Essequibo: Itamaraty ainda avalia posição do Brasil após Maduro promulgar incorporação - Disputa entre Venezuela e Guiana é vista como 'teste' para a diplomacia brasileira. Na última semana, controvérsias sobre eleições venezuelanas abalaram relação entre Lula e Maduro.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil avalia, desde
a noite desta quarta-feira (3), como o país vai se posicionar em relação à
decisão do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, de promulgar a lei que
incorpora à Venezuela o território de Essequibo.
Internacionalmente, esse território é reconhecido como sendo
da Guiana. A disputa pela terra se arrasta há mais de 100 anos.
A avaliação inicial de diplomatas ouvidos pela GloboNews é de
que o Brasil não poderá adotar o silêncio. A disputa por Essequibo é
considerada um "teste" para a política externa do governo Lula.
A análise do Itamaraty passa, por exemplo, pelo acordo que
havia sido firmado por Guiana e Venezuela em uma reunião em São Vicente e
Grenadinas, em dezembro.
O acerto entre Nicolás Maduro e o presidente da Guiana,
Irfaan Ali, previa que não houvesse ações ou palavras que resultassem em uma
escalada do conflito – o exato oposto do que Maduro faz ao promulgar uma
"incorporação" de Essequibo à Guiana.
"Como facilitadores do diálogo previsto pelas partes no
acordo de São Vicente e Granadinas, temos que avaliar cada passo", afirmou
à GloboNews um diplomata.
O papel do
Brasil na disputa
O Brasil não participou dessa reunião em São Vicente e
Granadinas e não foi apontado formalmente como negociador da disputa, mas é
visto como um ator importante no debate – é o maior país do continente e faz
fronteira com Guiana e Venezuela.
A proximidade entre Lula e Maduro, outro trunfo para o Brasil
como negociador, sofreu abalos recentes.
Na última semana, o Itamaraty emitiu nota com duras críticas
e Lula chamou de "grave" o fato de uma das principais candidaturas de
oposição ao regime de Maduro, Corina Yoris, não ter sido registrada para as
eleições. A chapa acusa o governo venezuelano de ter sabotado a inscrição.
"Eu fiquei surpreso com a decisão. Primeiro a decisão
boa, da candidata que foi proibida de ser candidata pela Justiça [María Corina
Machado], indicar uma sucessora [Corina Yoris]. Achei um passo importante.
Agora, é grave que a candidata não possa ter sido registrada", disse Lula.
Internamente, políticos acusaram Lula de "pegar
leve" com Maduro nesse episódio. A simples existência das críticas, no
entanto, marca uma mudança na posição do presidente brasileiro – que recebeu
Maduro em Brasília, em 2023, e chegou a relativizar a ditadura venezuelana.
Lei
promulgada
A lei começou a ser discutida pela Assembleia Nacional da
Venezuela no fim de 2023. À época, o país realizou um referendo ao qual 95% dos
eleitores votaram a favor de que o país incorpore Essequibo ao mapa
venezuelano.
O texto chamado de "Lei Orgânica para a Defesa de
Essequibo" tem 39 artigos e regulamenta a fundação do estado da
"Guiana Essequiba".
Um dos artigos da lei também impede que apoiadores da posição
do governo da Guiana ocupem cargos públicos ou concorram a cargos eletivos. Em
tese, esse dispositivo cria uma barreira para qualquer pessoa que adotar
medidas contrárias à anexação do território de Essequibo pela Venezuela.
Além disso, a lei também proíbe a divulgação do mapa político
da Venezuela sem a inclusão do território de Essequibo.
Durante a cerimônia de promulgação da lei, Maduro afirmou que
o texto aprovado pela Assembleia Nacional foi ratificado pela Corte Suprema da
Venezuela e que será cumprido ao "pé da letra" para defender o
território venezuelano no cenário internacional. Maduro também afirmou que
bases militares secretas do Comando Sul e da Agência de Inteligência dos
Estados Unidos foram instaladas em Essequibo, com o objetivo de atacar a
Venezuela.
Até a última atualização desta reportagem o governo da Guiana
não havia se pronunciado sobre o assunto.
Acordo
Em dezembro de 2023, Guiana e Venezuela assinaram um acordo
proibindo ameaças e o uso da força no conflito envolvendo Essequibo. Entre os
pontos acordados pelos dois países estão:
- A resolução de controvérsias de acordo com o que rege o
direito internacional.
- O comprometimento em buscar coexistência pacífica e unidade
da América Latina e Caribe.
- A ciência sobre a controvérsia envolvendo a fronteira e a
decisão do Tribunal Internacional de Justiça sobre o tema.
- A continuidade do diálogo sobre questões pendentes.
- A obrigação em se abster de palavras ou ações que resultem
em escalada do conflito.
- Criação de uma comissão conjunta com ministros das Relações
Exteriores para tratar questões mutuamente acordadas.
O acordo também estabeleceu um novo encontro para discutir o
assunto no Brasil.
Disputa
O território de Essequibo é disputado por Venezuela e Guiana
há mais de 100 anos. Desde o século 19, a região estava sob controle do Reino
Unido, que adquiriu o controle da Guiana em um acordo com a Holanda. A área
representa 70% do atual território da Guiana, e lá moram 125 mil pessoas.
Na Venezuela, a área é chamada de Guiana Essequiba. É um
local de mata densa e, em 2015, foi descoberto petróleo na região.
Estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de
barris, sendo que a parte mais significativa é "offshore", ou seja,
no mar, perto de Essequibo. Por causa do petróleo, a Guiana é o país
sul-americano que mais cresce nos últimos anos.
Tanto a Guiana quanto a Venezuela afirmam ter direito sobre o
território com base em documentos internacionais:
- A Guiana afirma que é a proprietária do território porque
existe um laudo de 1899, feito em Paris, no qual foram estabelecidas as
fronteiras atuais. Na época, a Guiana era um território do Reino Unido.
- Já a Venezuela afirma que o território é dela porque assim
consta em um acordo firmado em 1966 com o próprio Reino Unido, antes da
independência de Guiana, no qual o laudo arbitral foi anulado e se
estabeleceram bases para uma solução negociada.
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