A proibição de showmícios se justifica para resguardar a paridade de armas entre os candidatos a cargos eletivos. E a medida não afeta a liberdade de expressão, pois não impede que artistas manifestem suas opiniões políticas em apresentações próprias.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal,
por 8 votos a 2, manteve nesta quinta-feira (7/10) a proibição de showmícios
por candidatos em eleições. Porém, a Corte, por 7 votos a 3, concluiu que
apresentações artísticas em eventos de arrecadação de campanha não contrariam a
Constituição. Também por 7 a 3, o STF decidiu que o entendimento vale para as
eleições de 2022.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.970 questionou dos
dispositivos. O primeiro foi o artigo 39, parágrafo 7º, da Lei 9.504/1999,
acrescentado pela Lei 11.300/2006, que proíbe "a realização de showmício e
de evento assemelhado para promoção de candidatos" e a apresentação,
"remunerada ou não", de artistas para animar comícios e reuniões
eleitorais.
O segundo ponto em discussão era o artigo 23, parágrafo 4º,
inciso V, que dispõe que as doações poderão ser efetuadas por meio de
"promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato
ou pelo partido político".
O relator do caso, ministro Dias Toffoli, votou nesta quarta
(6/10) para negar o pedido de declaração de inconstitucionalidade parcial do
artigo 39, parágrafo 7º, da Lei 9.504/1997, e manter a proibição de showmícios.
Além disso, showmícios podem ser considerados oferecimentos
de vantagens aos eleitores, que podem associar o entretenimento à figura do
político homenageado. "Nesse sentido, a norma protege, também, a livre
formação de vontade do eleitor", declarou o relator. Os showmícios,
segundo o ministro, também conferem vantagem na disputa eleitoral, que pode
desequilibrar a paridade de armas entre os candidatos.
A vedação dos showmícios não configura censura prévia, pois
não impede manifestações de cunho políticos de artistas, desde que sejam feitas
em apresentações próprias, avaliou Toffoli. O entendimento foi seguido na
quarta por Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Nesta quinta, também seguiram o relator nesse ponto os
ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz
Fux.
Fachin apontou que a liberdade de expressão é “um pilar da
democracia”. Como todos os outros direitos, contudo, não é ilimitada. Assim, os
showmícios podem ser proibidos em eleições para resguardar a igualdade na
disputa e frear a influência do poder econômico.
Nessa mesma linha, Rosa Weber avaliou que a proibição de
apresentações artísticas em comícios de candidatos é compatível com a
Constituição Federal.
“A proibição de showmícios não configura censura prévia ou
vedação ao engajamento político dos artistas”, declarou Lewandowski. Afinal, a
prática visa assegurar a igualdade de condição dos candidatos a cargos eletivos
e garantir a livre escolha dos eleitores, disse o ministro.
O presidente do STF, Luiz Fux, ressaltou que o objetivo das
apresentações artísticas em eventos eleitorais é captar as emoções dos
cidadãos. “Ninguém vai a um showmício para assistir político falando”. Dessa
maneira, os shows desequilibram as eleições, pois sua organização, mesmo não remunerada,
exige recursos elevados, disse Fux, defendendo a necessidade de respeitar a
vontade do legislador.
Liberdade
de manifestação
Ficaram vencidos quanto à proibição de apresentações
artísticas em eventos de campanha os ministros Luís Roberto Barroso e Cármen
Lúcia, que votaram pela permissão de showmícios não remunerados.
Barroso disse que a vedação configura "violação
desproporcional da liberdade de expressão". A seu ver, se a proibição de
showmícios se destina a evitar o abuso do poder econômico, não deveria incidir
nas hipóteses de participação não remunerada dos artistas. "Aí é
espontâneo exercício da liberdade de manifestação política."
Além disso, o ministro apontou que a restrição à participação
de músicos em eventos eleitorais é "totalmente discriminatória".
"Jogador de futebol, jornalista, ex-presidente pode participar de eventos
eleitorais. Mas músico não? Dizer que uma pessoa ou grupo de pessoas não pode
se manifestar em determinado momento e lugar evidentemente é um cerceamento da
liberdade de expressão", afirmou Barroso, ressaltando que tal direito pode
ser restringido para um fim legítimo — o que não acontece no caso.
Shows para
arrecadação
Dias Toffoli votou para conferir interpretação conforme à
Constituição ao artigo 23, parágrafo 4º, inciso V, da Lei 9.504/1997, para
permitir apresentações artísticas em eventos de arrecadação de recursos para
campanhas eleitorais.
Conforme o ministro, tais eventos são voltados a eleitores
que, conscientemente, contribuíram com uma candidatura. "Ou seja, o
comparecimento do eleitor à ocasião tem o propósito definido de financiar o
projeto político de sua escolha", disse Toffoli, apontando que tal medida
permite que os cidadãos viabilizem as propostas que apoiam.
Alexandre de Moraes o acompanhou na sessão de quarta. O voto
do relator foi seguido nesse ponto na quinta por Barroso, Fachin, Rosa Weber,
Cármen Lúcia e Lewandowski.
Barroso declarou contraditório permitir apresentações em
eventos de arrecadação e proibir showmícios não remunerados.
Fachin, por sua vez, analisou que atos para levantar recursos
não podem ser equiparados a atos de campanha. Isso por os atos de campanha têm
o objetivo de obter voto. E quem vai a um evento de arrecadação já tem seu
candidato e busca apoiá-lo.
Uma vez que a legislação eleitoral não proíbe expressamente a
realização de shows em atos para levantar fundos para candidato, a prática é
permitida, disse Rosa Weber.
"O silêncio dos artistas tem custado muito caro à
democracia brasileira", declarou Cármen Lúcia, defendendo a
constitucionalidade das apresentações.
Lewandowski avaliou que o eleitor que vai a um show de
arrecadação de fundos contribui para o projeto político de sua escolha. Assim,
o ministro votou pela permissão da prática, observadas as limitações observadas
na legislação própria quanto às limitações de doações de bens e serviços e
candidatos.
Risco de
desequilíbrio
Nunes Marques abriu, na quarta, a divergência quanto a shows
em eventos de arrecadação, entendendo que essas performances também atraem
pessoas que possivelmente não iriam a tal ato, desequilibrando a disputa. Por
isso, votou para negar o pedido de liberação dessas apresentações. A
divergência foi seguida na quinta por Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Gilmar opinou que a permissão de shows em eventos de
arrecadação pode ser uma forma de burlar a decisão do Supremo que proibiu as
doações eleitorais de pessoas jurídicas.
O decano da Corte ainda lembrou que, se um cantor cobra R$
500 mil por show, esse é o valor da doação que está fazendo ao candidato ao se
apresentar em evento de sua campanha. Assim, tais apresentações podem
ultrapassar o teto de doações feitas por pessoas físicas, de até 10% do
rendimento bruto obtido no ano anterior. Ainda ressaltou que muitos artistas
são contratados como pessoas jurídicas — e doações por tais entidades foram
vedadas pelo STF.
Fux afirmou que a arrecadação via apresentações artísticas gera
desigualdade entre os candidatos. O presidente do Supremo também destacou que a
permissão da prática dificultaria a fiscalização da Justiça Eleitoral, que
teria que apurar se não houve doações ilegais ou lavagem de dinheiro nesses
eventos.
Eleições de
2022
O Supremo, por 7 votos a 3, decidiu que a decisão de permitir
shows em eventos de arrecadação para candidatos não viola o princípio da
anualidade eleitoral.
Essa garantia consta do artigo 16 da Constituição, que tem a
seguinte redação: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor
na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da
data de sua vigência".
Prevaleceu o voto de Dias Toffoli, para quem não se aplica o
dispositivo no caso porque não houve modificação legislativa, apenas
determinação de interpretação conforme à Constituição ao artigo 23, parágrafo
4º, inciso V, da Lei 9.504/1997, para permitir apresentações artísticas em
eventos de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais.
Ficaram vencidos nesse ponto os ministros Nunes Marques,
Gilmar Mendes e Luiz Fux, que entenderam que houve modificação nas regras
eleitorais feitas a menos de um ano da disputa — o primeiro turno do pleito de
2022 ocorrerá em 2 de outubro.
Pedidos dos
partidos
O Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Socialismo e
Liberdade (Psol) e o Partido dos Trabalhadores (PT) ajuizaram no Supremo
Tribunal Federal ação contra regra da legislação eleitoral que trata da
organização de eventos de arrecadação de recursos e da proibição de showmícios
por candidatos.
A pretensão dos partidos é que seja declarada a
inconstitucionalidade parcial do artigo 39, parágrafo 7º, da Lei 9.504/1997,
quando as apresentações forem gratuitas, sem cobrança de cachê, mediante a
supressão da expressão "ou não" do texto legislativo. "É
proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de
candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a
finalidade de animar comício e reunião eleitoral", diz o dispositivo.
Além disso, as agremiações requereram o reconhecimento de que
a proibição de showmícios e eventos assemelhados não impediria a ocorrência de
eventos artísticos, inclusive shows musicais, feitos no intuito de arrecadar
recursos para campanhas eleitorais.
"Diante da postura por vezes censória da Justiça
Eleitoral, existe o elevado risco de que se adote a compreensão de que tal
preceito não abrange a realização de espetáculos artísticos, em razão da
vedação aos showmícios e à apresentação de artistas para animar eventos
eleitorais", afirmaram as legendas.
Segundo os partidos, tanto a proibição dos showmícios não
remunerados quanto a vedação de eventos artísticos de arrecadação eleitoral são
incompatíveis com a garantia constitucional da liberdade de expressão.
"A primeira medida ofende, ainda, o princípio da
proporcionalidade, enquanto a segunda também viola a isonomia e o imperativo
constitucional de valorização da cultura", apontaram.
Os partidos destacaram que tanto a atividade artística como
as manifestações de natureza política compõem o núcleo essencial da liberdade
de expressão. "Música não é apenas entretenimento, mas também um legítimo
e importante instrumento para manifestações de teor político",
sustentaram. "Não é legítima a pretensão legislativa de converter o embate
político-eleitoral numa esfera árida, circunscrita à troca fria de argumentos
racionais entre os candidatos, partidos e seus apoiadores, sem espaço para a
emoção e para a arte."
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela
improcedência da ADI, sustentando que "o dispositivo questionado veicula
importante mecanismo de controle sobre a propaganda eleitoral, com a finalidade
de assegurar a igualdade entre os postulantes a cargos públicos, combater o
abuso do poder nas eleições e o uso indevido dos meios de comunicação".
*Consultor Jurídico
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