Pesquisadores
brasileiros realizaram edição genética em porcos como parte de estudo que tem
como objetivo o xenotransplante – técnica que permitiria transplantar órgãos e
tecidos de suínos para seres humanos – no futuro. O grupo está em busca de
recursos e planejam testes em humanos daqui a dois anos. Os estudos são
conduzidos pela Universidade de São Paulo (USP).
No Brasil, o
pesquisador do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP,
Ernesto Goulart, disse que, neste momento da pesquisa, estão sendo produzidos
os primeiros embriões de porcos a partir das células geneticamente modificadas,
que são os primeiros experimentos de clonagem deste estudo.
“A primeira etapa para produzir um
suíno geneticamente modificado, para que os órgãos desses animais sejam
utilizados para transplante em humanos, é a etapa de edição genética. Nós já
concluímos essa etapa”, disse. Até agora, nessa primeira etapa, ele explicou que os
pesquisadores concluíram a edição do DNA das células de suínos, para que
aqueles genes que causam a rejeição aguda fossem inativados.
O objetivo é
que, no futuro, quando essas células derem origem a um animal, os órgãos a
serem transplantados não causem rejeição no paciente humano. “A gente pega aquela célula que produziu no laboratório, que
modificou o genoma, e agora vamos fazer uma técnica de clonagem. A partir
daquela célula, eu consigo gerar um embrião que vai se desenvolver [na barriga]
do animal e a gente espera que os órgãos sejam então compatíveis com o
transplante em humano. ”
Experimento
nos Estados Unidos
O assunto
dos xenotransplantes ganhou espaço após divulgação na imprensa de um
experimento, realizado nos Estados Unidos, em que um rim suíno foi ligado ao
sistema vascular de um paciente humano, mas mantido fora do seu corpo, e não
provocou rejeição pelo seu sistema imunológico. O procedimento utilizou um
porco cujos genes haviam sido editados geneticamente para que seus tecidos não
causassem rejeição em humanos.
Apesar de
ainda não haver uma publicação científica a respeito desse experimento, o
pesquisador brasileiro afirma que ele já contribuiu muito com o desenvolvimento
dessa abordagem no mundo todo. “É uma prova de conceito muito importante. A
edição genética, um dos principais objetivos, é fugir dessa rejeição hiperaguda
[do órgão]. E qual que é excelente notícia que esse trabalho nos traz? Esse
órgão ficou três dias no paciente e não rejeitou, não teve nenhum indício de
rejeição. Muito pelo contrário, ele estava funcionando”, comemorou.
Procedimento
no Brasil
O cirurgião
e professor emérito da Faculdade de Medicina da USP Silvano Raia, líder dos
estudos de xenotransplante na USP, disse em entrevista à Agência Brasil que um
procedimento análogo ao que foi feito nos Estados Unidos deve ser realizado
pela equipe no Brasil daqui a aproximadamente seis meses.
Ele
descreveu que os rins suínos serão usados, pelos pesquisadores brasileiros, em
experimento de perfusão isolada, ou seja, um sistema que permite estudar o
órgão fora do corpo do animal e do ser humano, por meio de uma máquina.
“Se a perfusão do rim modificado no
nosso laboratório, perfundido com sangue humano durante 12 horas, que é a
operação programada, não demonstrar nenhum sinal de rejeição, prova que os
nossos rins são adequados para tentar o passo seguinte, que é o transplante no
homem”, disse o
médico, de 91 anos, que realizou o primeiro transplante de fígado com doador
falecido da América Latina, em 1985. Em 1988, ele foi o primeiro no mundo a
realizar o procedimento com um doador vivo.
Estrutura
esterilizada
Para os
passos futuros da pesquisa, é necessária ainda a construção de um biotério
específico, um espaço com condições sanitárias adequadas para a criação dos
animais, que propicie um alto nível de biossegurança. Neste momento, não há verba
para viabilizar a obra.
Enquanto
isso, os animais usados nos estudos serão criados sem esses cuidados
específicos de esterilização. Eles não poderão ser transplantados para humanos,
mas servirão de teste de conceito para tudo que os pesquisadores realizaram até
o momento.
“Esses animais que vão ser gerados e
criados para essa finalidade não são mantidos e criados nas mesmas condições
que é um animal para a utilização para abate, para [produção de] carne. Então
precisa ter uma estrutura de complexidade que atenda às necessidades
específicas desse projeto, essa infraestrutura não é barata, e a gente precisa
conseguir apoio e financiamento para construir e manter essa estrutura”, disse Ernesto Goulart.
Segundo
Ernesto, é preciso garantir que aquele órgão ou tecido do animal esteja em um
grau de segurança compatível com sua utilização final, ou seja, transplante em
seres humanos. Por isso, o espaço deve garantir o controle de qualidade, a fim
de evitar contaminações que possam causar doenças nos pacientes. “Esses
animais, logo após o nascimento, seriam mantidos dentro dessa estrutura que nós
chamamos de limpa até alcançarem o peso ideal para coleta do material a ser estudado.
”
Falta de
órgãos
O Brasil tem
o maior sistema público de transplantes do mundo, em número absoluto, o país
fica atrás dos Estados Unidos, segundo informações do Ministério da Saúde.
Cerca de 90% dos transplantes de órgãos (coração, pulmão, fígado, rim e
pâncreas), realizados no país, são financiados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). No caso dos transplantes de medula óssea, essa porcentagem fica em torno
de 71% e no de córneas em 60%.
O valor
gasto para transplantes, em 2020, foi de R$ 912,6 milhões. Em 2019, ultrapassou
R$ 1 bilhão. Ainda assim, o Ministério da Saúde informou que, em relação à
lista de espera, 53.783 pessoas aguardam atualmente na fila por um órgão no
Brasil.
O líder da
pesquisa na USP, Silvano Raia, explicou que há um crescimento na desproporção
entre o número de pessoas que precisam de transplante e a quantidade de órgãos
disponível. Para suprir a falta de órgãos e tecidos, pesquisadores de diversos
países têm estudado alternativas.
Para
contornar essa dificuldade, Raia afirma que pesquisadores têm procurado os
chamados órgãos adicionais. “São órgãos
que não vem de cadáver humano, nem eventuais doadores vivos humanos, mas sim de
outra fonte. Entre os métodos que estão sendo testados e procurados, o que
melhor resultado tem tido são os xenotransplantes [transplante entre duas
espécies diferentes].”
Fisiologia
parecida
Como os
porcos têm a fisiologia mais parecida com a dos humanos, eles são considerados
uma opção promissora como doadores, além de terem reprodução fácil, período de
gravidez curto e ninhadas numerosas. No entanto, os suínos são diferentes dos
humanos em aspectos imunológicos e, por isso, houve a necessidade de modificar
os genes dos animais para evitar uma rejeição aguda nos xenotransplantes,
conforme reforçou Raia.
De acordo
com o cirurgião, a previsão é que haja testes em pessoas com morte cerebral e,
depois, o transplante de rim suíno possa ser feito em pacientes que estejam
fazendo hemodiálise e que não tenham possibilidade se receber o órgão de doador
humano vivo compatível. Além disso, o tempo previsto para este paciente receber
o órgão pela fila de transplantes deverá ser maior do que sua expectativa de
vida em hemodiálise.
“Então eles dependem exclusivamente
de uma solução nova. Eles, [sendo] informados, se concordarem, receberão um
transplante de suíno. Agora, se esse transplante de suíno não evoluir bem, nós
retiramos o enxerto, devolvemos o paciente para hemodiálise e ele fica
esperando um transplante clássico, o transplante humano-humano, porém com
prioridade [na fila] que ele não tinha antes”, explicou Raia sobre os critérios definidos até o
momento para o andamento dos estudos.
*Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-10/pesquisadores-da-usp-planejam-testes-para-usar-rim-suino-em-humanos
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