Ao menos oito cidades das regiões Sul e Sudeste já limitam a oferta de água à população; cenário deve se agravar até a volta das chuvas, em outubro.
Com ao menos dois meses de período seco ainda pela frente,
pelo menos oito cidades nas regiões Sul e Sudeste já estão limitando a oferta
de água à população para lidar com a baixa dos reservatórios.
Estão sendo implantados esquemas de rodízio de água em
Curitiba (PR), Santo Antônio do Sudoeste (PR), Pranchita (PR), Itu (SP), Salto
(SP), São José do Rio Preto (SP), Bauru (SP) e Bagé (RS).
Em Curitiba, que está sob racionamento desde março de 2020,
órgãos estaduais chegaram a contratar aviões para induzir precipitações sobre a
cidade.
O quadro afeta tanto a distribuição de água quanto a
produção de eletricidade, pois as hidrelétricas respondem por cerca de 60% da
capacidade de geração do país.
Com os reservatórios das usinas também em baixa, o governo
recorre a termelétricas, que são mais caras, elevando o preço da energia para
os consumidores.
Em maio, o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um
alerta de emergência hídrica para a região hidrográfica da Bacia do Paraná
entre junho e setembro de 2021.
A bacia abarca boa parte dos estados de Minas Gerais,
Goiás, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná, além do Distrito Federal.
Ações
de curto e longo prazo
Várias cidades já têm adotado medidas pontuais para lidar
com a crise — como obras em reservatórios e a busca por outras fontes de água.
Em Curitiba, a companhia paranaense de saneamento testou um método ainda pouco usado no Brasil.
Um avião passou a borrifar água em nuvens para induzir
precipitações nos reservatórios da cidade. A empresa não informou se a
estratégia teve sucesso.
Para Angelo Lima, secretário-executivo do Observatório da
Governança das Águas — entidade formada por 60 instituições e 17 pesquisadores
que acompanham a gestão hídrica no Brasil —, o cenário exige ações tanto
emergenciais quanto de médio a longo prazo.
Ele diz que, no curto prazo, os órgãos que compõem o
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, como os comitês de
bacias hidrográficas, deveriam se reunir para debater soluções para a crise.
As medidas emergenciais, segundo Lima, devem garantir a
oferta de água para a população e para a alimentação de animais — ações que
devem ser priorizadas em situação de escassez, conforme determina a Lei das
Águas, de 1997.
No entanto, no fim de junho, o governo federal publicou uma
Medida Provisória (MP) que dá ao Ministério de Minas e Energia peso maior de
decisão sobre as ações a serem tomadas para lidar com a crise hídrica.
A MP 1055 tem como fim "garantir a continuidade e a
segurança do suprimento eletroenergético no país".
Para Lima, ao colocar o Ministério de Minas e Energia na
liderança do grupo, o governo sinaliza que priorizará a geração de
eletricidade, o que pode prejudicar ainda mais o abastecimento da população.
Ele afirma que nem mesmo a Agência Nacional de Águas (ANA),
órgão federal responsável por regular os serviços de abastecimento, foi
colocada no grupo.
A composição do grupo pode ter cálculo eleitoral. Analistas
consideram que um apagão no sistema elétrico brasileiro seria uma grande ameaça
à candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição.
Em 2019, segundo um relatório da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), as perdas representaram 13,8% de toda energia
consumida.
Metade das perdas se deveu a falhas técnicas, e a outra
metade, a furtos (ligações clandestinas e desvios da rede).
Conflitos
por água
Angelo Lima diz que também são necessárias medidas para
garantir a oferta de água no médio e longo prazo.
Uma das ações prioritárias, segundo Lima, é zerar o
desmatamento na Amazônia para assegurar a manutenção do fenômeno conhecido como
"rios voadores".
Conforme a floresta é derrubada, no entanto, os "rios
voadores" escasseiam, reduzindo as chuvas ao sul do bioma.
Lima defende ainda a preservação das florestas no próprio centro-sul
do país — neste caso, para garantir o bom funcionamento do sistema hídrico
local.
São esses depósitos que alimentam as nascentes dos rios
durante o ano todo, inclusive no período seco.
Já quando a floresta é derrubada, e o solo fica
desprotegido, a água tem mais dificuldade para penetrar o solo, o que dificulta
a recarga dos depósitos e diminui a vazão dos rios na seca.
O caso de duas cidades hoje sob racionamento mostra como
essas ações poderiam ter impactos benéficos.
Itu e Salto são atravessadas pelo Tietê, um dos maiores
rios de São Paulo. Mas, como o rio chega às duas cidades poluído por dejetos
despejados em sua maioria na Grande São Paulo, o aproveitamento das águas para
o abastecimento público fica prejudicado.
O que leva a outro ponto importante: para Lima, a gestão
das águas (e dos rios) deve ser feita de modo integrado.
Lima afirma que já existem instâncias aptas a lidar com
questões desse tipo e mediar conflitos por água: os comitês de bacias
hidrográficas.
Os comitês reúnem representantes da comunidade e do poder
público (inclusive prefeituras) para deliberar sobre a gestão das águas em cada
bacia.
Porém, Lima afirma que muitas vezes faltam recursos para
implantar as ações definidas pelos grupos.
"Acredito que a gente precisa discutir a garantia de
um orçamento mínimo para esses órgãos, assim como já existe para a Saúde e a
Educação", defende.
Lima afirma que, se o país continuar a empurrar o problema
com a barriga, os conflitos por água tendem a se agravar — especialmente à
medida que as mudanças climáticas mudarem os padrões de chuvas no país, como
previsto.
O número de conflitos já está em alta. Em 2020, segundo um
relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), havia 350 conflitos por água no
país.
O número é quase cinco vezes maior do que em 2011 (68),
quando o órgão começou a monitorar o tema.
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