"Um dia antes de meu pai ser internado com essa doença maldita, ele me deu R$ 300 para pagar o aluguel da casa. Quando eu precisava, era ele quem fazia a feira, comprava a carne. Agora que ele morreu não temos nada. Estou vivendo de doações."
O depoimento acima é de Roseane Pinto da Silva, de 44 anos, vendedora ambulante de empadas em Olinda, na região metropolitana do Recife. Há um mês, o pai dela, o padeiro aposentado Isaias Pinto da Silva, morreu de covid-19, aos 85 anos. A aposentadoria dele — de pouco mais R$ 1 mil mensais — era a principal fonte de renda da família.
Com a queda do movimento durante a pandemia, as vendas de Roseane diminuíram e ela acabou cada vez mais dependente do dinheiro do pai para pagar o aluguel e sustentar seu filho de 17 anos. Mas até isso mudou rapidamente.
"Hoje ninguém quer comprar nada. Depois que meu pai morreu, meu único dinheiro é o auxílio de R$ 600 (valor emergencial pago pela governo federal durante a pandemia). Depois que o auxílio acabar, não sei como vai ser", diz ela, que vive na favela Peixinho, em Olinda. Para colocar comida na mesa, a família hoje depende de doações de um movimento social que ajuda pessoas pobres da comunidade.
A história dessa família pernambucana ilustra mais um cenário dramático da pandemia de coronavírus no Brasil: além do trauma de perder um parente de maneira precoce, a morte de milhares de idosos está impactando as finanças de quem ficou — e a economia do país.
E isso ocorre por um motivo simples: em um cenário de desemprego alto como o vivido pelo Brasil, a dependência do dinheiro dos idosos é grande. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego atingiu 13,3% da população em junho, maior índice desde 2017.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que usou dados do IBGE, apontou que em 20,6% dos 71,3 milhões de domicílios do país, a renda do idoso representa mais de 50% do total dos vencimentos das famílias. Nesses locais, com renda per capita média de R$ 1.621 por mês, vivem 30 milhões de pessoas.
Já em 12,9 milhões de casas — 18% do total de domicílios —, os ganhos dos idosos são a única fonte de renda.
Essas famílias, que têm vencimento médio mensal de R$ 1.533 por pessoa, são totalmente dependente dos seus parentes acima de 65 anos e formam uma massa de 23 milhões de brasileiros (18,4 milhões de idosos e 5 milhões de adultos, crianças e adolescentes). Com algumas exceções — no caso do recebimento de pensão pelo cônjuge, por exemplo —, quando algum desses idosos morre, o restante da família pode ficar sem provento algum.
Na média, domicílios em que há idosos têm renda maior do que aqueles onde não há nenhum, constatou o Ipea.
"A importância da renda do idoso para as famílias é bastante alta no Brasil", explica Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea. "Isso ocorre por causa das dificuldades que jovens e adultos enfrentam para entrar no mercado de trabalho. Muitos deles, sem emprego e sem dinheiro, voltam para a casa dos pais e acabam sendo bancados por eles."
Ela classifica essa geração de jovens como "ioiô" (aqueles que saem mas depois voltam a casa dos pais), "cangurus" (quem nunca saiu de perto) e "nem-nem" (nem estuda nem trabalha).
Camarano estimou que, durante a pandemia, a morte de idosos por covid-19 representa uma queda mensal de R$ 167 milhões na renda das famílias brasileiras. Para a conta, a pesquisadora considerou 100 mil mortes já registradas pela doença — 74% desse óbitos eram pessoas com mais de 60 anos.
"O idoso costuma ter uma renda estável, com aposentadoria ou benefícios sociais, embora esse ganho nem sempre seja alto. Como o idoso viveu épocas com uma economia melhor, ele já tem casa própria e uma maior estabilidade", diz Camarano.
Já Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), explica que domicílios com um número maior de pessoas (filhos, pais, avós) são um arranjo estratégico para as famílias mais pobres enfrentarem dificuldades financeiras.
"Quando a economia cresce e há mais oportunidades de emprego, a tendência é os filhos saírem de casa. Em momentos de crise, ocorre um retorno. Quando a família é mais rica, o idoso vive sozinho. Quando ela é mais pobre, como em comunidades e algumas regiões do Nordeste, ele costuma viver em domicílios com mais gente", diz.
Um estudo da FGV Social, também com base em dados do IBGE, apontou que 17% dos idosos estão entre os 5% mais ricos da população (quem recebe em média R$ 8.713 por mês); e apenas 4% dos mais velhos estão entre os 40% mais pobres (R$ 53 mensais, em média).
A pesquisa explica que a renda mais estável da parcela idosa da população, em comparação com a dos mais jovens, ocorre em grande parte por causa de uma maior proteção social, como a aposentadoria e o Benefício de Proteção Continuada (BPC).
Via de regra, os contribuintes de baixa renda que não conseguem o tempo mínimo de contribuição para se aposentar são elegíveis para receber o BPC, salário mínimo pago a pessoas com mais de 65 anos e renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo vigente. No total, 4,6 milhões de brasileiros recebem o benefício, entre idosos e pessoas com deficiência.
"Apesar dessa renda estável, os idosos também têm vulnerabilidades: eles têm escolaridade muito baixa em virtude de um sistema educacional que era excludente, e também uma menor inclusão digital", explica Marcelo Neri, autor do estudo.
A pesquisa da FGV aponta esse problema: 30% dos analfabetos do país são idosos, embora eles representem 10,5% da população. Já entre os mais escolarizados, com mais de 11 anos de estudo, apenas 5,8% têm mais de 65 anos, de acordo com dados de 2018.
*Com informações de G1.
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