas
morreram e pelo menos 2.600 foram detidas. Prédios foram incendiados, e
estabelecimentos comerciais, saqueados. Em Santiago, mais de 10 mil soldados do
Exército passaram a patrulhar as ruas por ordem de Piñera, que decretou estado
de emergência e toque de recolher nas principais cidades do país.
O presidente chileno, que há
cerca de um mês classificou o país como um "oásis de paz", afirmou na
noite de ontem que o Chile está em "guerra".
Especialistas apontam a desigualdade
socioeconômica, a privatização e a baixa qualidade dos serviços públicos (entre
eles, os sistemas de transporte e previdência) como fatores que explicam os
protestos no Chile. Entenda, em três pontos, o que está acontecendo no país:
Aumento da tarifa do metrô e a "gota d'água"
Convocados inicialmente
pelas redes sociais, os protestos começaram por conta do aumento nos bilhetes
do metrô em Santiago, que subiram o equivalente a R$ 0,20 para os horários de
pico —a tarifa, com o aumento, é equivalente a R$ 4,73 (em São Paulo, ela é de
R$ 4,30; no Rio, de R$ 4,60).
Em resposta ao aumento da
passagem, manifestantes depredaram estações de metrô na capital e promoveram
entradas em massa sem pagar a passagem, pulando as catracas de acesso às
plataformas de embarque.
Maurício Santoro, professor
de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro),
diz que a alta no preço foi "simplesmente a gota d'água em um mal-estar
econômico mais amplo".
Segundo ele, esse
"mal-estar econômico" está relacionado a um contraste entre o
crescimento econômico nos últimos anos e a realidade de problemas estruturais
do país, como a desigualdade social e a baixa qualidade dos serviços públicos.
"Tudo isso vai se acumulando
e chega um momento em que explode", afirma o professor, que aponta ainda
similaridades entre os protestos de hoje no Chile e as manifestações contra o
aumento da passagem de ônibus no Brasil em 2013.
Andras Uthoff, professor da
Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile, afirmou em
entrevista ao blogueiro Leonardo Sakomoto que os protestos também podem ser
relacionados à privatização dos serviços públicos.
"É uma manifestação
contra o abuso que tem significado a privatização de serviços públicos com
cobranças que a grande maioria não pode pagar, ficando excluída de bons
serviços de saúde, educação, transporte, moradia, água, luz, energia",
disse.
Aos gritos de "basta de
abusos" e com o lema que dominou as redes sociais
"ChileAcordou", os manifestantes criticam o modelo econômico do país,
com acesso à saúde e à educação praticamente privado, elevada desigualdade
social, aposentadorias baixas e alta do preço dos serviços básicos. A
manifestação não tem um líder definido e nem uma lista precisa de exigências.
O Chile é o país mais
desigual entre os membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico). Em 2015, o país tinha um coeficiente Gini, que mede a desigualdade
de renda em uma escala de zero a 1 (quanto mais alto, maior é a desigualdade),
de 0,51. A média dos países da OCDE é de 0,32.
Administrado pela empresa
estatal chilena Metro S.A., o metrô de Santiago é considerado um dos sistemas
de transporte mais modernos da América Latina. Hoje, o metrô de Santiago tem
sete linhas e 136 estações.
Com 140 km de extensão, a
rede é a maior da América do Sul e a segunda maior da América Latina, ficando
atrás apenas do metrô da Cidade do México. O metrô de São Paulo, por exemplo,
tem uma rede de 97 km de extensão.
Escalada de violência, Exército nas ruas e estado de
emergência
Em meio aos protestos na
sexta-feira (18), além das depredações a estações de metrô, prédios como a sede
da Enel (empresa de energia elétrica do Chile) e do Banco do Chile foram
incendiados. Houve ainda confrontos com a polícia, que estabeleceu um perímetro
de segurança na sede do governo.
No início da noite de sexta,
o presidente Piñera anunciou o fechamento do metrô. Ele também invocou a Lei de
Segurança do Estado —legislação que prevê penas mais duras a quem causar danos
ou impedir o funcionamento de estabelecimentos públicos e privados de serviços
básicos.
Os protestos, no entanto,
continuaram, e na madrugada de sábado (19), Piñera decretou estado de emergência
em Santiago e outras cidades do país.
O Exército passou a
patrulhar as ruas em uma tentativa de controlar pontos estratégicos, como
centrais de abastecimento de água, eletricidade e cada uma das 136 estações de
metrô. Foi a primeira vez desde a volta da democracia no Chile, em 1990, que
militares voltaram às ruas no país.
Nas noites de sábado e
domingo, o governo chileno também decretou toque de recolher nas principais
regiões do país. Mesmo assim, os confrontos e distúrbios permaneceram durante a
madrugada.
Apesar de recuo no aumento, protestos continuam
Logo no sábado, Piñera
anunciou que mandou um projeto para o Congresso suspendendo o aumento na tarifa
do metrô. Mas o recuo não foi suficiente para interromper as manifestações.
"Chega um momento,
quando as pessoas percebem o tamanho que esse movimento de protestos assumiu,
em que muita coisa acaba vindo à tona. Os próprios manifestantes descobrem a
sua capacidade de influenciar a agenda pública, a condução da política",
avalia Santoro.
"Acho que muito dessas
dificuldades de longo prazo vão ser colocadas na rua agora: as ansiedades do
povo chileno com relação a emprego, a desigualdade e à má qualidade dos
serviços públicos", analisa o especialista.
Em Santiago, apenas uma
linha do metrô está aberta e os serviços de ônibus estão sendo subsidiados. O
presidente Sebastián Piñera se reunirá hoje com líderes de partidos políticos
para falar da situação do país e tentar encontrar uma saída. Há receio de que
os protestos possam ser ampliados com greves e novas mobilizações.
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