Seca extrema derruba produtividade de cana e usinas antecipam colheita - Levantamentos indicam queda de produtividade e impacto de perdas
A empresa, que faz monitoramento para o desenvolvimento de
tecnologias no setor, observou ganho discreto na qualidade da matéria-prima por
meio da medição de Açúcar Total Recuperável (ATR) na safra, ligeiramente acima
em 2024, com 136,71 kg por tonelada de cana colhida. A UNICA observou melhoria
mais acelerada entre seus associados, com 160,30 kg de ATR por tonelada de
cana-de-açúcar este ano contra 149,84 kg por tonelada na safra 2023/2024 –
variação positiva de 6,98%. No acumulado da safra, o indicador foi de 142,23 kg
de ATR por tonelada, alta de 1,03% em relação ao mesmo período no ano passado.
A UNICA informou que operaram na primeira quinzena de outubro
255 unidades produtoras na região centro-sul, sendo 236 unidades com
processamento de cana, nove empresas que fabricam etanol a partir do milho e
dez usinas flex. No mesmo período, na safra 23/24, operaram 259 unidades
produtoras. A associação mostrou ainda que, na primeira quinzena de outubro, as
unidades produtoras da região centro-sul processaram 33,83 milhões de
toneladas, enquanto na safra anterior haviam processado 32,93 milhões. O
aumento foi de 2,75%. No acumulado da safra 2024/2025 até 16 de outubro, a
moagem atingiu 538,85 milhões de toneladas, 2,36% a mais do que os 526,43
milhões de toneladas registrados no mesmo período do ciclo anterior.
Especialistas consultados pela Agência Brasil atribuíram o aumento a um
adiantamento na colheita, medida usada para evitar perdas maiores na
produtividade.
Diminuição esperada
Segundo Maximiliano Salles Scarpari, pesquisador do Instituto
Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São
Paulo, o monitoramento realizado pelo projeto PrevClimaCana, do qual participa,
indicava resultado abaixo de 2023 já no primeiro trimestre. Ele destacou que o
déficit já era anormal desde dezembro de 2023 e se acentuou no período entre
março e outubro de 2024, sendo o mais longo medido pelo IAC desde 1934, quando
começou a série do instituto. Como o ano de 2023 teve boa oferta hídrica e uma
relação alta de tonelada de cana por hectare, a quebra de safra ficou mais
evidente ainda com a seca extrema deste ano.
Maximiliano explicou que o aumento da moagem é uma estratégia
comum do setor, que adequa a colheita para aproveitar o momento mais favorável,
alterando o planejamento dentro da safra. "As usinas vão antecipando
áreas, e o rendimento da colheita dentro da safra foi bom. Para o futuro, a
tendência é que terão mais tempo para se preparar para a próxima safra, com
manutenção de equipamentos de colheita e moagem", afirmou o pesquisador,
destacando que a manutenção de um cenário de seca deve levar a uma segunda
safra afetada, pois a brotação, que já começa agora, teve impacto. A extensão
desse dano, porém, só será mensurável a partir de meados de dezembro próximo e,
de forma mais clara, no final do primeiro trimestre de 2025.
"A cana este ano foi praticamente colhida, por ter sido
um ano de déficit hídrico alto. Poucas áreas ainda não foram colhidas, e a
tendência é de fechamento com t/ha baixo, o que, a depender do estoque, pode
impactar os preço de açúcar e álcool. Isso não tem como reverter, mas pode ser
amenizado com técnicas de irrigação", completou Scarpari. Tal estratégia,
porém, dependerá de concessão de novas outorgas de uso de água que, ao menos em
São Paulo, têm sido autorizadas de maneira criteriosa e dando preferência ao
uso no abastecimento das cidades. Para os produtores, acrescenta, uma
alternativa que tem sido discutida e mesmo aconselhada é o uso de seguros
paramétricos pelos produtores, baseados em critérios de produtividade, seja na
quantidade (para t/ha) ou qualidade (para ATR). Essa medida amenizou o impacto,
principalmente frente às queimadas, às quais o setor atribuiu impacto da ordem
de R$ 1 bilhão em prejuízos neste ano.
Preparação da cana
As variedades de cana brasileiras são selecionadas para
tolerar cenário de seca, segundo o pesquisador Vinicius Bufon, da Empresa
brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Meio Ambiente). Como mais da
metade da produção da matéria-prima ocorrem em áreas de cerrado ou de transição
para cerrado, com chuvas e estiagens concentradas e oscilando em período de
cinco a sete meses, a planta é bastante rústica e sobrevive à intempérie, mas
"sempre haverá redução do potencial produtivo como consequência. Isso
agrava à medida que a produção de cana migra para o cerrado mais interior, mas
também nas regiões produtoras tradicionais, à medida que as mudanças climáticas
trazem eventos de seca mais frequentes e mais intensos", alerta Bufon.
Ele lembrou que uma seca como a deste ano pode gerar perdas
ainda maiores, o que ocorreu em algumas usinas acompanhadas, onde se perdeu
mais de 15 t/ha entre 2023 e 2024. Há tecnologias, com aplicação recomendada
para as lavouras, que podem amenizar o cenário, em especial a adoção de
irrigação em parte da produção. "O sistema irrigado de produção pode ser
adotado, principalmente, em duas modalidades. A primeira é a irrigação de
salvamento, que entrega uma única aplicação de água, imediatamente após a
colheita, de cerca de 30 a 60 milímetros (mm). Isso corresponde a
aproximadamente 4% da demanda hídrica da cultura durante uma safra, mas tem
grande efeito em garantir a brotação. A segunda alternativa, chamada de
irrigação deficitária, ou irrigação por déficit controlado, entrega de 20% a
25% da demanda hídrica da cultura durante a safra", defende.
A diferença, segundo o pesquisador, é que o método de
irrigação de salvamento pode ser adotado em 30% a 50% da lavoura, especialmente
nos canaviais colhidos de maio a setembro, período mais seco, enquanto a
técnica de irrigação deficitária poderia ser adotada em 5% a 15% da lavoura,
sobretudo nos canaviais com solo mais limitante, mais arenoso, no período de 15
de julho a 15 de setembro, historicamente o mais crítico em regiões de cerrado.
"O restante do canavial, de 40% a 70%, poderia ficar estritamente
dependentes da chuva, mas colhido nas pontas mais úmidas da safra, de março a maio
e de setembro a novembro", completa.
A Embrapa não recomenda o uso de irrigação plena em nenhuma
hipótese e sempre após análise dos órgãos de controle, o que tem favorecido o
reconhecimento das técnicas de produção irrigada como ferramenta sustentável
mundialmente. "A pressão inflacionária vivida em cada um desses eventos de
seca tende a acelerar o processo. E essa expectativa não é só brasileira. O
mundo espera muito do Brasil para suprir a crescente demanda mundial por
segurança alimentar e biocombustíveis, por exemplo. Felizmente, temos
tecnologia sustentável para ofertar, temos agricultores inovadores e
competentes, e esperamos que o arcabouço de políticas públicas e linhas de
financiamento possam criar estímulos e segurança jurídica necessários para o
produtor tomar o risco do investimento que, apensar de muito viável, demanda
muito investimento", recomendou Bufon.
As outorgas de exploração foram suspensas em alguns períodos críticos, principalmente em São Paulo, e a recuperação do nível dos poços nos principais aquíferos não tem ocorrido todos os anos, como destacou a reportagem da Agência Brasil.
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