Povoado tem patrimônio
arquitetônico e cultural de mais de 12 mil anos, mas seu destino contempla
somente mais alguns meses de vida: ele está no meio de um projeto de represas
na Turquia.
Calma antes da tormenta: um homem descansa nas margens do rio Tigre, enquanto as águas sobem lentamente para submergir seu povoado — Foto: Getty/ BBC
Por BBC
Hasankeyf já assistiu em
seus cerca de 12 mil anos de vida à passagem dos impérios Bizantino e Otomano
e, hoje, faz parte do território da Turquia. Por sua longa existência, trata-se
de um dos povoados habitados mais antigos do mundo.
Mas tudo deverá ir água
abaixo, literalmente, nos próximos meses. E não por conta das mudanças
climáticas ou algo do tipo. Depois de décadas de planejamento e anos de
resistência dos moradores, o governo turco começará a inundar o lugar, cuja
história é inscrita em cavernas, tumbas e templos antigos, para torná-lo uma
grande represa.
O reservatório de Ilisu faz
parte de um plano do governo criado em 1970 com o objetivo de desenvolver o
sudeste da Turquia, buscando ajustar a desigualdade desta parte do país em
comparação com outras regiões e, também, reduzir a dependência das importações
de energia. O projeto inclui ao todo cerca de 20 barragens e 19 usinas
hidrelétricas.
Mas o custo é alto e não
apenas financeiro. Mais de 70 mil pessoas serão desalojadas e tesouros
arquitetônicos preservados por séculos ficarão debaixo d'água.
Milenar Hasankeyf deverá ficar submersa nos próximos meses — Foto: Getty/ BBC
Quem mora em Hasankeyf?
O governo havida definido
outubro como prazo para a inundação, então os moradores de Hasankeyf sabem que
as águas começarão a subir a qualquer momento, de uma hora para outra.
Alguns que negociaram a
mudança para uma nova casa já começaram a ir para os assentamentos — apesar de
nem todos terem sido contemplados com isso.
O projeto sofreu uma forte
rejeição dos moradores, mas também de arqueólogos, historiadores,
ambientalistas e defensores deste patrimônio cultural que se encontra às
margens do rio Tigre.
O movimento para interromper
a construção da represa teve uma vitória quando as instituições europeias que
financiavam o projeto retiraram seus fundos.
Mas, um ano depois, os bancos
turcos concederam milhões de dólares em empréstimos ao governo e o projeto foi
adiante.
A remoção de milhares de
famílias também gerou grande indignação, refletida nas redes sociais pela
hashtag #SaveHasankeyf.
Protestos contra a
intervenção também vieram de outras partes do país. Can Dozdar Aydın, de 10
anos, viajou de Istambul com a mãe para pedir que a cidade não fosse destruída.
A maioria das famílias que
agora estão desabrigadas é de origem curda e cristã árabe — os primeiros, que
sofrem intensa discriminação na Turquia, veem o desaparecimento de seu povoado
sob as águas como um sinal de rejeição.
O governo construiu uma vila
chamada Nova Hasenkeyf, em uma área mais alta, mas dificilmente o turismo,
atraído por ser um dos povoados mais antigos do mundo, continuará em sua nova
versão.
Diante dos recorrentes
protestos contra a perda do patrimônio cultural, o governo gastou grandes somas
de dinheiro levando enormes peças arqueológicas para áreas seguras — como uma
tumba do século 15 e a estrutura de uma mesquita. Alguns estarão na nova cidade
e outros serão exibidos em um museu.
Uma das maiores atrações
turísticas do povoado hoje, uma fortaleza romana, permanecerá visível acima da
água, mas outros pontos frequentemente visitados pelos turistas ficarão
submersos.
Apesar da resistência dos
moradores e até na cena internacional, fontes do governo afirmam que as águas
começarão a inundar Hasankeyf até o final do ano e que a barragem poderá gerar
energia já em fevereiro de 2020.
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