Pesquisadores da USP avançam em estudo para desenvolver vacina contra a febre maculosa - Proteína identificada no carrapato-estrela pode ser chave para um imunizante contra a doença
Um estudo conduzido na Universidade de São Paulo (USP) e
divulgado na revista Parasites & Vectors aponta um potencial alvo para o
desenvolvimento de uma vacina contra a febre maculosa. A doença ganhou destaque
na última semana depois da confirmação de quatro mortes decorrentes da infecção
no Estado de São Paulo. As vítimas estiveram no mesmo evento realizado na
região de Campinas, no interior do estado, no dia 8 de junho.
No Brasil, a doença é causada pela bactéria Rickettsia
rickettsii, transmitida principalmente pelo carrapato-estrela e comum na região
do Cerrado e em áreas degradadas da Mata Atlântica. Segundo dados do Ministério
da Saúde, nos últimos três anos, foram registrados, em média, 160 casos por
ano, com letalidade de cerca de 28%.
A doença tem como principais sintomas febre alta e súbita,
dor de cabeça, abdominal e muscular. Pode haver erupções no local da picada do
carrapato. O tratamento imediato com antibióticos é recomendado para evitar o agravamento
do quadro.
Estudos anteriores do mesmo grupo da USP, sediado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), já haviam mostrado que, ao infectar o carrapato-estrela, a Rickettsia rickettsii é capaz de inibir no hospedeiro um processo chamado apoptose (que é a morte programada das células do aracnídeo), favorecendo seu crescimento. Essa “sobrevida” dá à bactéria tempo para se proliferar e infectar novas células.
No trabalho mais recente, apoiado pela FAPESP por meio de
três projetos a ideia foi silenciar a expressão gênica da principal proteína
inibidora da apoptose, a IAP (do inglês, inhibitor of apoptosis protein), com o
objetivo de reduzir o crescimento da bactéria e tornar o carrapato-estrela mais
resistente à infecção. Para isso, a alimentação dos aracnídeos foi reproduzida
em laboratório, com sangue de coelhos infectados e não infectados por R.
rickettsii.
“Observamos que, independentemente da infecção, os carrapatos
morriam ao se alimentar, destacando a importância da IAP para sua
sobrevivência”, explica Andréa Cristina Fogaça, professora do Departamento de
Parasitologia do ICB-USP e coordenadora do estudo. “Essa informação sugere algo
ainda mais interessante do que apenas bloquear a infecção: é possível conter e
diminuir a densidade populacional do hospedeiro.”
As taxas de mortalidade dos carrapatos-estrela durante o
experimento ficaram acima de 92%. Esses resultados sugerem que a alimentação do
carrapato, independentemente de estar infectado, gera radicais livres que
ativam a apoptose. Com a IAP silenciada, os carrapatos não conseguem
sobreviver.
Foco no
hospedeiro
A importância de centrar esforços científicos no
carrapato-estrela para criar uma possível vacina contra a febre maculosa é
simples: “Além de transmissor, o carrapato funciona como um reservatório de
Rickettsia rickettsii no ambiente”, explica Fogaça. “Uma vez infectada, a fêmea
pode fazer a transmissão para a prole, mantendo a bactéria ativa por gerações
consecutivas nas populações de carrapatos.”
Os próximos passos da pesquisa são confirmar que a
alimentação sanguínea é realmente o fator que promove a apoptose pela produção
de espécies reativas de oxigênio e, possivelmente, expandir os experimentos para
outras espécies de carrapato.
Além da importância médica, com a diminuição da transmissão
da bactéria para seres humanos, a pesquisadora destaca o impacto econômico que
uma vacina capaz de diminuir a densidade populacional do carrapato-estrela teria
na pecuária.
Por se tratar de uma espécie sem preferência de alimentação
determinada, o aracnídeo afeta também outros animais que estejam à disposição,
como o gado, causando anemia e marcando seu couro. Apesar de ainda não haver
estimativa de valores de prejuízos para a atividade, já há relatos de aumento
da infestação.
*Veja mais acessando Governo do Estado de São Paulo
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