Agência Brasil |
Começa hoje (25) no Instituto Luiz Braille do Espírito Santo,
em Vitória (ES), curso de fotografia para pessoas cegas. Maior nome da
fotografia feita por pessoas com deficiência visual no Brasil e duas vezes
fotógrafo oficial dos Jogos Paralímpicos, João Maia considera válido o projeto
que formará, de uma só vez, 12 fotógrafos.
A maioria das 12 pessoas cegas que participarão da
experiência é formada por alunos de canto e teatro do projeto Cena Diversa, do
coletivo Companhia Poéticas da Cena Contemporânea, que trabalha com cinema,
teatro, fotografia e vídeo. O projeto foi idealizado e proposto por Rejane
Arruda, presidente da Associação Sociedade Cultura e Arte (SOCA Brasil) e
diretora do coletivo e da Escola de Fotógrafos Cegos (EFC). O projeto tem
patrocínio da ES Gás, por meio da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba.
O curso terá duração de oito meses e incluirá oito módulos do ensino da fotografia, com oficinas, aulas, debates e imersão dos participantes na captação de imagens. “O nosso objetivo é a transmissão do olhar e da poética de uma fotografia contemporânea para eles. A gente aposta nessa transmissão de uma poética visual para essas pessoas que nunca enxergaram imagens”, disse Rejane. As aulas serão às quintas e sextas-feiras, com o acompanhamento de uma equipe composta por quatro fotógrafos.
Serão feitas muitas descrições, procedimentos práticos, nos
quais elementos como o toque, a vivência no espaço, metáforas, serão usados
para transmitir essa poética aos alunos, “até o ponto de, ao fim dos oito
meses, eles se tornarem autônomos e conseguirem construir os próprios
dispositivos para a experiência fotográfica”, esclareceu Rejane.
Inclusão
A SOCA Brasil trabalha com inclusão desde 2019. Rejane
comentou que as 12 pessoas selecionadas nunca haviam pensado antes em fazer
fotografia e, muito menos, em se transformar em fotógrafos. “A ideia é formar
12 fotógrafos cegos. É que eles percebam o que opera uma poética da imagem, por
meio da escrita fotográfica, e os próprios dispositivos para que, ao fim do
curso, tenham autonomia. Aos poucos, vão percebendo que cada um pode ter um
estilo, como autor de uma obra. A meta é a imagem como obra. Não uma fotografia
instrumental, mas fotografia arte. A gente aposta que eles são bons
contribuintes, bons artistas, exatamente por não enxergarem. Essa é a hipótese
do projeto. Porque não enxergam, eles fotografam melhor do que a gente. Eles
têm uma imprevisibilidade no olhar. Isso gera bons produtos, boas estéticas”,
disse a presidente da SOCA Brasil.
Os 12 alunos receberão, durante o curso, bolsa no valor de R$
360 por mês, concedida pela ES Gás. Os futuros fotógrafos farão uma itinerância
por espaços urbanos onde moram, que frequentam, onde circulam, para trabalhar
com a cidade. “A cidade vai ser clicada no cotidiano dos alunos”, informou
Rejane Arruda. A curadora Bárbara Bragato selecionará 32 fotografias de toda a
produção feita ao longo do curso, para estampar estruturas cúbicas que serão
espalhadas pelo Parque do Moscoso, em Vitória. Com o título “Quando Fecho os Olhos
Vejo Mais Perto”, a exposição ficará aberta ao público durante um ano, a partir
de junho de 2023.
Referência
Referência nacional na fotografia para deficientes visuais,
João Maia participará de um bate-papo com os futuros fotógrafos, em data a ser
agendada. Em entrevista à Agência Brasil, Maia reiterou a validade da Escola de
Fotógrafos Cegos, “porque o conhecimento tem que ser compartilhado. Se você
tiver uma metodologia que agregue conhecimento, é muito importante para as
pessoas com deficiência”.
Atualmente, João Maia dá oficinas de fotografia para pessoas
com e sem deficiência, inclusive no exterior. “Temos que democratizar a
fotografia”. Ele lembrou que, hoje, os ‘smartphones’ têm acessibilidade e as
câmeras dos celulares são muito mais acessíveis do que as profissionais.
“Então, mexemos aí com muita autonomia”. Isso não significa, entretanto, que
uma pessoa com deficiência visual não consiga operar um equipamento profissional.
Considerou que ações como a da Escola de Fotógrafos Cegos da
SOCA Brasil são “importantíssimas”. João Maia está concluindo, no momento,
pós-graduação em fotografia. "Acho que em qualquer espaço posso estar”.
Para ele, cabe ao professor quebrar paradigmas e se adaptar às necessidades de
qualquer aluno com deficiência visual. “São sempre válidas as ações que trazem
conhecimento para pessoas com deficiência”. Destacou que, no decorrer da
experiência, se alguém quiser investir mais em sua capacitação, fazendo um
curso técnico, bacharelado ou pós-graduação, esse aluno com deficiência deve
ficar à vontade, porque não existem barreiras. “Barreiras eu encontro todo dia
no meu caminho, mas se eu for me preocupar com essa barreira, não vou crescer
profissionalmente. Hoje, não paro de estudar porque o conhecimento é que vai me
diferenciar de qualquer outra pessoa, com ou sem deficiência”.
Emoção
João Maia enxerga cores pelo olho esquerdo. Até 15
centímetros, ele consegue perceber o que tem à frente, embora sem formato.
Quanto mais se distancia, porém, mais perde a definição do que está ali. Quando
viaja para cobrir uma Paralimpíada, como ocorreu na edição de 2020 no Japão,
realizada em 2021, Maia leva sempre um assistente para guiá-lo, descrever o
ambiente. Mas toda a concepção da imagem e do que ele quer transmitir em termos
de emoção é de responsabilidade exclusiva sua. “Eu sou responsável por isso”.
A emoção e o som, a comunicação entre os atletas, as equipes,
são transformados por Maia em imagens, como ocorreu na final do futebol de 5
nas Paralimpíadas de Tóquio, entre Brasil e Argentina. “Minha fotografia é
muito sonora e eu tento traduzir toda essa emoção em minhas imagens. Eu fico
feliz quando a gente tem ações que possibilitam à pessoa com deficiência sair
de sua zona de conforto. Nada impede que uma pessoa com deficiência visual
fotografe para seu lazer ou possa, inclusive, ser um fotógrafo profissional.
Fiquei muito feliz de saber que o meu trabalho é referência no país e fora
dele. Hoje, sou um fotógrafo especializado em esporte paralímpico. Esse é o meu
diferencial”.
Na avaliação de João Maia, a fotografia nada mais é do que
emoção. “É memória, é algo que te traz sentimentos. É usar os outros sentidos
que estão tão aguçados, como audição, tato, olfato, paladar. A fotografia é
isso”, afirmou.
João Maia é considerado referência na lista de fotógrafos
cegos, onde estão também, entre outros nomes, o esloveno naturalizado francês
Evgen Bavcar, professor de Estética na Universidade de Sorbonne e que já expôs
em vários museus pelo mundo; e o americano Pete Eckert, que fez trabalhos para
a Volkswagen e a Playboy, além do autoral que o fez reconhecido
internacionalmente com as suas light paintings (fisiogramas ou pinturas de
luz).
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