Estudo mostra que é possível prever epidemias de chikungunya por meio de vigilância - Vírus conhecido por provocar epidemias massivas também pode circular silenciosamente por uma comunidade, provocando infecções por anos
Conhecido por provocar epidemias massivas – até mais
impactantes que as de dengue –, o vírus do chikungunya pode também apresentar
um perfil menos intenso. Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) mostrou que o vírus circulou pela
cidade do interior paulista de forma silenciosa por anos, provocando
inicialmente poucos casos da doença e aumentando, de forma gradativa, o número
de infecções. A descoberta reforça a importância de ações de vigilância
epidemiológica para prever eventuais epidemias.
“A circulação críptica do chikungunya pode preceder epidemias
massivas, com exposição de grande parte da população e grande impacto na saúde
pública e na vida das pessoas. Os resultados do nosso estudo, portanto,
reforçam a necessidade da implementação de estudos epidemiológicos, genômicos,
monitoramento de mosquitos e de vigilância epidemiológica. Com isso, seria
possível se preparar com antecedência para uma epidemia de chikungunya”, alerta
Maurício Lacerda Nogueira, professor da Famerp e autor do estudo publicado na
revista PLOS Neglected Tropical Diseases.
Nogueira ressalta que o novo perfil de circulação do
chikungunya, identificado no estudo realizado no interior paulista, não
minimiza seu potencial como ameaça à saúde pública. “O chikungunya continua
exigindo a estruturação de uma rede de saúde voltada para o atendimento de uma
doença que traz graves consequências para a saúde dos infectados. A fase
crônica da doença, marcada por dores nas articulações, é muito incapacitante e
pode persistir por anos. Fora isso, o risco de futuras epidemias continua alto,
apenas descobrimos que elas podem ser mais previsíveis”, diz o pesquisador.
Apoiado pela Fapesp, o estudo monitorou 341 indivíduos
residentes do bairro Vila Toninho, em São José do Rio Preto, por quatro anos
(entre 2015 e 2019).
O trabalho integra uma pesquisa maior, também apoiada pela
Fapesp, que monitorou, por meio de amostras de sangue, infecções de dengue,
zika e chikungunya em São José do Rio Preto. Além disso, os pesquisadores
utilizaram dados oficiais sobre a presença do vírus em mosquitos na cidade.
Circulação
silenciosa e subnotificação
De acordo com dados do município, foram confirmados apenas 41
casos de chikungunya entre os anos de 2015 e 2019 em São José do Rio Preto, que
conta com 470 mil habitantes. No entanto, as amostras de sangue coletadas no
estudo da Famerp realizado neste mesmo período mostraram que a proporção de
casos de infecção de chikungunya (soroprevalência) aumentou de 0,35% no
primeiro ano para 2,3% após três anos de acompanhamento.
Além disso, os pesquisadores analisaram 497 amostras de
sangue coletado de indivíduos com suspeita de dengue durante o surto de 2019.
No total, 4,4% estavam com a doença ou tinham sido infectados recentemente (IgM
positivo), outros 8,6% já tinham sido expostos ao antígeno alguma vez na vida.
“Queríamos entender por que ainda não havia ocorrido uma
grande epidemia de chikungunya na cidade, mesmo sabendo que havia a circulação
do vírus. Identificamos que, além de o número de infecções não ser tão massivo,
como foi em outros lugares, trata-se de uma doença muito subnotificada. Isso
acontece seja pelo fato de haver uma alta taxa de casos assintomáticos, como
encontramos no nosso estudo, seja pela possibilidade de confusão de diagnóstico
com a dengue”, diz o pesquisador à Agência Fapesp.
Nogueira explica que os sintomas das fases agudas são muito
parecidos entre as duas doenças: febre alta, fadiga, dor no corpo e
desidratação. Apenas no caso da dengue pode ocorrer dor na parte de trás dos
olhos.
A infecção por chikungunya é caracterizada por febre aguda
associada a dores articulares, que podem variar de artralgia leve (dor em
apenas uma das articulações) a poliartrite intensa e debilitante que dura meses
ou até anos. As infecções assintomáticas podem representar, de acordo com
estudos anteriores, até 25% dos casos.
O vírus chikungunya foi introduzido no continente americano
em 2013, ocasionando, inicialmente, epidemias importantes em diversos países da
América Central e no Caribe. Desde então, mais de 900 mil casos de infecção
pelo vírus foram confirmados no Brasil até 2020.
No segundo semestre de 2014, o Brasil confirmou, por métodos
laboratoriais, a presença da doença no Amapá e na Bahia. Em 2023, houve uma
grande dispersão territorial do vírus e, atualmente, todos os Estados
brasileiros registram transmissão do arbovírus.
“É um grande erro achar que uma epidemia vai ser igual em
todos os países. Estudamos casos de epidemias na Ásia, em ilhas como Cingapura.
Só que o Brasil é muito grande, temos várias arboviroses circulando ao mesmo
tempo. Portanto, é algo mais complexo de se analisar. Uma única epidemia pode ser,
na verdade, várias concomitantes. Por isso, mais uma vez a importância de uma
vigilância sanitária forte”, afirma.
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