Estudo da USP mostra medicamento promissor no tratamento da dependência de drogas - Testadas pela primeira vez contra abuso de substâncias, baixas doses de doxiciclina reduziram efeitos recompensadores da morfina e cocaína
A doxiciclina, um antibiótico barato, amplamente utilizado
desde a década de 1960 e com efeito neuroprotetor, mostra-se também promissora
no tratamento de transtornos por uso de substâncias. É o que revelaram
cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP ao realizar
testes com animais de laboratório.
Responsável pelo estudo, Amanda Juliana Sales, pesquisadora
do Departamento de Farmacologia da FMRP, conta que tratou mais de 300
camundongos – em experimentos que avaliam o potencial de abuso da cocaína e da
morfina – com subdoses da doxiciclina e, como resultado, verificou que as
administrações reduziram os efeitos recompensadores das drogas de abuso em
animais.
Esta é a primeira vez que se observa a possível ação do
medicamento contra a dependência química. Mesmo que ainda não haja “nenhum
estudo conduzido em humanos com transtornos por uso de substâncias investigando
o efeito da doxiciclina”, informa Amanda, as evidências mostram que o
medicamento é muito mais que um simples antibiótico e, pela segurança de baixas
dosagens e dos resultados obtidos agora, poderia “ser redirecionado para o tratamento”
desses transtornos.
Apesar de promissor, “trata-se de um estudo pré-clínico
realizado exclusivamente em camundongos machos”, diz a pesquisadora,
antecipando que já estão ampliando o estudo com fêmeas. Estão também aprofundando
as investigações sobre os prováveis mecanismos de ação da doxiciclina e de
outro fármaco de estrutura similar, a demeclociclina, além de outros derivados
sintéticos desprovidos de atividade antibiótica.
O estudo desses compostos está sendo realizado em conjunto
com o Institute Paris Brain, ICM – Institut du Cerveau et de la Moelle
épinière, Salpetriére Hospital, França. Os medicamentos investigados, em doses
não antimicrobianas, têm mostrado efeitos neuroprotetores no cérebro. “Nosso
objetivo é avaliar a ação dessas drogas nos efeitos reforçadores associados ao
uso de drogas de abuso”, acrescenta, ao enfatizar a necessidade de estudos “que
expliquem a neurobiologia da dependência de drogas para alcançar possíveis
novos tratamentos mais rápidos e eficazes”.
Ação
neuroprotetora contra desafio global
Amanda Sales conduziu os estudos nos laboratórios dos
professores da FMRP, Felipe Villela Gomes e Francisco Silveira Guimarães, e da
Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, Elaine Del Bel, nos
quais testou os efeitos de baixas doses de doxiciclina, administradas entre um
e três dias, em camundongos machos previamente expostos à morfina ou à cocaína,
duas drogas de abuso comuns. Como resultado, verificou que a doxiciclina reduz
os efeitos recompensadores e os comportamentos associados ao uso dessas drogas.
As propriedades da doxiciclina, uma droga que atravessa a
barreira hematoencefálica e inibe a ação das metaloproteinases (enzimas
importantes na reparação de tecidos celulares) no cérebro, têm sido
investigadas como um tratamento potencial nos distúrbios cerebrais.
O fato justifica os testes realizados sobre os efeitos
reforçadores das drogas de abuso e a potencial aplicação nos transtornos por
uso de substâncias que apresentam poucos tratamentos farmacológicos
disponíveis. A pesquisadora informa que o aumento das metaloproteinases no
cérebro está relacionado com alterações neuroplásticas, sugerindo que essas
enzimas exercem um papel na dependência de drogas.
“Drogas de abuso, como a cocaína, produzem efeitos como
euforia, alteração da percepção e alívio da disforia, que é uma mudança
repentina e transitória do estado de ânimo, incluindo sentimentos de tristeza,
pesar e angústia. O uso repetido da droga ocorre como busca por esses efeitos”,
afirma.
Como grande parte dos avanços no entendimento dos efeitos do
uso de substâncias foi alcançada por estudos pré-clínicos utilizando modelos
animais, Amanda e seus colegas optaram por modelos que reproduzem respostas
comportamentais ao uso de drogas de abuso: a preferência condicionada ao lugar
(que mede o tempo de permanência do animal no ambiente em que foi exposto à
droga de abuso) e a sensibilização locomotora (que avalia o aumento da
atividade locomotora após o uso repetido da droga).
Após os tratamentos com a doxiciclina, os pesquisadores
observaram que houve redução da preferência condicionada ao lugar induzida pela
morfina, atenuando seus efeitos recompensadores, sem que, na dose testada,
houvesse alteração do efeito analgésico benéfico da morfina. “Resultado
semelhante foi observado com a doxiciclina em animais condicionados ao lugar
com a cocaína”, pontua a pesquisadora, informando que a doxiciclina também
“preveniu a hiperlocomoção e a sensibilização locomotora em animais tratados
com cocaína”.
Para Amanda Sales, os resultados do estudo têm grande
impacto, já que o transtorno por uso de substâncias “representa um desafio
global à saúde pública, com a necessidade urgente de tratamentos mais
eficazes”. Nessa condição, o indivíduo é incapaz de interromper o uso
compulsivo dessas substâncias potencialmente abusivas, como psicoestimulantes,
álcool e drogas ilícitas, com “prejuízos cognitivos, afetivos e de
personalidade, além de problemas legais, sociais, familiares e disfunções
clinicamente significativas”, acrescenta.
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