Mais de 70% dos municípios não têm ensino da história afro-brasileira - Ensino para o combate ao racismo nas escolas é obrigatório
Sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas, conforme pesquisa divulgada nesta terça-feira (18), em Brasília, pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.
O estudo ouviu, em 2022, gestores de 1.187 secretarias
municipais de educação, o que corresponde a 21% das redes de ensino dos
municípios, sobre o cumprimento da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o
ensino para o combate ao racismo nas escolas há 20 anos.
Os municípios são os principais responsáveis pela educação
básica. Do total, constatou-se que 29% das secretarias têm ações consistentes e
perenes de atendimento à legislação; 53% fazem atividades esporádicas, projetos
isolados ou em datas comemorativas, como no Dia da Consciência Negra (20 de
novembro); e 18% não realizam nenhum tipo de ação. As secretarias que não
adotam nenhuma ou poucas ações, juntas, somam 71%.
“Os municípios alegam como principais desafios para
implementação da lei a ausência de apoio de outros entes governamentais e a
falta de conhecimento de como aplicar a legislação. Há indicação do baixo
engajamento ou a resistência de profissionais a esse tema. Temos algumas
frentes que a gente pode incidir para implementação da lei”, explica a analista
de políticas públicas do Instituto Alana, Beatriz Benedito.
Para os institutos, os dados mostram a necessidade de
compromisso político para a norma ser efetivada, como ocorre nos municípios com
ações estruturadas, em que há, por exemplo, regulamentos locais, recursos no
orçamento, presença de equipe técnica dedicada ao tema e planejamento anual das
atividades.
“[O resultado da pesquisa] mostra que não se leva a sério uma
legislação, uma política pública. É compreensível que enfrentamos período longo
sem investimento na área, o que não pode ser visto como justificativa. Não dá
para ter uma educação de qualidade se não pensar em um ensino antirracista, uma
sociedade mais justa, se não tiver uma educação
antirracista”, argumenta a sócia e consultora em Educação de
Geledés, Tânia Portella.
Temáticas
Segundo a pesquisa Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias
Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e
afro-brasileira, 42% dos órgãos responderam que os profissionais têm
dificuldade em aplicar o ensino nos currículos e nos projetos e 33% disseram
não ter informações suficientes a respeito da temática. Quanto à periodicidade
das atividades, 69% declararam realizar a maior parte dos eventos em novembro,
mês do Dia da Consciência Negra.
A maioria dos gestores considera a diversidade cultural,
literatura e alimentação como os temas mais importantes a serem tratados no
ensino da história afro-brasileira.
Na avaliação de Tânia Portella, os temas (música, danças,
culinária) são interessantes para aguçar a curiosidade dos estudantes, mas as
atividades curriculares não devem ser limitadas a esse enfoque.
“As participações ficam somente nessa linha de abordagem. A
população negra contribuiu muito mais, na tecnologia, na escrita. Isso diz
muito sobre hierarquização de saber e relações de poder”, explica. “É preciso
lidar com entendimento de porque temos uma sociedade racista, a juventude negra
é morta, mulheres negras morrem mais no parto que brancas. Tudo está vinculado
a fazer uma abordagem na escola, precisa ser problematizado também nas
escolas”, acrescenta.
Para a consultora Beatriz Benedito, são temas que despertam o
diálogo e contribuem para formação de autoestima de crianças e adolescentes
negros, “que muitas vezes nas escolas só se veem na disciplina de história,
quando se fala da escravização. Mas a gente também reforça a importância de se
discutir relações de poder, constituição de privilégios, reforçar em seus
processos de ensinamento e práticas escolares noções que permitam que a
reflexão avance”, afirma.
O que diz a
Lei 10.639/03
A lei alterou as diretrizes e bases da educação nacional para
a inclusão obrigatória do ensino da história e cultura afro-brasileira na rede
pública e particular de ensino fundamental e médio.
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