A partir de agora, nos processos eleitorais são consideradas
ilícitas as provas obtidas por meio de gravação ambiental clandestina feita em
ambiente privado, sem autorização judicial e sem o conhecimento dos
interlocutores.
Essa foi a conclusão do Tribunal Superior Eleitoral, que
nesta quinta-feira (7/10) formou maioria apertada de 4 votos a 3 para alterar a
própria jurisprudência sobre o tema. Os casos haviam sido paralisados por
pedidos de vista seguidas vezes e foram retomados com leitura de voto-vista do
ministro Luís Felipe Salomão.
A corte julgou três recursos provenientes de ações de
investigação judicial eleitoral que tiveram como base informações obtidas por
meio de gravações feitas contra candidatos, sem o conhecimento dos mesmos. Eles
ocorreram nas cidades de São Pedro da Água Branca (MA), Santa Inês (PR) e São
José da Safira (MG).
Prevaleceu a posição do ministro Alexandre de Moraes, segundo
a qual tais provas são ilícitas porque a privacidade e a intimidade, direitos
fundamentais garantidos pela Constituição, devem prevalecer, sob o risco de
incentivar essa prática em cenário de disputa acirrada como o eleitoral.
Ficaram vencidos por entender como lícita as provas
decorrentes de gravação clandestina os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz
Edson Fachin e Sérgio Banhos.
Segurança
jurídica
Os três casos se referem à eleição municipal de 2016, para a
qual a jurisprudência do TSE, formada em 2019, indicava a validade do validade
de gravação ambiental como prova de compra de votos. Ela só não seria válida na
hipótese do chamado flagrante preparado, quando o interlocutor induz o ilícito.
Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, desde então o TSE
julgou 28 casos. Em 22 deles, considerou a prova lícita. Em outros seis, ela
foi declarada ilícita, mas por especificidades de cada caso concreto que
levaram à corte à conclusão de que houve prática indutiva por quem fez a
gravação — como previsto no já citado precedente.
A questão da subversão dessa jurisprudência foi um dos pontos
principais da discussão. "Não é possível que, para alguns casos de 2016, a
decisão seja uma e, para outros, seja outra", criticou Barroso.
Foi esse o ponto que levou o ministro Sergio Banhos a votar
com a divergência. Particularmente, ele entende que gravação ambiental
clandestina é prova ilícita. Mas defendeu que não seria cabível alterar esse
entendimento depois de julgar outros casos que ocorreram na mesma eleição de
2016.
O dispositivo fixa que a captação ambiental deve ser feita
com autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da
autoridade policial. O parágrafo 4º afirma que a captação ambiental feita por
um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do
Ministério Público só poderá ser usada para defesa, desde que demonstrada a
integridade da gravação.
Para Moraes, a aplicabilidade do pacote anticrime é imediata
e deve influenciar processos eleitorais. A ideia é que se no mais, que é o caso
do detentor de mandato público, a gravação ambiental dependerá de autorização
judicial para comprovar prática de crime, no menos — o caso do mero candidato —
não faz sentido dispensar a autorização judicial para tanto.
O ministro Mauro Campbell concordou e destacou o risco de a
Justiça Eleitoral se tornar palco de permanente judicialização das eleições,
transmutando seu papel em agente de desestabilização das eleições. "O
reconhecimento da ilicitude, ao invés de fragilizar atuação dessa Justiça,
potencializa seu papel de garantidora de direitos constitucionais de primeira
grandeza", opinou.
Desde o primeiro momento, esse foi o ponto de divergência do
ministro Barroso. Nesta quinta-feira, ele admitiu não ter simpatia pelo uso de
gravações ambientais, mas ressaltou que segurança jurídica e a isonomia são
valores também protegidos constitucionalmente. Assim, a norma do pacote
"anticrime" não deve ter aplicabilidade imediata na seara eleitoral.
"Trata-se de norma de natureza processual. Ela não cria
ou elimina um tipo penal. Ela regulamenta um meio de prova. Acho que é norma
processual que se aplica daqui para frente, mas não à prova produzida
preteritamente. Senão, seria uma invalidação superveniente de algo que era
considerado licito no momento em que foi produzido", afirmou quando leu
voto-vista, em 2 de setembro.
Também divergiu o ministro Luiz Edson Fachin, ao fazer a
distinção da situação da pessoa que pratica crime (cuja situação é abordada no
pacote "anticrime") e a do candidato que pratica ilícito eleitoral. O
réu penal não tem qualquer distinção para outros cidadãos. O candidato, sim. No
exercício dessa condição jurídica, todos seus atos têm interesse público e
devem ser transparentes.
"Não se permite que candidato use de direitos
fundamentais como escudo para ocultar a prática de ilícitos eleitorais e torne putativa
a realidade presenciada pelo eleitor. Prerrogativas fundamentais devem ser
lidas em perspectiva macro, em ordem a não infirmar direitos medulares de igual
dimensão, dentre os quais está a liberdade de sufrágio, a igualdade de
candidatos e a legitimidade do direito das eleições", afirmou.
Em
discussão no STF
O tema é controverso e está sendo apreciado pelo STF no RE
1.040.515. Em 2017, a corte reconheceu repercussão geral sobre a necessidade de
autorização judicial para tornar uma gravação ambiental apta a instruir ação de
impugnação de mandato eletivo (Aime).
Toffoli defendeu a ilicitude do meio de prova, pois
reveste-se de intenções espúrias e indica a indução ou instigação de um
flagrante preparado. A exceção é quando o registro ocorre em lugar público — o
que não ocorreu no caso julgado pelo TSE.
O relator ainda propôs que o entendimento seja aplicado a
partir das Eleições de 2022, em homenagem ao princípio da segurança jurídica,
ponto ressaltado no voto do ministro Luís Roberto Barroso nesta quinta-feira.
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