Rio Paraopeba tomado pela
lama 30 dias após rompimento de barragem em Brumadinho Foto: Alexandre Cassiano
/ Agência O Globo
Uma investigação de
cientistas de universidades e centros de pesquisa do Rio e de São Paulo mostrou
que os efeitos do derramamento de rejeito de mineração em Brumadinho (MG) podem
causar morte e anomalias em embriões de peixes. O alerta dos pesquisadores é
que as consequências a longo prazo para a saúde humana e animal decorrentes do
rompimento da barragem da Vale devem ser acompanhadas com extremo rigor. O
estudo incluiu dosagem de poluentes, quantificação de micro-organismos
potencialmente perigosos e testes ecotoxicológicos.
Mesmo após ser diluída 6.250
vezes, a lama coletada cinco dias depois da tragédia foi capaz de matar e
provocar defeitos graves nos peixes, afirma Mônica Lopes-Ferreira, cujo
laboratório funciona no Instituto Butantan, em São Paulo.
Também causou apreensão nos
cientistas a elevada concentração de mercúrio, um metal altamente tóxico. Ele
foi encontrado numa concentração pelo menos 720 vezes maior do que o máximo
estabelecido como seguro pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para
águas da classe 2, como as do Rio Paraopeba. Águas de classe 2 são destinadas
ao abastecimento humano após tratamento convencional, à recreação (nadar,
mergulhar e lazer), à irrigação de hortaliças e frutas e à pesca.
Relatório oficia recente da
ANA, Capasa, CPRM e Igam aponta para elevada concentração de mercúrio entre o
período de 25 de janeiro de 2019 e 10 de março de 2019. Este relatório reporta
valores de turbidez média (NTU), ferro dissolvido (mg/L) e mercúrio dissolvido
(ug/L) acima dos limites preconizados pela resolução Conama 357. Porém, a
partir de 11 de março não são apresentados dados para estes parâmetros pelo
relatório dificultando uma interpretação mais abrangente da situação real
atual, observam os cientistas.
O estudo foi realizado por
pesquisadores do Instituto Butantan, da Uenf e da UFRJ. Os cientistas coletaram
amostras em seis localidades ao longo do Paraopeba. Os pontos analisados
incluíram locais 26 quilômetros antes da área arrasada (para efeito de
comparação) e até 150 quilômetros após a barragem rompida.
A concentração de ferro foi
100 vezes maior do que a estabelecida pelo Conama. A de alumínio, mil vezes
superior. Mas foi o mercúrio, por sua elevada toxicidade e persistência no
ambiente, que deixou os pesquisadores alarmados. O mercúrio não é usado no
processo de mineração do ferro e não foi encontrado em teor significativo no
desastre de Mariana, causado em 2015 pela Samarco, controlada pela Vale e a BHP
Billiton.
Uma das possibilidades é que
a tsunami gerada pelo rompimento tenha revirado o leito do rio e liberado
sedimentos de antigos locais de extração de ouro, explica Fabiano Thompson, do
Instituto de Biologia e da Coppe da UFRJ e autor de uma análise sobre os
efeitos dos rejeitos da lama de Mariana.
Um dos coordenadores do
estudo, Carlos Eduardo de Rezende, da Uenf, destaca que o mercúrio é um dos
piores poluentes que existem, por provocar uma espécie de contaminação crônica.
Os cientistas também descobriram proliferação de micróbios potencialmente
tóxicos na água do Paraopeba, onde as concentrações de micro-organismos
chegaram a dez vezes a máxima da tolerada pelo Conama.
Para saber o quão tóxica era
a água do pós-desastre, ela foi testada em embriões de peixe-zebra. Quanto mais
próxima da área do desastre, mais letal foi a água para os embriões. No ponto
de coleta junto à mina, a mortalidade foi de até 100%. A água coletada em todos
os pontos abaixo do desastre causou anomalias, como deformações em cérebro,
boca, coluna, cauda e hemorragias.
— Para testar a lama tivemos
que diluí-la até 6.250 vezes e ainda assim ela continuou letal para os
embriões, o que atesta sem dúvida seus risco para a saúde — diz Mônica
Lopes-Ferreira.
Os testes foram feitos com a
colocação de 50 microlitros de água contaminada em “pocinhos” de dois
mililitros de água limpa, cada um com cinco embriões de peixe-zebra. Cada
mililitro equivale a mil microlitros. Foram empregados embriões com 30 minutos
até três horas de nascidos, observados por um período de 24 horas até 96 horas.
- Não há dúvida que um material tóxico foi
lançado no Paraopeba. Não sabemos como a situação está agora, mas a área
precisa ser acompanhada porque esse material é muito fino, pode permanecer por
muitos anos. Ele fica no leito do rio, no solo e entra em contato com pessoas e
animais - destaca a pesquisadora do Butantan.
Os pesquisadores planejam
fazer novas coletas, para saber como está a situação agora, mas por falta de
dinheiro o trabalho está parado.
- O dano potencial desse
tipo de acidente perdura por décadas. Toda a região afetada precisa ser
monitorada com extremo rigor - frisa
Rezende.
Fabiano Thompson diz que não
há dúvida que as águas do Paraopeba representam uma ameaça à saúde pública:
- A saúde do rio pode estar
comprometida por décadas. Uma vergonha.
Vale contesta
A Vale diz que, três meses
após o rompimento da barragem , “é possível avaliar que o rio Paraopeba poderá
ser recuperado. Tal afirmação é baseada em estudos de quase 900 mil análises da
água, solo, rejeitos e sedimentos.” A mineradora afirma que mantém detalhado
monitoramento do rio com coletas diárias de amostras de água, solo e avaliação
dos níveis de turbidez.
Segundo a Vale, análises em
48 pontos indicaram que os rejeitos não são perigosos à saúde e que os índices
de toxicidade estão abaixo dos limites legais para “rejeitos de mineração, de
acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”.
Já o relatório conjunto da
Agência Nacional de Águas (ANA), do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e do
Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) diz que a concentração de mercúrio
está “abaixo do limite de detecção do método analítico” e que a densidade de
micro-organismos e toxinas derivadas deles está dentro do padrão legal.
Comentários
Postar um comentário
Olá, agradecemos a sua mensagem. Acaso você não receba nenhuma resposta nos próximos 5 minutos, pedimos para que entre em contato conosco através do WhatsApp (19) 99153 0445. Gean Mendes...