Caso Samarco: mineradoras propõem mais R$ 90 bi para reparar danos - Rompimento de barragem ocorreu há oito anos; 19 pessoas morreram
A mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton
propuseram aportar mais R$ 90 bilhões no processo de reparação dos danos
causados pelo rompimento da barragem, ocorrido em 2015 no município de Mariana
(MG). Desse total, R$ 72 bilhões seriam repasses em dinheiro, que seriam
realizados ao longo de um período a ser determinado. Outros R$ 18 bilhões
seriam para custear medidas a serem implementadas pela própria Samarco.
A tragédia ocorreu em 5 de novembro de 2015, quando cerca de
39 milhões de metros cúbicos de rejeito escoaram pela Bacia do Rio Doce.
Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de
municípios até a foz no Espírito Santo.
Negociações para uma repactuação do acordo de reparação dos
danos se arrastam há mais de dois anos. As tratativas buscam solução para diversos
problemas até hoje não solucionados. Passados mais de oito anos do episódio,
tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos entre ações civis
públicas, ações coletivas e individuais.
Além das mineradoras, a mesa de negociação é composta pelo
governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, pelo
Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União, além dos
ministérios públicos e das defensorias públicas dos dois estados atingidos. Até
o fim do ano passado, as mineradoras propunham destinar apenas R$ 42 bilhões
para as medidas reparatórias. As cifras apresentadas estavam bem abaixo dos R$
126 bilhões pleiteados pelos governos e pelas instituições de Justiça.
A nova proposta das mineradoras foi confirmada pela Vale em
comunicado ao mercado divulgado nessa segunda-feira (29). De acordo com o
texto, a proposta totaliza R$ 127 bilhões. Esse valor inclui, além dos R$ 90
bilhões em novos aportes, mais R$ 37 bilhões que teriam sido investidos na
reparação até março deste ano.
Se esse cálculo for considerado, a proposta atenderia às
expectativas dos governos e das instituições de Justiça. No entanto, ainda não
houve manifestações dos demais participantes da mesa de negociação.
A proposta prevê que todos os novos recursos sejam aportados
pela Samarco. Caso ela enfrente alguma dificuldade de financiamento, a Vale e a
BHP Billiton são indicadas como devedores secundários e dividiriam, de forma
igualitária, a responsabilidade pelos pagamentos. Ou seja, cada uma assumiria a
obrigação de arcar com 50% dos valores.
Os novos valores propostos pelas mineradoras vêm a público
pouco mais de três meses após sofrerem uma derrota em âmbito judicial. Diante
das dificuldades para o fechamento de um acordo de repactuação, as instituições
de Justiça, lideradas pelo MPF, vinham pleiteando desde o ano passado que fosse
julgada parte dos pedidos formulados em ações civis públicas que buscam a
reparação. A expectativa era de que houvesse uma decisão final ao menos para
determinadas questões, envolvendo inclusive indenizações.
O pedido foi parcialmente atendido: em janeiro deste ano. A
Justiça Federal condenou a Samarco, a Vale e a BHP a pagar R$ 47,6 bilhões para
reparar os danos morais coletivos causados pelo rompimento da barragem. As mineradoras
recorrem da decisão. Caso seja celebrado o acordo de repactuação, essa decisão
poderá ser revertida, pois devem ser incluídas cláusulas nas quais as partes
desistem de ações judiciais em andamento.
Entidades que representam os atingidos não foram chamadas
para participar das negociações. Críticos da nova proposta das mineradoras,
elas avaliam que concretamente se trata de R$ 72 bilhões em dinheiro, o que
seria insuficiente para cobrir a reparação integral dos danos causados. O
Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) manifestou a expectativa de que a
oferta seja recusada pelos governos e pelas instituições de Justiça. A entidade
considera que caso seja feito um novo acordo de cúpula, sem participação das
vítimas, não será possível resolver os principais problemas.
Descontentes com o processo reparatório no Brasil, cerca de
700 mil atingidos acionaram as cortes no Reino Unido. Eles processam a BHP
Billiton, que tem sede em Londres. O escritório de advocacia Pogust Goodhead,
que os representa, divulgou nota que coloca em dúvida se a nova oferta das
mineradoras incluiria as indenizações individuais das vítimas. O texto traz uma
manifestação de Tom Goodhead, CEO do escritório. "Não resolve os processos
movidos por quase 700 mil vítimas em Londres. As vítimas foram excluídas desse
processo e a oferta não atende às suas demandas por justiça".
Fundação
Renova
Para reparar os danos causados na tragédia, as três
mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito
Santo firmaram termo de transação e ajustamento de conduta (TTAC) em 2016. Ele
estabeleceu as diretrizes para a criação da Fundação Renova, atualmente
responsável por administrar uma série de programas que tratam de temas diversas
como as indenizações, o reassentamento dos desabrigados, o reflorestamento, a
qualidade da água, entre outros. Todas as iniciativas devem ser custeadas com
recursos da Samarco, da Vale e da BHP Billiton. Críticos desse acordo, o MPF e
as demais instituições de Justiça não assinaram.
No decorrer dos anos, as críticas à atuação da Fundação
Renova foram crescendo. Entidades que representam os atingidos e as diferentes
instituições de Justiça consideram insatisfatórias as medidas tomadas até o
momento e cobram revisão do acordo em vigor. O andamento dos programas de
reparação também passou a ser alvo de críticas do governo federal e dos
governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.
O MPMG chegou a pedir judicialmente a extinção da entidade,
alegando que ela não goza da devida autonomia frentes às mineradoras. A
morosidade de alguns programas motiva diferentes questionamentos aos tribunais.
A reconstrução das duas comunidades destruídas em Mariana, por exemplo, até
hoje não foi totalmente concluída. Questões envolvendo as indenizações por
danos morais e materiais e a recuperação ambiental também geram discordâncias
em processo judiciais.
Na semana passada, a Justiça Federal encerrou uma das
divergências e reconheceu cinco municípios do litoral do Espírito Santo como
atingidos pela tragédia. Os impactos nessas cidades já haviam sido atestados
pelo Comitê Interfederativo (CIF), composto por órgãos ambientais estaduais e
federais sob a coordenação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais (Ibama). Cabe a ele definir diretrizes para a reparação e
fiscalizar a Fundação Renova, tal como previsto no TTAC.
O acordo firmado em 2016 nomeou 39 municípios. Mas, com base
em estudos e em uma cláusula que mencionava danos nas áreas estuarinas,
costeira e de marinha, o CIF deliberou pela inclusão dos cinco municípios
capixabas. Diante da contestação das mineradoras, o caso foi parar nos
tribunais. Com a decisão que legitima a deliberação do CIF, as medidas
reparatórias promovidas pela Fundação Renova deverão ser estendidas para os
novos municípios: São Mateus, Linhares, Aracruz, Serra e Conceição da Barra.
No comunicado ao mercado, a Vale afirmou que a reparação é
prioridade para as três mineradoras e alega que, por meio da Fundação Renova,
R$ 17 bilhões foram pagos a mais de 430 mil pessoas. Segundo a mineradora, esse
valor inclui gastos com indenizações individuais e auxílios financeiros
emergenciais. "Além disso, aproximadamente 85% dos casos de reassentamento
para comunidades impactadas pelo rompimento da barragem da Samarco foram
concluídos", afirma a empresa.
Repactuação
Ao longo do ano passado, as partes envolvidas nas negociações
de repactuação chegaram a avançar no texto. Havia crença em um desfecho, mas a
divergência em torno dos valores impediu o consenso. Em audiência pública
realizada em dezembro na Câmara dos Deputados, a defensora pública da União,
Isabela Karen Araújo Simões, explicou que o montante de R$ 126 bilhões pedido
às mineradoras era resultado de avaliações técnicas e fruto de debate com
especialistas em mineração, em meio ambiente, em saúde, entre outras áreas.
"Não são valores chutados e não são irresponsáveis. E
sequer são valores que vão efetivamente reparar todos os danos porque eu acho
que eles são irreparáveis. Mas são valores para mitigar os danos". Na
ocasião, a contraproposta de R$ 42 bilhões oferecida pelas mineradoras foi
criticada por Junior Divino Fideles, adjunto do advogado geral da União.
"É vergonhosa e desrespeitosa com o Poder Público", definiu.
Mas se havia um entrave em torno dos valores, de outro lado
Fideles confirmou que já havia consenso em torno das cláusulas da nova
proposta. Para os participantes da audiência pública, o novo acordo trata de
temas como o fortalecimento do sistema de saúde pública da região atingida, a
responsabilidade das mineradoras na retirada dos rejeitos, a realização de
obras de infraestrutura e de saneamento básico, a condução de estudos para
aferir a contaminação do meio ambiente e o pagamento de auxílio financeiro
emergencial.
Além disso, define que uma parte do valor seja empregada
conforme deliberação das pessoas atingidas. Também já há consenso para a
criação de um conselho de participação social a fim de acompanhar a execução do
novo acordo, bem como de um Portal da Transparência.
As tratativas têm ocorrido em reuniões sigilosas. O MPMG e o
MPF afirmam manter diálogo com as comunidades locais para encontrar soluções
que os contemplem, mas entidades que representam os atingidos fazem críticas.
"O pessoal confunde falar com participar. Participar é sentar à mesa,
discutir a pauta, levando os problemas da comunidade e da Bacia do Rio
Doce", disse Simone Maria da Silva, integrante da comissão de atingidos da
cidade de Barra Longa (MG), durante audiência pública realizada em 2022 pela
Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
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