Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP)
desenvolveram um modelo robotizado para automatizar o processo de análise da
água após o tratamento do esgoto sanitário, aumentando a precisão dos
resultados e reduzindo o uso de solventes tóxicos e caros.
O trabalho foi conduzido no Instituto de Química de São
Carlos (IQSC-USP) durante o doutorado de Marcio David Bocelli, com apoio da
FAPESP e orientação do professor Álvaro José Santos-Neto. Os resultados foram
publicados na revista Electrophoresis.
O objetivo do grupo foi identificar nas amostras de água
tratada a presença de parabenos – classe de conservantes amplamente usada em
produtos alimentícios e de higiene pessoal. Além de causar alergias em algumas
pessoas, há evidências de que os parabenos possam interagir com receptores de
hormônios, causando desregulação endócrina tanto no organismo humano –
supostamente contribuindo para o surgimento de câncer – quanto no de animais
aquáticos.
“A água contaminada por esses compostos passa pela estação de
tratamento de esgoto, mas, quando esse tratamento não remove os parabenos, eles
podem contaminar os rios e mananciais. A técnica de análise da água em si já
existe, mas é manual e depende muito da habilidade do analista. Alguns dos
nossos alunos demoram quase um ano para dominá-la, por isso buscamos a
automatização do processo”, explica Santos-Neto.
O grupo recorreu a uma técnica conhecida como “microextração
em gota única”, que extrai poluentes das amostras por meio de seringas que,
neste caso, são automatizadas. O robô e o dispositivo que permite a
estabilização e a inserção dessas gotas na amostra estão em processo de
patenteamento. A ferramenta possibilita realizar cada análise com apenas uma
gota de solvente. Além de reduzir os custos, aumenta a segurança dos profissionais
que atuam em laboratório.
“Hoje, quase a totalidade das análises é feita por métodos
tradicionais, que gastam muitos litros de solventes tóxicos, dispendiosos. Para
que o projeto se torne uma realidade, deve haver uma mudança de paradigma. E
isso depende de como as instituições e a iniciativa privada vão enxergar isso.
É preciso que entendam os benefícios associados à miniaturização e robotização,
principalmente no que se refere à redução de custos e à preservação do meio
ambiente”, ressalta Bocelli.
Processo de
análise
A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Projeto Temático
“Cromatografia líquida em uma gota e seu acoplamento com espectrometria de massas: estratégias instrumentais, desenvolvimento de materiais, automatização e aplicações analíticas”, coordenado pelo professor Fernando Mauro Lanças,
também do IQSC-USP. Participaram Deyber Arley Vargas Medina, que também é
financiado pela FAPESP, e Julie Paulin García Rodriguez – ambos da USP.
De acordo com Santos-Neto, um dos principais objetivos do
grupo é a criação de novos equipamentos que auxiliem nas rotinas de análises
químicas. Os parabenos foram um dos focos em razão dos possíveis riscos que
representam à saúde humana e animal.
Santos-Neto ressalta que ainda é preciso avançar em
diferentes áreas da ciência para demonstrar a relação dessas substâncias com o
desenvolvimento de câncer, mas o fato é que os parabenos podem se comportar
como poluentes e, portanto, é preciso encontrar alternativas para diminuir seu
impacto na natureza.
“Existem casos em que os processos de tratamento removem os
contaminantes de fato. A água sai descontaminada de uma série de
micropoluentes. E há compostos que são parcialmente removidos. O quanto isso é
impactante? É o que os estudos estão tentando descobrir. Há um processo de
diluição muito grande quando a água tratada é devolvida aos rios. Mas a
exposição de maneira crônica, mesmo em um nível muito baixo, também pode levar
a problemas”, afirma Santos-Neto à Agência FAPESP.
Diferenciais
do sistema robotizado
O equipamento foi criado para ajudar a monitorar a qualidade
da água, determinando quanto ainda resta deste e de outros componentes no
esgoto após o tratamento e ajudando a extraí-los das amostras que serão
analisadas. Para isso, conta com um sistema automatizado desenvolvido a partir
de um Arduino – plataforma de prototipagem eletrônica de hardware livre.
Segundo Santos-Neto, essa mesma abordagem pode ser aplicada para analisar
outros poluentes.
O protótipo do robô que extrai parabenos e outros componentes
em escala de bancada está pronto, mas serão necessários novos investimentos
após a aprovação das patentes para possibilitar o desenvolvimento comercial.
“Nós provamos o conceito, o robô funciona. Agora precisamos
que as empresas se interessem”, destaca o orientador do trabalho.
O artigo Determination of parabens in wastewater samples via
robot-assisted dynamic single-drop microextraction and liquid
chromatography–tandem mass spectrometry pode ser lido em:
https://analyticalsciencejournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/elps.202100390.
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