O Tribunal de Contas da União não pode declarar a
inidoneidade de empresas que já tenham firmado acordos de leniência com outras
instituições. Esse foi o entendimento firmado por maioria pela 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (30/3) ao conceder mandado de
segurança a quatro empreiteiras para suspender a declaração de inidoneidade
delas. Os processos tratam das construtoras que participaram de licitação para
as obras da usina nuclear Angra 3. Com a decisão, elas voltam a poder
participar de licitações — o TCU havia proibido que contratassem com o Poder
Público.
A Andrade Gutierrez e a UTC alegaram que a sanção de
inidoneidade pelo TCU impede o cumprimento dos acordos de leniência, que
previam a não punição pelo tribunal. Elas firmaram acordos com a
Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União e Ministério Público
Federal.
No caso da Queiroz Galvão, a empresa fechou acordo com o Cade
e sustenta que começou a colaborar com o próprio TCU, mas o tribunal reviu a
medida e aplicou sanção definitiva. Já a Artec argumenta que a decisão do TCU
que a condenou foi baseada apenas em interceptação telefônica, que já foi
declarada ilícita pelo próprio Supremo.
O julgamento foi iniciado em maio de 2020, quando apresentaram
seus votos o relator, ministro Gilmar Mendes, e Luiz Edson Fachin. Na sessão
desta terça, os ministros Nunes Marques e Ricardo Lewandowski seguiram o
relator. Cármen Lúcia seguiu Fachin e ficou parcialmente vencida.
Gilmar Mendes concedeu a segurança em todos os casos para
suspender a declaração de inidoneidade das empresas. O ministro afirmou que
"a atuação do TCU deve prestigiar acordos do MPF", em respeito à
unidade estatal. A interferência do tribunal de contas, disse, pode inviabilizar
a celebração de outros acordos no futuro.
Em seu voto, o ministro apresentou estudos recentes sobre a
coexistência de regimes de leniência e abordou os problemas de assimetria na
definição dos requisitos para firmar esse tipo de acordo em cada uma das
esferas administrativas.
Segundo Gilmar, é necessário fazer uma interpretação conjunta
de modo a zelar pelo alinhamento institucional nos acordos e garantir aos
colaboradores a previsibilidade das sanções e benefícios premiais.
"A concretização desses objetivos — alinhamento
institucional e preservação da segurança jurídica — demanda contínuo esforço de
diálogo entre os órgãos e entidades imbuídos do combate a atos de
macrocriminalidade econômica", afirmou.
Além disso, segundo o ministro, a declaração de que uma
empresa é inidônea representa uma "verdadeira pena de morte", já que
as empresas ficam impossibilitadas de reparar o dano ao erário.
Aditamento
ao voto
No começo da sessão, Gilmar Mendes apresentou aditamento ao
seu voto, no qual refletiu sobre a atuação de diversas entidades de controle na
celebração e negociação dos acordos de leniência regulados pela Lei
Anticorrupção (Lei 12.846/2013).
Gilmar lembrou que, em agosto de 2020, um acordo de
cooperação técnica para negociação de acordos de leniência foi celebrado entre
a Controladoria-Geral da União, a Advocacia-Geral da União, o Ministério da
Justiça e Segurança Pública e o Tribunal de Contas da União, sob a supervisão
do Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público Federal não participou do
acordo.
O ministro destacou que as principais controvérsias sobre o
instrumento se relacionam ao "acordo de leniência do MPF". "A
despeito do amplo uso desse instrumento pelo Parquet, considero que este
instrumento precisa urgentemente passar por uma reconceptualização, inclusive a
partir de eventuais soluções de lege ferenda, a fim de que sua utilidade no
combate à corrupção possa ser compatibilizada com os princípios constitucionais
da legalidade, da segurança jurídica e da proibição de punição dupla".
De acordo com Gilmar, nem a Lei do Cade (Lei 12.259/2011) nem
a Lei Anticorrupção atribuem ao Ministério Público a possibilidade de negociar
acordos de leniência. Sem previsão legal expressa, citou, a construção do
"acordo de leniência do MPF" nasceu de uma interpretação extensiva do
ordenamento jurídico idealizada nos primeiros anos de atuação de procuradores
da "lava jato" em Curitiba. E isso, a seu ver, gera insegurança
jurídica.
Assim como a extensão dos efeitos dos acordos de leniência
para a esfera penal. Conforme Gilmar, a Lei Anticorrupção só permite que esses
compromissos sejam firmados com pessoas jurídicas. No entanto, o MPF passou a
estender os efeitos de tais acordos a pessoas físicas, se comprometendo a não
apresentar denúncia contra elas.
"Ou seja, no meio do caminho entre o acordo de leniência
de natureza cível e administrativa (idealmente ancorado na Lei Anticorrupção e
na Lei de Improbidade Administrativa) e o acordo de colaboração premiada da
esfera criminal (previsto na Lei 12.850/2013), a prática institucional do MP
foi delineando uma forma de contemplar, nos acordos de leniência, as
repercussões penais dos ilícitos administrativos e cíveis", afirmou o
ministro, citando que a solução do MPF foi adotada em diversos compromissos
firmados na "lava jato".
Gilmar também mencionou que alguns acordos de leniência
invadem esferas de competência de outros integrantes do MP, violando o
princípio da legalidade. Ele ainda apontou que o MP não pode escolher a
destinação dos recursos obtidos em compromissos.
"Em todas essas dimensões, verifica-se que a ausência de
uma disciplina legal esmiuçada sobre os acordos de leniência do MP tem gerado
notáveis focos de insegurança jurídica, diagnóstico este que deve nortear
eventual atuação futura do legislador quando o próprio controle realizado pelo
Poder Judiciário na apreciação da validade desses acordos", destacou o
ministro.
Divergência
parcial
Fachin, por sua vez, acompanhou o relator apenas na concessão
da segurança para a Andrade Gutierrez. Nos outros três mandados, o ministro não
verificou boa-fé das construtoras ou confiança legítima na celebração dos
acordos.
"O TCU não pode obstar o cumprimento do pacto das
partes, que levaram em consideração a efetividade das informações prestadas
para deflagração de investigações criminais e cíveis, bem como em atenção à
tutela da confiança legítima daquele que agiu de boa-fé ao confessar a
participação de ilícitos", afirmou sobre o caso da Gutierrez.
No caso da UTC, o ministro considerou que o ajuste da empresa
com a CGU aconteceu depois da decretação da inidoneidade pelo TCU. Para Fachin,
tal fato "é relevante para manutenção da sanção".
De acordo com o ministro, fica "inviável a aferição da
boa-fé e da confiança legítima daquela que aguardou o final dos procedimentos
investigatórios pela Corte de Contas para, só então, pretender enquadrar-se na
condição de colaboradora, para os fins da Lei 12.846/2013".
No voto seguinte, no mandado da Queiroz Galvão, Fachin também
entendeu pela inviabilidade da empresa "socorrer-se da via judicial para
compelir o Tribunal de Contas da União a firmar um acordo de leniência com a
empresa interessada".
Por fim, o ministro discordou da alegação da Artec de que apenas as provas declaradas nulas é que ampararam as conclusões do TCU no processo que culminou com a declaração de inidoneidade. Com informações: Consultor Jurídico.
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