Após 10 anos, família de Amarildo está perto de receber indenização - STJ decidiu que estado do Rio deve pagar R$ 500 mil para a viúva
Dez anos após a morte e o desaparecimento de Amarildo Dias de Souza, a família está mais perto de receber uma indenização do estado do Rio de Janeiro. O processo criminal, no entanto, que pede a condenação dos policiais militares responsáveis ainda aguarda decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O ajudante de pedreiro Amarildo desapareceu entre os dias 13
e 14 de julho de 2013, após ser detido por policiais militares e conduzido, da
porta de sua casa, na Favela da Rocinha, zona sul do Rio de Janeiro, em direção
à sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do bairro. Segundo a justiça,
ele foi torturado e morto por policiais e seu corpo nunca foi encontrado.
“A gente nunca imaginou passar, na vida, por uma coisa como
essa. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo. Uma coisa como esta que é
perder o pai, que sempre esteve presente contigo, que sempre esteve cuidando de
você e da sua família. Sumiram com meu pai de um jeito que até hoje a gente
busca resposta”, diz o filho mais velho de Amarildo, Anderson Gomes Dias.
Ele conta que a família espera, há dez anos, uma resposta
efetiva do estado e a punição dos responsáveis. “O sentimento é de que gente
pobre não tem voz”, opina. “Até hoje, para a gente, o estado não deu nenhuma
resposta. A gente quer justiça. Enquanto a gente não encontrar o meu pai, os
restos mortais do meu pai e o estado for oficialmente culpado pelo que fez com
a minha família, a gente não vai se calar”, diz.
A viúva de Amarildo, Elizabete Gomes da Silva, compartilha o sofrimento de não ter podido enterrar o marido. Ela conta que os últimos anos foram muito difíceis.
“Mudou muita coisa, a gente não tem mais a vida que a gente tinha quando ele era vivo. Ele era a coluna da casa. Só piorou, não melhorou em nada”, reclama. Para ela, a espera por justiça "é um constrangimento muito grande para a família".
Indenização
Depois de dez anos, de acordo com o advogado da família, João
Tancredo, a família está mais perto de uma indenização. Após uma longa
tramitação que chegou à última instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ),
em Brasília, decidiu que o Estado do Rio de Janeiro deve pagar indenização por
danos morais de R$ 500 mil para a companheira e para cada um dos filhos do
Amarildo, além de pensão até que os filhos completem 25 anos. Já os irmãos de
Amarildo deverão receber R$ 100 mil.
Na terça-feira (11), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro (TJRJ) publicou despacho pedindo a intimação do Estado do Rio para
que cumpra a decisão.
Procurada pela Agência Brasil, a Procuradoria Geral do Estado
do Rio de Janeiro (PGE) disse que ainda não tinha sido intimada até essa
quinta-feira (13): “O Estado aguarda a intimação da Justiça determinando o
pagamento de indenização”, informou.
“Ao contrário do que dizem, que ‘a Justiça tarda, mas não falha’, eu acredito que a Justiça que tarda, na verdade, falha”, diz Tancredo. “Essa Justiça demorada é uma Justiça muito perversa com esse tipo de caso. É muito perversa porque, além do mal causado pelo desaparecimento, você não indeniza no tempo adequado e quando indeniza, qual o valor razoável para um caso desses? Não tem valor razoável”, salienta.
Segundo Tancredo, outra ação cível tramita no STJ com pedido
semelhante de indenização para dois outros irmãos de Amarildo. Além dessa ação,
tramita também no STJ, a ação criminal contra os policiais responsáveis pelo
crime.
Ao todo, 25 policiais foram processados. Um deles morreu
antes da decisão, e 12 foram condenados pelo sequestro, tortura, morte e
ocultação do cadáver de Amarildo. A decisão que decretou a prisão dos policiais
também determinou que eles perdessem a função pública. Dez policiais militares
condenados foram excluídos da corporação. Ninguém foi preso. Os policiais
recorreram da decisão.
Desaparecimentos
no Rio
Segundo a organização não governamental (ONG) Rio de Paz, o
estado do Rio de Janeiro registra cinco mil desaparecimentos por ano.
“Assassinato seguido de ocultação de cadáver é algo que faz parte do cotidiano
do estado do Rio”, diz o fundador da Rio de Paz, Antonio Carlos Costa.
“Estamos perante um escândalo, agentes do poder público matam
um cidadão brasileiro, ocultam o seu corpo e vivemos em uma cidade tomada de
cemitérios clandestinos. É a barbárie”, acrescenta.
Segundo Costa, é necessário não apenas um posicionamento do estado em relação aos casos específicos, mas mudanças efetivas na política de segurança. “O que mudou na política de segurança pública do estado? Nada. A causa deve ser o fato de que quem morre é pobre”, observa.
Procurada, a Secretaria de Estado de Polícia Militar
informou, por meio da assessoria de imprensa, que a Corregedoria Geral da
Corporação “cumpriu rigorosamente todas as etapas previstas em lei em relação a
este episódio”.
De acordo com a Secretaria, foram instaurados procedimentos
para apurar a conduta dos policiais militares de serviço no dia 14 de julho de
2013, na UPP da Rocinha.
“Ao final do processo, no qual todos tiveram o amplo direito
de defesa, seis integrantes daquela equipe foram excluídos dos quadros da
Polícia Militar. Em relação aos dois oficiais, a decisão final está no momento
no âmbito do Tribunal de Justiça”, diz em nota a secretaria.
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