Após recuo de Israel, Hamas retoma o controle de Gaza com execuções públicas e confronto entre facções
À medida que o lento processo de devolução dos corpos de
reféns israelenses cria um novo impasse nas negociações de paz entre Israel e o
Hamas, o grupo palestino aproveita o cessar-fogo garantido pela primeira fase
do acordo para reimpor seu domínio sobre a Faixa de Gaza, território mergulhado
há dois anos em destruição e caos institucional.
Desde o anúncio do acordo, forças do Hamas voltaram a ocupar
zonas anteriormente controladas por tropas israelenses, que recuaram após as
primeiras etapas do plano mediado pelos Estados Unidos. Sob o argumento de
“restabelecer a lei e a ordem”, o grupo anunciou uma mobilização de 7 mil
combatentes, liderados pelas Brigadas Izzedine al-Qassam, seu braço armado.
Nas ruas, agentes da polícia local, muitos usando máscaras
pretas e armas automáticas, voltaram a patrulhar mercados e cruzamentos. Vídeos
e testemunhos confirmam que o Hamas lançou uma operação para recuperar áreas
antes controladas por milícias rivais e grupos criminosos — mas o processo vem
sendo marcado por execuções sumárias e confrontos internos.
Uma fonte de segurança palestina ouvida pela agência AFP
afirmou que a “Força de Dissuasão”, unidade recém-criada pelo Hamas, realiza
“operações de campo para garantir segurança e estabilidade”. A atuação, no
entanto, já provocou confrontos com facções armadas locais, incluindo disputas
violentas na Cidade de Gaza e em distritos como Shejaiya, onde o exército
israelense ainda mantém postos avançados de vigilância.
Na terça-feira, pelo menos quatro pessoas morreram em
Shejaiya durante um embate que envolveu militantes do Hamas e grupos palestinos
rivais. Testemunhas afirmam que, durante a troca de tiros, soldados israelenses
abriram fogo ao ver homens armados se aproximando do perímetro de segurança — o
que levantou dúvidas sobre eventual interferência das forças de Tel Aviv na
disputa.
Durante o fim de semana, o cenário se agravou: combatentes do
Hamas e membros do clã Dughmush, uma das mais influentes organizações
familiares de Gaza, entraram em confronto em uma batalha que deixou mais de 20
mortos. Vídeos divulgados por canais oficiais do Hamas e reproduzidos nas redes
sociais mostraram execuções públicas de homens acusados de espionagem para
Israel, em meio a uma multidão. A emissora Al-Aqsa afirmou que as execuções
faziam parte de uma operação “contra criminosos e colaboradores”.
Analistas lembram que disputas entre o Hamas e outros grupos
palestinos são um traço recorrente da política interna de Gaza. Desde que tomou
o poder em 2007, após expulsar o Fatah em um processo que deixou cerca de 120
mortos, o grupo governa com autoridade quase absoluta sobre o enclave, mas
enfrenta resistências constantes. Entre seus opositores estão a Jihad Islâmica,
clãs familiares armados e a chamada Força Popular, liderada por Yasser Abu
Shabab, um palestino beduíno apontado como beneficiário de ajuda israelense. Em
junho, o governo de Benjamin Netanyahu admitiu publicamente fornecer armas a
grupos contrários ao Hamas, justificando a estratégia como uma forma de
“equilibrar forças” dentro do território.
Reações
divididas
Embora o Hamas defenda suas ações como um esforço para conter
o colapso da ordem pública e restaurar a segurança, moradores da Faixa de Gaza
se mostram divididos.
— Por que as pessoas estão comemorando o caos? — questionou o
advogado Mumen al-Natoor, em entrevista à BBC. — Um homem mascarado mata outro
homem mascarado sem provas, sem investigação, sem tribunal. Isso não é
resistência; é ilegalidade. Quem mata sem lei é criminoso.
O ativista Ibrahim Faris, morador da região central de Gaza,
classificou as execuções como “um pecado”. — Não se pode corrigir um erro com
outro. Execuções sem julgamento justo são um crime.
Mas há também quem veja a volta do Hamas às ruas como sinal
de estabilidade.
— Começamos a nos sentir seguros. Eles estão organizando o
trânsito e abrindo os mercados. Estamos protegidos dos ladrões, afirmou Abu
Fadi al-Banna, de 34 anos, em Deir al-Balah.
A moradora Hamdiya Shammiya, deslocada do norte para Khan
Yunis, concordou: — Precisamos de paciência, ordem e da segurança que a polícia
começou a restabelecer. Já notamos uma pequena melhora.
Um
vácuo perigoso
Outros palestinos, porém, alertam para o vácuo de poder que
ameaça a região.
— O cessar-fogo não resolve tudo magicamente. Precisamos de
um Estado de Direito. Um vácuo seria pior do que o Hamas, disse Hanya, moradora
de Deir al-Balah, à BBC Radio 4.
O plano de paz proposto pelo presidente americano Donald
Trump prevê a criação de um governo palestino tecnocrático, supervisionado por
uma força internacional de estabilização, composta por militares de países
árabes e aliados ocidentais. A iniciativa inclui o treinamento de novas forças
de segurança palestinas e o desarmamento progressivo do Hamas — medida que o
grupo já rejeitou. Até o momento, porém, não há cronograma definido para essas
etapas, e o impasse entre as partes ameaça retardar o processo de reconstrução
da Faixa de Gaza.
Enquanto a comunidade internacional tenta sustentar o
cessar-fogo, Gaza enfrenta um período de reconfiguração política e social, em
que a disputa por poder se mistura à esperança frágil de uma paz duradoura.
Entre a promessa de estabilidade e o risco de novas violências, a população
tenta reconstruir o que restou — à espera de que o silêncio das armas
finalmente se converta em futuro.
*(Com agências internacionais e BBC)
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