Governo brasileiro endossa tese de imunidade que pode permitir vinda de Putin ao Brasil - Putin avalia desembarcar no Rio em novembro, para participar da Cúpula do G20, mesmo sendo alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por causa da guerra na Ucrânia
O governo brasileiro levantou e endossou a tese da imunidade
de chefes de Estado, que pode abrir caminho para a presença do presidente
russo, Vladimir Putin, no Brasil. A convite do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, Putin avalia desembarcar no Rio em novembro, para participar da Cúpula
do G20, mesmo sendo alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo
Tribunal Penal Internacional (TPI), por causa da guerra na Ucrânia. Como o
Brasil faz parte do tratado do TPI, em tese, deveria cumprir a ordem de prender
Putin, mas o governo resiste. Os dois principais auxiliares do presidente na
definição dos rumos da política externa, o ministro Mauro Vieira (Relações
Exteriores) e o ex-chanceler Celso Amorim (chefe da Assessoria Especial da
Presidência da República) já expressaram em entrevistas recentes que Putin é
bem-vindo e poderia estar protegido por algum grau de imunidade para chefes de
Estado. O posicionamento do governo brasileiro está em um documento remetido às
Nações Unidas.
O assunto da imunidade de chefes de Estado e outras
autoridades será mais uma vez alvo de discussão na 75ª sessão da Comissão de
Direito Internacional, entre 29 de abril e 31 de maio e de 1º de julho a 2 de
agosto. O caso de Putin no G20 se encaixa no debate, embora não seja mencionado
no documento, nem alvo direto do debate – o colegiado não aprecia um caso em
concreto. O colegiado debate a elaboração de uma norma sobre o assunto. O
alcance da “Imunidade de Autoridades de Estado à Jurisdição Criminal
Estrangeira” vem sendo debatido longamente na comissão. Em 2007, passou a ser
um tópico permanente da agenda de debates, por decisão da Assembleia Geral. No
entanto, é a primeira vez que o Brasil envia um posicionamento, conforme um
sumário das Nações Unidas.
A existência do documento, produzido em novembro de 2023, foi
revelada pela Folha de S. Paulo. No texto, o governo expressa que a imunidade é
“essencial para promover a solução pacífica de controvérsias internacionais e
relações amistosas entre Estados, inclusive ao permitir que autoridades de
Estado participem de conferências diplomáticas e missões em países
estrangeiros”. A diplomacia brasileira também expressa um argumento que vem sendo
usado por Moscou, o da “politização” das cortes e conferências multilaterais
internacionais. Segundo o governo Lula, a imunidade impede o exercício
“abusivo, arbitrário e politicamente motivado” da jurisdição penal contra
representantes de Estados.
O cerne do argumento usado pelo Brasil é que os mandados de
prisão do TPI devem alcançar somente os países que façam parte do tratado, bem
como representantes desses países. “É uma norma básica do direito internacional
geral, codificada no artigo 34 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, que ‘um tratado não cria obrigações ou direitos para um terceiro
Estado sem o seu consentimento'”, argumenta o governo brasileiro. A Rússia
assinou a fundação do TPI, em 2000, mas retirou sua participação em 2016, por
causa de manifestações da Corte a respeito da invasão da Crimeia, em 2014.
Politicamente, a possibilidade de prisão do Putin no Brasil é considerada
remota, por causa das implicações geopolíticas e diplomáticas da detenção do
líder da segunda maior potência militar do planeta, detentora de armas
nucleares e envolvida diretamente em uma guerra.
O TPI ordenou a prisão de Putin em 27 de março do ano
passado, por crime de guerra cometido, em tese, na deportação ilegal, para a
Rússia, de crianças ucranianas desde o território invadido e ocupado pelas
tropas de Moscou. Presidente da Corte, o juiz polonês Piotr Hofmanski afirmou
na ocasião que a efetiva prisão do líder russo dependia da colaboração dos
países. “O TPI está fazendo a sua parte no trabalho. Como um tribunal de
justiça, os juízes expediram o mandado de prisão. A execução desse mandado
depende da colaboração internacional”, afirmou Hofmanski.
O mandado de prisão de Putin, expedido pelo TPI, tem afastado
o presidente da Rússia de circulação internacional. Desde a guerra na Ucrânia,
ele passou a se ausentar de participar de cúpulas de chefes de Estado. Embora a
Índia e a Indonésia não sejam parte do TPI, o russo deixou de ir às cúpulas do
G20 em Nova Délhi (2023) e Bali (2022). No ano passado, desistiu de comparecer
à reunião do Brics em Johannesburgo, porque a África do Sul é signatária do
TPI. A ida de Putin gerava longa controvérsia entre os sul-africanos. Lula, por
sua vez, confirmou que irá à reunião do Brics em Kazã, na Rússia, em outubro
deste ano. Em setembro de 2023, no G20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a
uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no País. Depois, em entrevista
coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no
País e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.
O governo brasileiro tem objetado tentativas de países
aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7,
de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e,
em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões
no ano passado. Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a
possibilidade de reavaliar a participação no Estatuto de Roma, que criou o TPI,
por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de
Celso Amorim. “Conheci o Putin no G7, no G20, na ONU. Nós fazemos partes de
várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de
muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte”, argumentou
Lula, na quinta-feira, dia 28. “Faz parte do processo democrático conviver
democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de
países, e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país,
criticando o que não concorda.”
Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia
afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros
ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria
ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o
presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade
pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24
de fevereiro de 2022. Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus
incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula
vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista
fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito. Na
semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo “nervosismo” dos
europeus com Putin e disse que os “bicudos vão ter de se entender”. O
presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa
eleição controlada que foi alvo de contestação internacional.
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