09No estudo
de venenos, identificar quais são os genes referentes às toxinas dentro da
imensidão de “letras” de um genoma é um grande desafio. Para facilitar esse
trabalho, pesquisadores do Instituto Butantan desenvolveram uma ferramenta
capaz de encontrar automaticamente os genes de interesse dentro de uma
sequência genética utilizando inteligência artificial. O software ajuda a
desvendar componentes de venenos mais rapidamente e pode ser útil em pesquisas
biomédicas, que buscam moléculas terapêuticas, e em estudos de evolução.
Disponível
na plataforma gratuita GitHub, o ToxCodAn-Genome foi validado em estudo
publicado na revista GigaScience e acompanha tutorial completo. O trabalho foi
conduzido pelo biólogo Pedro Nachtigall durante seu pós-doutorado no Butantan,
sob supervisão do pesquisador científico Inácio Junqueira, diretor do
Laboratório de Toxinologia Aplicada (LETA). Hoje, Pedro é pesquisador na
Universidade de Oslo, na Noruega.
Os cientistas testaram a performance da ferramenta usando dados genômicos de diferentes animais, como serpentes, escorpiões e arraias. Como estudo de caso, sequenciaram pela primeira vez o genoma completo da urutu-cruzeiro, uma das principais serpentes peçonhentas brasileiras. Além disso, analisaram glândulas de veneno para comparar os genes de toxinas e atestar a confiabilidade do software.
“Sabemos que
a maioria dos genes de toxinas se duplicam. Então, com base em um banco de
dados, a ferramenta usa esse padrão para encontrar regiões que são altamente
duplicadas e, juntamente com outras propriedades, diferenciar o que é toxina e
o que não é”, explica o autor da pesquisa.
Apesar de
existirem tecnologias avançadas de sequenciamento genômico (DNA) e
transcriptômico (RNA), ainda não havia uma ferramenta computacional robusta
capaz deauxiliar na anotação das partes referentes às toxinas. Em estudo
anterior, o grupo já havia desenvolvido um software chamado ToxCodAn, voltado
para a identificação das toxinas no transcriptoma. Agora, o novo
ToxCodAn-Genome pode fazer o mesmo usando genomas.
Com o uso da
bioinformática, um trabalho que antes demorava semanas pode ser concluído em
algumas horas. “O que se fazia antes era como ler um livro inteiro e grifar
toxina por toxina. Hoje, que temos uma quantidade cada vez maior de dados,
ferramentas bioinformáticas automatizadas são imprescindíveis para a pesquisa”,
destaca Inácio. “Conseguimos desenvolver softwares que entregam uma anotação
mais confiável, de forma mais rápida e efetiva”, completa Pedro.
Outra
vantagem do uso do programa é que não é preciso extrair o veneno do animal para
identificar as toxinas. É possível fazer isso apenas usando dados do genoma,
que podem ser obtidos de amostras simples de sangue ou de qualquer tecido do
animal. Muitos sequenciamentos também já estão disponíveis em bases públicas.
Assim, mesmo laboratórios sem especialidade em extração de veneno, por exemplo,
conseguem reproduzir as análises.
O Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan tem aliado técnicas de bioinformática para auxiliar no estudo de toxinas há cerca de cinco anos. O primeiro software, denominado MITGARD, foi publicado em 2021 e serve para automatizar a montagem do DNA mitocondrial de espécies a partir de sequências de RNA ou DNA.
“As
mitocôndrias, que são organelas das células, possuem um DNA próprio e diferente
do DNA do núcleo. O DNA mitocondrial é muito usado em estudos de evolução e
relação entre espécies. Nós desenvolvemos uma forma de usar dados
transcriptômicos ou genômicos de qualquer tecido para achar o genoma da
mitocôndria com mais agilidade e maior acurácia”, afirma Pedro.
Potencial
terapêutico dos venenos
Os estudos
de toxinologia no Butantan também envolvem a busca por moléculas com atividades
anti-inflamatórias, analgésicas ou antitumorais, que podem ser aproveitadas
para o desenvolvimento de futuros medicamentos. Um exemplo é a crotoxina,
proteína do veneno da cascavel que vem sendo estudada há 20 anos pelo Centro de
Desenvolvimento Científico e já demonstrou ação contra tumores em testes em
animais.
“Um
medicamento para hipertensão arterial amplamente usado na medicina, Captopril,
foi desenvolvido a partir de uma proteína encontrada no veneno da jararaca.
Então, facilitar a identificação de toxinas também pode contribuir para a
pesquisa de novos biofármacos no futuro”, conclui o biólogo.
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