“Mesmo com vice negra, somos oprimidas”, diz escritora colombiana - Jornalista Edna Liliana Valencia lança o livro O Racismo e Eu
A escritora e jornalista colombiana Edna Liliana Valencia, de 37 anos de idade, apresentou, no último fim de semana, no Festival Latinidades, em Brasília, o seu recém-lançado livro El Racismo Y Yo (O Racismo e Eu).
Além de escritora, Edna atua como responsável pelo setor de
imprensa da vice-presidência da Colômbia. Inclusive, a vice-presidente é uma
mulher negra, Francia Márquez.
“Temos uma vice-presidente rural, negra e mulher (...). Mesmo
estando no poder ou tendo nele uma representação histórica, continuamos sendo
violentadas, oprimidas, discriminadas, excluídas, marginalizadas e assassinadas
impunemente”, denuncia.
Vivências
O “eu” do título do
livro de Edna tem relação com o fato que ela mergulhou em vivências
discriminatórias que enfrentou ao longo da vida, mas também busca esmiuçar
impactos do racismo (que é diário) na vida
de outras mulheres negras. Edna foi reconhecida na Colômbia como âncora
do canal France 24.
Em relação a sua vivência, a escritora explica que desde
criança verificou que seria necessário desconstruir padrões estéticos que
recebia em que o conceito de beleza seria associado à imagem de pessoas brancas
que os colombianos recebiam da Europa.
Depois, como jornalista, entendeu que sua missão deveria ser
de conscientizar colegas, pessoas entrevistadas e também o público sobre
violências explícitas e sutis. “O racismo acaba se manifestando por meio até de
sutil condescendência, subordinação, estereótipos e falta de empatia”, afirma
em entrevista à Agência Brasil.
Legislação evoluiu, mas…
A jornalista considera que a legislação na Colômbia e no
restante da América Latina tem evoluído para reduzir a vulnerabilidade de
mulheres negras, mas que ainda não tem sido o suficiente.
“Da mesma forma, existem ferramentas institucionais e
organizacionais que contribuem para a luta, mas ainda estamos longe de garantir
direitos para a maioria de nós”, enfatiza.
Ela diz que o racismo no ambiente jornalístico é tão comum
como em qualquer outro espaço profissional. um retrato do racismo estrutural
marcante das Américas.
A escritora entende que o sistema racista é dominante nas
sociedades atuais. “Os sistemas racista e patriarcal são globais”, assinala.
Para ela, o papel da mídia é o de denunciar e educar
diariamente e ser efetivamente antirracista. “A mídia deve nos ensinar a
desaprender os paradigmas de discriminação que aprendemos com a educação
tradicional”, garante.
Entrevista
Confira abaixo trechos da entrevista que a escritora concedeu
à Agência Brasil.
Agência
Brasil - Gostaria de saber o quão autobiográfico e jornalístico é o
seu livro. Esses elementos são misturados?
Edna
Liliana Valencia - De fato, meu livro Racismo e Eu traz uma mistura
entre elementos autobiográficos, periódicos, narrativos e poéticos. Devo dizer
que não é uma biografia propriamente dita porque não se trata de contar
detalhes da minha vida.
Ao contrário, trata-se de relatar episódios específicos da
minha vida com o objetivo de lançar luz sobre os impactos do racismo na vida
das mulheres negras sob diferentes pontos de vista.
Quanto à parte jornalística, inclui artigos, entrevistas e referências históricas que sustentam a narrativa e aportam diferentes vozes ao texto. E os poemas que se intercalam com os diferentes capítulos são o toque artístico deste livro que é muito informativo e muito fácil de ler.
Agência
Brasil - Como jornalista, você já enfrentou racismo em sua carreira?
Com colegas ou com fontes?
Edna
Liliana Valencia - Diariamente. O racismo está presente no exercício
jornalístico tanto quanto em qualquer outra área do conhecimento. Meus colegas
jornalistas muitas vezes, consciente ou inconscientemente, deixam escapar
expressões racistas. Inclusive, reproduzem essas expressões nas reportagens que
colocam no ar ou nas redações. Ainda mais quando normalmente tenho sido a única
ou uma das poucas jornalistas afro nas mídias em que atuei, o que também
demonstra um racismo estrutural ainda mais denso do que o racismo cotidiano. O
mesmo vale para fontes e audiências. Mesmo na atribuição de tópicos e funções.
O racismo acaba se manifestando por meio até de sutil condescendência,
subordinação, estereótipos e falta de empatia.
Agência Brasil - Qual é a situação atual das mulheres negras em Bogotá e na Colômbia em geral? Elas são mais vulneráveis do que as mulheres brancas?
Edna
Liliana Valencia - Claro, as mulheres afro-colombianas continuam
vulneráveis em comparação com as mulheres brancas e qualquer outro sujeito
sociopolítico. É uma realidade impossível de mudar hoje onde nossas vidas
continuam sendo impactadas por um sistema racista que domina tudo. Temos hoje
uma vice-presidente rural, negra e mulher e vários ministros afro-colombianos e
outras irmãs no congresso da República, o país está demonstrando com força o
quão racista e violento pode ser. Mesmo estando no poder ou tendo nele uma
representação histórica, continuamos sendo violentados, oprimidos,
discriminados, excluídos, marginalizados e assassinados impunemente.
Agência
Brasil - A legislação na Colômbia evoluiu para proteger as mulheres
negras?
Edna
Liliana Valencia - Não podemos negar que, hoje, temos ferramentas que
antes não tínhamos. Existe a lei antidiscriminação (número 1482 do ano de 2011)
que deveria nos proteger tanto pelo fator racial quanto pelo fator patriarcal.
Existem também outras leis contra feminicídio e maus-tratos. Da mesma forma,
existem ferramentas institucionais e organizacionais que contribuem para a
luta, mas ainda estamos longe de garantir direitos para a maioria de nós.
Agência
Brasil - Como foi o processo
de escrita do seu livro? Quanto tempo levou?
Edna
Liliana Valencia - Foi um processo muito eclético, aconteceu em partes
às vezes e como um todo em outras. A primeira coisa que ficou pronta e
registrada do livro foram os poemas. No entanto, eles não são todos da mesma
época. Algumas poesias foram escritas há muitos anos, quando tinha 14 anos ou
outras quando tinha 25. Outras escrevi especificamente para o livro e até houve
algumas que ficaram de fora e isso me deixa muito triste. Espero publicá-los em
livros futuros.
Agência
Brasil - Você entende que os desafios das mulheres negras na
Colômbia, no Brasil e na América Latina são semelhantes?
Edna Liliana Valencia - Sem dúvida são semelhantes, mesmo em diferentes países africanos e em contextos diaspóricos do norte global, as mulheres interseccionais vivenciam realidades muito semelhantes. E é óbvio porque o sistema racista e o sistema patriarcal são globais. No entanto, também existem condições particulares em cada país e em cada região. Tampouco seria saudável homogeneizar e perder de vista as histórias nacionais passadas e presentes (de cada país).
Agência
Brasil - Qual é o papel dos jornalistas e da mídia na luta contra o
racismo?
Edna
Liliana Valencia - Tornar visível, representar, denunciar, educar,
relacionar. Ser a memória viva do movimento antirracista interseccional
afrofeminista. Nosso papel é essencial para o desenvolvimento dessa
transformação tão necessária da sociedade global. A mídia deve nos ensinar a
desaprender os paradigmas de discriminação que aprendemos com a educação
tradicional. No entanto, devo dizer que estamos longe dessa realidade. Embora
existam cada vez mais meios de comunicação feministas, a mídia tradicional
ainda é mais nossa inimiga do que nossa amiga. Eles ainda não têm consciência
(diretores e funcionários) do importante papel que têm nesse momento histórico,
por isso, conscientizar também faz parte da nossa missão.
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