Nova lei pretende estimular a produção de alimentos nas cidades - Segundo especialistas, política depende de articulação entre governos
O aumento da produção de alimentos locais, a agilidade no
transporte, a capacidade de geração de emprego e o fornecimento de itens
alimentícios a famílias de baixa renda são alguns dos possíveis benefícios da
Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, cuja legislação foi
sancionada na última sexta-feira (26) pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. De acordo com especialistas no assunto, o potencial da nova política é
grande, mas dependerá de incentivos públicos e da articulação entre os governos
federal, estaduais e municipais para que seja concretizado.
A Lei Nº 14.935 define
a Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) como atividade agrícola e pecuária
desenvolvida nas áreas urbanas e ao
redor do perímetro das cidades. Dentre os objetivos da AUP estão ampliar a
segurança alimentar e nutricional das populações urbanas vulneráveis; gerar
alternativa de renda e de atividade ocupacional à população urbana e
periurbana; estimular o trabalho familiar, de cooperativas, de associações e de
organizações da economia popular e solidária, dentre outros. A articulação com
programas de abastecimento e de compras públicas destinadas a escolas, creches,
hospitais e outros estabelecimentos públicos também está entre as finalidades
da nova política.
A diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, Jaqueline
Ferreira, detalha o potencial estimado de crescimento do setor. "Estamos
falando de uma agricultura que já acontece nas cidades, mas é invisibilizada.
Todas as grandes metrópoles e capitais brasileiras já possuem iniciativas do
tipo. No entanto, como a agricultura como atividade econômica historicamente
está associada ao meio rural, esses produtores não conseguem acessar políticas
públicas pelo fato de muitos deles não serem reconhecidos como estabelecimentos
agropecuários", disse. Segundo ela, entre as dificuldades estão o acesso
ao crédito e a regularização dos empreendimentos pelos produtores.
Potencial
Diante da realidade de ausência de atenção nas últimas
décadas, o setor apresenta grande capacidade de expansão. De acordo com
pesquisas do Instituto Escolhas, se apenas 5% dos espaços mapeados como
possíveis áreas de expansão da Agricultura Urbana fossem concretizados em três
cidades brasileiras (Curitiba, Recife e Rio de Janeiro), cerca de 300 mil
pessoas poderiam ser abastecidas, por ano, com os alimentos produzidos.
Na capital paranaense, esse dado significa que 96% do total
de pessoas em situação de pobreza poderiam ser beneficiadas com a implantação
de novas unidades produtivas. Para isso, seriam necessários investimentos e
incentivos.
Estudos feitos pela instituição mostram que, em Belém, a
prática tem potencial para abastecer 1,7 milhão de pessoas com legumes e
verduras - número maior do que a população local, de 1,5 milhão.
A diretora do instituto cita, entre os principais benefícios
da legislação, a geração de emprego e renda, o aumento da segurança alimentar
de áreas periféricas mais vulneráveis, a redução do desperdício de alimentos e
do custo de produção, uma vez que o transporte de alimentos ocorrerá para
localidades próximas.
Somente na Região Metropolitana de São Paulo, a agricultura
orgânica nas áreas periurbanas poderia gerar 180 mil empregos - simulação
realizada nas atuais áreas de pastagem, sem necessidade de avanço para regiões
de preservação e conservação ambiental.
Avanço
O pesquisador Leonardo de Freitas Gonçalves, doutorando em
Geografia e Meio Ambiente na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ), avalia a legislação como um avanço significativo e necessário,
especialmente pelo crescimento da agricultura urbana no mundo, segundo dados da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Ele cita
também como avanço o decreto 11.700/2023, que instituiu no ano passado o
Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana.
"A política é uma iniciativa muito importante não só
para incentivar a agricultura urbana e periurbana, mas também para dar
visibilidade a essa gente que se dedica à produção de alimentos nas cidades e
nem sequer é percebida pelos moradores, tampouco pelas prefeituras",
observa.
Durante sua pesquisa de doutorado, Leonardo Gonçalves
acompanhou uma horta comunitária no subúrbio do Rio de Janeiro criada por
iniciativa de moradores de um conjunto habitacional que passavam por
dificuldades financeiras e de segurança alimentar durante a pandemia de Covid-19.
"Foi um dos locais que mais me impressionou na garantia da função social
da propriedade de uma área anteriormente ociosa e até degradada. Ainda há muito
o que progredir e os avanços legislativos podem contribuir para a expansão de
iniciativas semelhantes", defende.
Cooperação
Segundo Jaqueline Ferreira, os atores das diferentes unidades
da Federação deverão trabalhar em conjunto, em especial o governo federal e as
prefeituras, para que essa perspectiva se torne realidade. "Se o governo
federal não fizer um esforço, com um programa robusto de fomento, fica muito
difícil para os entes locais terem força para, sozinhos, desenvolverem
experiências de agricultura urbana e operações locais", analisa. Já os
governos municipais precisam atuar na articulação com empresas e grupos
interessados no setor, facilitando o acesso aos terrenos e realizando
parcerias.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar (MDA), desde a instituição do decreto, em 2023, R$ 7
milhões já foram investidos no apoio a iniciativas de produção de alimentos
saudáveis nas cidades e no estímulo a hortas comunitárias em diversos estados.
Ainda segundo o MDA, a nova legislação incentiva a criação e
o funcionamento de feiras livres e outras formas de comercialização direta, e
linhas especiais de crédito deverão ser estabelecidas para os agricultores
urbanos e periurbanos, facilitando o acesso a recursos financeiros
"essenciais para o investimento na produção, processamento e
comercialização".
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