Fapesp: estudo mostra como agrotóxicos afetam abelhas nativas - Insetos apresentaram alterações morfológicas e comportamentais que podem levar a enfraquecimento de colmeias, comprometendo polinização
Estudo conduzido por pesquisadores das universidades Estadual
Paulista (Unesp), Federal de São Carlos (UFSCar) e Federal de Viçosa (UFV)
revelou como três pesticidas comumente utilizados na agricultura –
imidacloprido, piraclostrobina e glifosato – afetam a espécie de abelha nativa
sem ferrão Melipona scutellaris: sozinhos ou em combinação, os compostos
modificam a atividade locomotora dos animais e reduzem suas defesas. Os
resultados do trabalho foram publicados recentemente na revista científica
Environmental Pollution.
O uso indiscriminado de agrotóxicos e suas consequências para
a sobrevivência das abelhas são um tema cada vez mais debatido e estudado em
todo o mundo. No entanto, a maioria dos trabalhos científicos relacionados
envolve espécies europeias e norte-americanas. Aqui no Brasil, o foco tem sido
espécies nativas sem ferrão, como a Melipona scutellaris, que desempenham papel
vital na polinização de diversas plantas silvestres e culturas com relevância
econômica.
Neste trabalho, conduzido no âmbito do Programa BIOTA-Fapesp
e apoiado por meio de dois projetos (17/21097-3 e 21/09996-8), um grupo de
pesquisadores avaliou os efeitos subletais – ou seja, que não causam a morte –
dos pesticidas imidacloprido, piraclostrobina e glifosato no comportamento, na
morfologia e na fisiologia da espécie. Para isso, em laboratório, expuseram
oralmente os animais às substâncias de forma isolada e em combinação por 48
horas e, em seguida, compararam os resultados aos de um grupo-controle.
O perigo desses agrotóxicos para as abelhas ficou claro: o
grupo alimentado com solução contaminada caminhou menos, se movimentou mais
lentamente e apresentou alterações morfológicas no corpo gorduroso, órgão
relacionado ao sistema imunológico desses insetos.
“Observamos que, tanto em combinação quanto isolados, os
agrotóxicos interferiram seriamente no comportamento das abelhas, causaram
danos no corpo gorduroso e comprometeram as atividades tanto de proteínas
importantes para o sistema imune quanto para a sobrevivência celular”, conta
Cliver Fernandes Farder-Gomes, pesquisador do Centro de Ciências Agrárias (CCA)
da UFSCar e primeiro autor do estudo.
Segundo Farder-Gomes, tais resultados indicam que, mesmo que
essas abelhas sobrevivam à exposição, elas passarão a ter sistemas imunes
deprimidos, que não funcionam adequadamente no combate a bactérias, o que pode
aumentar a propensão a infecções.
“A mortalidade das abelhas sempre causa um choque, mas é
importante lembrar que, muitas vezes, sobreviver aos agrotóxicos pode ser ainda
mais problemático porque enfraquece e diminui as colmeias, impactando não só a
produção de mel como a de frutas e legumes, por conta do déficit de
polinização”, destaca Roberta Cornélio Ferreira Nocelli, professora do
CCA-UFSCar, coordenadora do grupo de trabalho para o desenvolvimento de métodos
para testes de toxicidade em abelhas nativas brasileiras junto à Comissão
Internacional para as Relações Planta-Polinizador (ICPPR, na sigla em inglês) e
coautora do trabalho.
Políticas
públicas
Para complementar esses resultados e estabelecer um panorama
completo dos malefícios dos três pesticidas, os pesquisadores pretendem agora
analisar sua influência na expressão de outras proteínas e também testar a ação
das substâncias em espécies distintas de abelhas nativas.
De acordo com Osmar Malaspina, professor do Instituto de
Biociências (IB) da Unesp de Rio Claro, a ideia é que, por revelar impactos com
consequências de longo prazo tanto na biodiversidade quanto na segurança
alimentar, o estudo realizado por Farder-Gomes dê suporte aos órgãos públicos
para o estabelecimento de políticas mais restritivas, como tem acontecido nas
últimas décadas com outras pesquisas do Grupo de Pesquisa em Ecotoxicologia e
Conservação de Abelhas (Leca) e o Grupo de Pesquisa Abelhas e os Serviços
Ambientais (Asas), liderados por ele e por Nocelli.
“Nossos mais de 80 artigos e livros, entre outros trabalhos,
têm sido utilizados ao longo dos anos, principalmente pelo Ibama [Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], para
restringir o uso de agrotóxicos – foi o caso, por exemplo, do inseticida fipronil,
que tem sido o maior responsável pela mortalidade de abelhas”, diz Malaspina.
Nocelli faz questão de destacar que não se trata de
comprometer a agricultura brasileira – pelo contrário, a função dos estudos
científicos é melhorá-la. “Nosso objetivo é sempre pensar em uma produção
agrícola mais sustentável, harmonizando agricultura e conservação, pois só
assim teremos segurança alimentar no futuro”, finaliza.
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