Incêndio na Boate Kiss completa 10 anos de tristeza e impunidade - Tragédia com 242 mortos comoveu o país
O incêndio na boate Kiss completa dez anos nesta sexta-feira
(27). A tragédia provocou a morte de 242 pessoas, mais de 600 feridos e comove
o país até hoje, sem nenhum réu responsabilizado.
O drama começou por volta de três horas da manhã do dia 27 de
janeiro de 2013, quando o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de
Jesus dos Santos, acendeu um objeto pirotécnico dentro da boate, em Santa
Maria, no Rio Grande do Sul.
A espuma do teto foi atingida por fagulhas e começou a queimar.
A fumaça tóxica fazia as pessoas desmaiarem em segundos. O local estava
superlotado, não tinha equipamentos para combater o fogo, nem saídas de
emergência suficientes. Morreram pessoas que não conseguiram sair e outras que
tinham saído, mas voltaram para ajudar.
O delegado regional de Santa Maria, Sandro Luiz Mainers,
contou que o pânico se instalou quando a fumaça se espalhou e a luz caiu. As
pessoas não sabiam como fugir.
"E isso fez com que algumas pessoas enganadas por duas
placas luminosas que estavam sobre os banheiros da boate corressem na direção
dos banheiros e não na direção da porta. Então, houve um fluxo e um
contrafluxo. Algumas corriam para o banheiro e outras tentavam correr na
direção da porta de entrada. Isso fez com que muitas pessoas morressem porque
algumas acabaram sendo derrubadas, algumas caíram", relatou.
Além da falta de sinalização, quem tentava sair esbarrava nos
guarda corpos que serviam para direcionar as pessoas ao caixa da boate, disse o
delegado. "E os guarda corpos foram determinantes até porque nós
encontramos corpos caídos sobre esses guarda corpos", afirmou.
Na noite de hoje (26) a Associação de Familiares de Vítimas
de Sobrevivente da Tragédia de Santa Maria, em conjunto com o Coletivo Kiss:
Que Não Se Repita e o Eixo Kiss do Coletivo de Psicanálise de Santa Maria, faz
uma vigília, a partir das 22h, em frente ao prédio em que funcionava a boate.
Relato
O jornalista Dilan Araújo atuou na cobertura para as rádios
da EBC, quando o incêndio aconteceu. Ele disse que os familiares iam a um
ginásio da cidade para procurar por informações e fazer o reconhecimento das
vítimas.
"E, por isso, de tempos em tempos, a gente ouvia os
gritos desconsolados, né? Rompendo aquela atmosfera de silêncio e de tensão,
outros familiares tentando consolar aqueles que se encontravam numa emoção. De
desespero maior. E tinha também a angústia daqueles que ainda estavam sem
notícias", finalizou.
Ninguém foi
responsabilizado
Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o
vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o
auxiliar Luciano Bonilha Leão foram acusados de homicídio pelo Ministério
Público do Estado (MPE). Em 2021, eles foram condenados pelo Tribunal do Júri a
penas de 18 a 22 anos de prisão. Sob o argumento de descumprimento de regras na
formação do Conselho de Sentença, o Tribunal de Justiça do estado anulou a
sentença e revogou a prisão em agosto do ano passado. O MPE recorreu da
decisão.
O delegado regional de Santa Maria, Sandro Luís Meinerz, que
conduziu a investigação do caso, lamenta a demora da justiça.
“Estamos fechando agora no dia 27, dez anos dessa absurda
tragédia e, infelizmente, nenhuma resposta final desse processo foi dada para
sociedade e, principalmente, para os pais e familiares dessas vítimas que
morreram, fora aquelas que ficaram sequeladas”, disse.
A defesa de Luciano Bonilha afirma que a sentença do júri,
que foi anulada, era injusta. O advogado Jean Severo espera uma solução no fim
deste ano. Já o advogado de Mauro Londero, Bruno Seligman de Menezes espera que
a anulação seja mantida e que um novo julgamento tenha uma sentença justa.
Segundo a advogada do vocalista Marcelo Santos, Tatiana
Vizzotto Borsa, o músico segue trabalhando em São Vicente do Sul, enquanto
aguarda a decisão de tribunais superiores. A defesa de Elissandro Spohr não
quis se manifestar.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul disse, em nota, que
além dos quatro réus por homicídio, 19 pessoas, entre bombeiros e ex-sócios da
boate, foram acusadas por crimes como falsidade ideológica e negligência.
Outras 27 pessoas foram denunciadas por falsidade ideológica,
porque assinaram documento dizendo morar a menos de 100 metros da boate, o que
foi comprovado como mentira.
Mudanças na
legislação
A tragédia escancarou a fragilidade nos critérios de
segurança em casas noturnas e exigiu uma resposta dos legisladores. Em 2017, entrou
em vigor uma nova lei federal, conhecida como Lei Kiss. O texto estabeleceu
normas mais rígidas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios em
estabelecimentos de reunião de público em todo território nacional.
Entre as mudanças na lei, aspirante a oficial do Corpo de
Bombeiros Militar do Distrito Federal e pesquisadora do caso Kiss, Kirla
Pignaton, destaca a determinação de que cada estabelecimento tenha a lotação
máxima na porta de entrada. Outro ponto foi a inclusão de noções de segurança
contra incêndio e pânico nos cursos de engenharia e arquitetura.
Entretanto, ao sancionar a lei, o então presidente Michel
Temer vetou 12 trechos, nos quais estão a criminalização do descumprimento das
ações de prevenção e combate a incêndio e a proibição do uso de comandas em
casas noturnas.
Segundo Kirla Pignaton, o caso de Santa Maria não é inédito.
Outras nove situações similares aconteceram antes em outros países. Para a
pesquisadora, a tragédia mostrou a importância de informações sobre a segurança
do local.
"[O consumidor passou a] se atentar que não pode ficar
em um estabelecimento [sem segurança]. Ele também pode entrar no site do Corpo
de Bombeiros e fazer uma denúncia para que eles vão até o local para façam
vistoria para verificar se está tudo conforme o projeto, se o projeto de
segurança foi executado", disse a pesquisadora.
No Rio Grande do Sul, ainda em 2013, mesmo ano do incêndio na
Kiss, uma lei aumentou o rigor na prevenção contra incêndios. Mas no fim do ano
passado, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei enviada pelo Executivo que
dispensa a necessidade de alvará para 730 tipos de imóveis.
Por: Agência Brasil
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